Correio Braziliense
postado em 29/01/2020 15:30
A epidemia do novo tipo de coronavírus na China, que já matou mais de 130 pessoas, preocupa os exportadores brasileiros, além de afetar a bolsa de valores. Uma diminuição da demanda do gigante asiático no mercado internacional pode resultar em queda de preços e se unir a outros fatores para tornar 2020 mais difícil para o setor exportador.Enquanto isso, o mercado financeiro vê na crise na Ásia a oportunidade de compra de ativos, mas aguarda desdobramentos da situação. De qualquer forma, as preocupações giram em torno da falta de informação por parte dos chineses e a possibilidade que o quadro do contágio pelo vírus mortal seja mais grave do que parece.
Ontem, o índice Ibovespa, das ações mais negociadas na bolsa brasileira de valores, a B3, voltou a operar em alta de 1,74%, somando 116.479 pontos. Na segunda, teve a maior queda em 10 meses, recuando 3,29% a 114.481 pontos. O índice Nikkei, no Japão, atingiu a menor pontuação em três semanas (desde 8 de janeiro), com 23.215,71 pontos, retração de 0,55%. A justificativa foram as medidas drásticas das autoridades chinesas para conter o coronavírus.
O prolongamento do feriado de Ano-novo na China manteve as bolsas de Hong Kong, Xangai e Shenzhen fechadas. O mercado financeiro chinês voltará a abrir somente em 3 de fevereiro. As empresas em Xangai não retomam as atividades antes do dia 10. Já o polo industrial de Suzhou, que abriga fábricas de empresas como Johnson & Johnson e Samsung, adiou a volta de operários ao trabalho por uma semana.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, analisa que ainda falta informação para que o cenário mundial fica claro por completo, mas tudo indica que o impacto no mercado internacional será negativo. “Tudo que acontece na China tem um impacto porque é o segundo maior importador do mundo. Os efeitos serão sentidos nas commodities como petróleo, soja, proteínas e minério”, explica.
Castro prevê quedas de preços, já que a demanda chinesa deve ser menor e a oferta de países como o Brasil continuará alta, assim como a de Minas Gerais, que tem na China um grande parceiro comercial no exterior. “Tudo aquilo que não é de primeira necessidade será afetado. O contingenciamento de pessoas significa redução de trabalho, que leva a redução de consumo”, afirma.
O presidente da AEB avalia também que o maior impacto deve ocorrer no primeiro trimestre, mas é possível que os efeitos continuem sendo sentidos ao longo do ano, a depender da evolução da epidemia. Uma preocupação de Castro é o hábito do governo de chinês de não divulgar por completo a situação. “Preocupa porque as medidas tomadas pela China são muito duras”.
Outra questão que deve se somar ao coronavírus, na avaliação de Castro, é o acordo entre o país asiático e os Estados Unidos para aliviar a guerra comercial entre as duas potências. Uma das determinações é que a China deve dar preferência para a compra de produtos agropecuários americanos. Para o dirigente, isso deve significar perda de mercado para o Brasil. “Não foi um acordo; foi uma camisa de força”,classifica.
Oportunidade
O mercado financeiro também aguarda mais informações sobre o surto de coronavírus na China, mas enxerga a situação com mais otimismo. O diretor de investimentos da corretora Infinity Asset Managment, André Pimentel, vê a crise no país asiático como uma oportunidade de entrada e não como ponto de venda. “Se compararmos com o passado, com outros eventos semelhantes, o impacto é limitado”, afirma.
Porém, Pimentel aponta que as medidas duras tomadas pelo governo chinês, como o prolongamento do feriado de Ano-novo, e a falta de informação oficial preocupam e podem indicar que o quadro é mais grave do que parece. Na avaliação dele, é possível que setores ligados fortemente à economia chinesa, como a mineração, ainda podem ser prejudicados dependendo da evolução da crise.
“Tivemos um movimento clássico de corrida a ativos menos arriscados. A bolsa caiu como há muito tempo não caia”, diz. O analista ainda afirma que um dos motivos para a queda das bolsas foi a confissão do prefeito da cidade de Wuhan, epicentro da epidemia, de que ele teria omitido informações sobre o coronavírus.
Na segunda-feira, o bancos de investimentos americano JP Morgan Chase afirmou que a alta volatilidade no mercado pode representar uma oportunidade de compra de ativos. A instituição também comparou a situação atual na China com os surtos de Síndrome Respiratória Aguda (Sars), entre 2002 e 2003, e de gripe suína em 2009.A conclusão foi que esses eventos não significaram movimentos de vendas prolongados e em algumas semanas se mostraram como oportunidades de compra. O banco Morgan Stanley, também americano, concordou, afirmando que pode ser um momento de oportunidade e que por enquanto a crise de saúde na Ásia não é motivo para pânico.
Porém, há também espaço para pessimismo, especialmente em relação aos impactos no crescimento econômico chinês. O banco dinamarquês Danske Bank fez uma estimativa sobre uma possível perda de 0,8 ponto percentual no PIB (Produto Interno Bruto) da China no primeiro semestre. Já a consultoria britânica Capital Economics fala em um impacto de 3 pontos percentuais no índice chinês no primeiro trimestre do ano.
O consultor financeiro e professor de economia Paulo Vieira acredita que ainda é cedo para falar em impactos no PIB chinês ou global. “Não se sabe ainda a real extensão da doença e se ela atingirá setores e áreas economicamente sensíveis. Acho que, para influenciar a economia global, a doença tem que se transformar em uma pandemia”, analisa. Vieira pensa que qualquer previsão tem que ser feita com cuidado para evitar “um pânico desnecessário”. O professor ainda atribui as oscilações bruscas no mercado financeiro a “um nível de estresse muito alto e grande nível especulativo”.
*Estagiário sob a supervisão da subeditora Marta Vieira
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