Economia

Mercado vê com bons olhos o congelamento salarial do funcionalismo

Para economistas, diminuição dos gastos com a folha de pagamento da União é necessária para manter juros e inflação baixos, equilibrar as contas públicas e aumentar investimentos. Representantes dos funcionalismo, porém, atacam proposta

Agentes do mercado financeiro aplaudiram as declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, no Fórum Econômico Mundial, em Davos. As promessas de “atacar a folha de pagamento” do funcionalismo, a partir do congelamento do gasto com salários foram interpretadas como “um sinal de que o Brasil está no rumo certo”, disse Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating Agência Classificadora de Risco. “O discurso melhora a percepção de risco, aumenta a confiança e, consequentemente, atrai mais investimentos de longo prazo”. Por outro lado, assinalou Agostini, é difícil avaliar a dimensão do impacto, enquanto as iniciativas não forem detalhadas e postas em prática.


“O que Guedes fez em Davos foi mostrar que o Brasil está sob nova gestão. Mas o país ainda depende de uma série de ajustes para conquistar a estabilidade fiscal e monetária e manter os juros e a inflação baixos”, reforçou Agostini. Na mesma linha, Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, destacou a importância de Paulo Guedes deixar claro, para o mercado internacional, que “pretende tornar flexíveis contas hoje inflexíveis, ou seja, que quer se ver livre de gastos engessados e obrigatórios, como a folha de pagamento”.


A relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) está em 79%, lembra Rosa, um desequilíbrio que incomoda os investidores. “Mas é claro que eles querem é ver a concretização de tudo isso no Congresso”, ponderou Rosa. O economista Gil Castello Branco, coordenador-geral da Associação Contas Abertas, citou documentos de instituições como Banco Mundial, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fundação Getulio Vargas (FGV) e relatório de transição do governo de Michel Temer para a atual gestão, mostrando que, há vários anos, o país gasta mais do que arrecada, a dívida cresce, as despesas obrigatórias explodem e os gastos discricionários (que incluem os investimentos) decrescem.


“As despesas obrigatórias já representam 93% da despesa primária. As discricionárias, apenas 7%. Os gastos com pessoal e previdência somam 65% das despesas primárias. Se nada for feito, os investimentos tenderão a zero. Além disso, servidores federais têm, em média, salário 96% maior que profissionais da iniciativa privada em cargos semelhantes. A diferença, no Brasil, entre os salários do setor público federal e os do privado é a maior entre os 53 países comparados pelo Banco Mundial”, enumerou Castello Branco. Diante desse quadro, afirmou, o reequilíbrio fiscal passa necessariamente pela redução das despesas com previdência e pessoal. “O Estado brasileiro é paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro. Apesar da carga tributária elevada, os serviços, de uma forma geral — pois existem ilhas de excelência — são de péssima qualidade”, destacou.

Críticas

A visão predominante entre os economistas não é compartilhada por representantes sindicais dos servidores. Para eles, a redução da folha não produzirá, automaticamente, investimentos em saúde, educação, infraestrutura. “As propostas do governo não têm o objetivo de conter desemprego ou elevar salário de trabalhadores da iniciativa privada, com a redução da folha de pagamento dos servidores públicos”, garantiu Vladimir Nepomuceno, especialista em políticas públicas e consultor de entidades sindicais. O funcionalismo já se articula para tentar barrar qualquer açaodo governo no Congresso que o prejudique.

 


A intenção do governo, afirma Nepomuceno, é unicamente pagar a dívida e repassar mais dinheiro aos bancos pela transferência dos recursos de 281 fundos públicos (R$ 220 bilhões). “Mesmo que um  órgão como, por exemplo, o INSS, seja superavitário, os seus recursos não serão usados em benefício da autarquia. E isso está claro no artigo 7º da PEC nº 188/2019. O problema é que muitos não prestam atenção.”


Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), destacou que a situação do país seria diferente se o presidente Bolsonaro cumprisse promessas de campanha e restirasse benefícios fiscais de bancos e setores da indústria. “Nada foi feito. São desperdiçados bilhões que poderiam reduzir o rombo nas contas públicas e aumentar os investimentos em trabalho, renda e infraestrutura. A estratégia, até agora, tem sido criar o caos, para depois dizer que a solução é entregar tudo para a iniciativa privada”, criticou Silva.

Ganho real mais difícil

O Balanço de 2019 do Índice Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), aponta que, entre as perspectivas para 2020, a conquista de possível ganho real (raro no ano de 2019) para os trabalhadores da iniciativa privada “deve voltar apenas a partir de abril”.


No resumo do ano passado, o estudo afirma que o custo de vida atingiu com força os salários e corroeu as remunerações, pois houve “mais inflação e menos reajuste real”. Apenas 49,4% das negociações feitas em 2019 resultaram em reajustes reais. Em 2018, a proporção foi de 75,5%. “Entre as 49 categorias, apenas 25 conseguiram algum aumento real”, informa o Salariômetro.


A proporção de reajustes abaixo da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), em 2018, foi de 9,9% em todas as negociações salariais no país. Em 2019, o índice aumentou para 25%. Os reajustes iguais ao INPC estavam em 14,6%, há dois anos, e subiram para 25,6%, no ano passado. Já os ganhos acima da inflação despencaram: ocorreram em 75,5%, das negociações salariais, em 2018, mas somente em 49,4% delas, em 2019. O piso médio salarial dos trabalhadores cresceu de R$ 1.183 para R$ 1.218,l no período. E os acordos com redução de jornada e salário baixaram de 58 para 23.   


“Nas 27 unidades da Federação, apenas 12 registraram reajustes reais. As pautas mais negociadas no ano foram reajuste salarial, contribuições sindicais e piso salarial.” No Distrito Federal, em São Paulo e no Rio de Janeiro, não houve reajuste salarial para a maioria das categorias de trabalhadores da iniciativa privada, informou o estudo.