Economia

Mesmo com crescimento da indústria, setor elétrico garante abastecimento

Para os especialistas, mesmo com uma improvável expansão mais robusta da atividade econômica, não há risco de desabastecimento

Correio Braziliense
postado em 03/02/2020 06:00
O temor com o desabastecimento recrudesceu após a situação dos reservatórios do país Depois do traumatizante apagão de 2001, a retomada do crescimento da economia reacende a preocupação com a segurança energética. Nos últimos anos, o sistema elétrico brasileiro não foi sobrecarregado porque a indústria, setor que mais consome energia, operou com ociosidade por conta da crise. Os indicadores industriais, no entanto, apontam intenção de maior utilização da capacidade instalada em 2020. Para os especialistas, mesmo com uma improvável expansão mais robusta da atividade econômica, não há risco de desabastecimento, porque, em 19 anos, o país diversificou a matriz energética — com mais parques térmicos e maior participação de geração eólica, solar e de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) — e ampliou as linhas e a capacidade de transmissão de eletricidade.

O temor com o desabastecimento recrudesceu após a situação dos reservatórios do país, que ficaram relativamente baixos nos anos mais recentes e ainda não se recuperaram completamente, alerta Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira das Companhias de Energia Elétrica (ABCE). “No entanto, novas linhas de transmissão aumentaram a interligação das regiões e a capacidade de transferência de carga. Há mais leilões de geração. Além disso, o crescimento econômico será retomado aos poucos. O setor está preparado”, pondera.

Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), “mesmo com uma possível retomada do crescimento industrial, não haverá problemas de suprimento de energia”. O consultor técnico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) Arnaldo dos Santos Junior explica que, pela ótica da demanda, o consumo industrial encerrou 2019 com queda de 1,6% em relação ao ano anterior, e de 9,4% com relação ao máximo histórico, em 2014. No entanto, para 2020, o cenário para a carga (consumo mais perdas) de energia do Sistema Interligado Nacional (SIN) aponta expectativa de forte retomada de utilização de capacidade na indústria brasileira. “Assim, o crescimento do consumo industrial projetado para 2020 é de 4,9%, maior taxa desde 2010, quando o crescimento do consumo industrial foi de 6,9%”, ressalta. A expansão da carga é estimada em 4,2% ante 2019, acrescenta.

Pela ótica da oferta, Renato Haddad Simões Machado, superintendente adjunto da EPE, assinala que o balanço do órgão considera o parque atualmente em operação e a expansão com perspectiva de entrada de energia nova nos próximos anos. “A análise foi feita com três projeções. Mesmo para o cenário de demanda superior, aderente a um crescimento mais intenso da economia, o ano de 2020 pode ser atendido com uma folga estrutural de oferta”, assegura.

Para o presidente do Fórum das Associações de Energia Elétrica (Fase), Mário Menel, que também preside a Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), há folga estrutural para 2020. “A possibilidade de racionamento está completamente descartada. Teremos quatro leilões de energia este ano, com cerca de 45 gigawatts (GW) em projetos novos num horizonte de quatro a seis anos. É uma oferta muito grande, considerando que o Brasil tem 170 GW de capacidade instalada”, assinala. Só haveria algum perigo, segundo Menel, se a indústria, muito rapidamente, pudesse ocupar a capacidade ociosa, hoje em 30%. Nenhum indicador, no entanto, aponta tal guinada, mas uma retomada gradual.

Menel avalia que a maior incerteza do setor, neste momento, não é relativa ao suprimento de energia, mas à sinalização das distribuidoras quanto à necessidade de energia. As concessionárias atendem um mercado cativo, mas a migração para o livre é cada vez maior. Além disso, a geração distribuída, como a produção de energia solar por painéis fotovoltaicos, cresce exponencialmente.

Charles Lenzi, presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), compartilha da mesma opinião. “Há uma dificuldade das distribuidoras em determinarem a demanda futura”, diz. “Mas isso não compromete a segurança do sistema. O abastecimento está garantido, sobretudo, diante de uma previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na faixa de 2,5%. Se o país crescer de 3% a 3,5%, terá de retomar os níveis de contratação de 2012/2013, aumentando a capacidade instalada em torno de 6 GW ao ano”, estima.

A melhoria do setor elétrico nos últimos anos eliminou a possibilidade de novo apagão, na opinião do presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Aurélio Madureira. “Não vejo risco. O Brasil tem feito investimentos importantes em geração e transmissão, e a distribuição investe R$ 16 bilhões por ano”, explica. “Devemos suportar o crescimento da economia, mas precisamos de tarifas mais baixas; por isso, é necessário reduzir os subsídios”, diz.

Analistas de mercado também descartam a possibilidade de desabastecimento. Gustavo Bertotti, professor da FSG — Centro Universitário da Serra Gaúcha e head de renda variável da Messem Investimentos, ressalta que o setor elétrico evoluiu muito nos últimos anos. “Fez gestão de passivo, redução de custos. Aprendeu a lição. Não temos o risco de repetir 2001. As empresas estão muito preparadas e são as principais pagadoras de dividendos.” Alan Zelazo, sócio da Focus Energia, assinala que as distribuidoras estão sobrecontratadas até 2024 ou 2025. “Mesmo que nosso sistema ainda dependa de condições hidrológicas, atualmente temos um parque térmico robusto. Ou seja, a energia pode até ficar mais cara, mas não vai faltar”, afirma.
 
 

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