Economia

Uma utopia necessária

Correio Braziliense
postado em 03/02/2020 04:34

Não sabemos com certeza porque alguns países prosperam enquanto outros não conseguem superar a pobreza, ou se desenvolvem até um certo ponto e não conseguem seguir adiante. Quando olhamos para trás na história para compreender os diferentes casos de sucesso ou de fracasso, a multiplicidade de fatores envolvidos mais confunde do que esclarece. Cada nação com sua história, sua cultura, seus recursos, é quase sempre um caso único e sua experiência não fornece receitas que possa ser replicada sem grandes adaptações.

As ciências sociais, de um modo geral, e a economia, muito particularmente com o avanço das técnicas de computação e de construção de modelos matemáticos, têm exagerado a capacidade de compreender a realidade e de mudá-la com base na razão e na ciência. Apesar disso, os políticos, hoje em dia, geralmente muito pouco preparados, costumam depositar uma confiança cega nos economistas e nos cientistas sociais para resolver os problemas concretos que têm que enfrentar.

Há poucos dias me deparei com uma advertência de grande humildade num texto de dois ganhadores do prêmio Nobel de Economia — Abhigit Banerjee e Esther Duflo: “Os economistas, nós próprios incluídos, gastam suas carreiras inteiras estudando o desenvolvimento e a pobreza, mas a verdade desconfortável é que ainda não se tem uma boa compreensão do por que algumas economias crescem e outras não. Não existe uma fórmula clara para o crescimento econômico.”

O fato de o crescimento econômico ser um fenômeno complexo, cuja compreensão requer muito mais do que os recursos intelectuais de que dispõem os economistas e outros profissionais das ciências sociais, não significa que não possa haver políticas para o crescimento ou que estas não possam ter base na razão.

A economia tende a tratar as diferentes nações como entidades abstratas, às quais se aplicam as mesmas leis. A formação histórica e cultural imprime nas sociedades marcas fortes e duradouras que influem nos resultados e nos efeitos das políticas.

Num livro editado recentemente, cujo título em português seria A hora dos economistas, o jornalista econômico americano Binyamin Appelbaum mostrou, com base, em particular na experiência dos Estados Unidos, mas com incursões em outras partes do mundo, com destaque para o Chile, nosso vizinho, que a prevalência absoluta dos economistas na direção das diversas economias, a partir de 1970, provocou muito mais problemas do que benefícios. Ele conclui que as sociedades humanas não podem ser objeto de experimentações teóricas com graves efeitos na vida real das pessoas. As teorias, ao final, se mostram incompletas ou mesmo equivocadas, mas suas consequências perduram.

Até recentemente, entre os economistas predominavam professores universitários ou servidores da burocracia do Estado, gente com uma visão mais aberta da vida econômica. Nos últimos tempos, a maioria tem vindo do mercado financeiro, destino principal do pessoal com mais talento e ambição. O universo do mercado financeiro é muito diferente da economia real e da vida social. Ali, o que predomina é o esforço máximo para antecipar os preços dos ativos financeiros e a busca pelo máximo ganho, que é a marca distintiva de status. Neste mundo, é indiferente se a economia cresce ou não, se há desigualdade ou pobreza. O importante para o Estado é criar condições favoráveis para agentes e investidores. Equilíbrio e estabilidade são as palavras sagradas.

O crescimento econômico e a luta contra a desigualdade são quase sempre processos desestabilizadores. Nem sempre ocorrem num ambiente muito ordenado. Mas,  se quisermos nos tornar realmente uma nação, no verdadeiro sentido da palavra, crescimento e diminuição da desigualdade têm que ser nossos objetivos, nossa utopia verdadeiramente humana.

Para isso, não se dispensa o cuidado com as contas do governo, mas os destinatários das políticas públicas têm que ser os brasileiros que estão na base da pirâmide social e não os sábios da Avenida Faria Lima.


“Os destinatários das políticas públicas têm que ser os brasileiros que estão na base da pirâmide social e não os sábios da Avenida Faria Lima”
Roberto Brant

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags