Economia

Brasil S/A

Correio Braziliense
postado em 09/02/2020 04:05

Futuro acidentado

O futuro a Deus pertence, sabemos todos, mas na economia o futuro pertence ao Banco Central, que fixa a taxa de juro de curto prazo e maneja as comportas do dinheiro que irriga o mercado. Pelo valor de face da decisão da última quarta-feira, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) baixou para 4,25% ao ano a taxa Selic, o futuro é promissor. Pelo que o BC aponta para a frente, há dúvidas a dirimir.

Ao contrariar os operadores do mercado de papéis da dívida pública viciados em juros, cuja distensão explica a saída do capital externo aplicado em renda fixa desde meados de 2019 e as pressões para parar os cortes, o BC deu a entender que o cenário de crescimento econômico projetado para este ano, 2,40% na expectativa do governo contra pouco mais de 1% em 2019, não seria tão seguro. Se a inflação segue mansa e a evolução do PIB continua débil, o BC fez o certo ao ir em frente.

Mas nem tanto lá nem cá, já que, ao mesmo tempo, o BC avisou que “vê como adequada a interrupção do processo de flexibilização monetária”. Isso pode significar que o ciclo de queda da Selic iniciado ainda no governo Temer acabou. Não dá para cravar, porque a nota do BC deixou a porta aberta para recuar, ao falar em “interrupção”.

Não é a interrupção ou fim do ciclo de laxismo monetário, porém, o que chama atenção. Estranho foi o comunicado do BC ao mencionar que o cenário de mercado coletado semanalmente e divulgado pelo seu boletim Focus prevê Selic de 4,25% até o fim de 2020, seguida de aumentos até 6% em 2021 e 6,50% em 2022, com tudo mais constante – inflação abaixo da meta (de 4% este ano e 3,75% em 2021), PIB crescendo rasteirinho (2,30% este ano e 2,50% em 2020) e taxa cambial em torno de R$ 4,10.

É muito ônus para pouco bônus, sobretudo, frente à longa fraqueza do mercado de trabalho. Além disso, se há todo um movimento de segurar a despesa pública graças ao teto de gasto, não é razoável o BC aceitar como natural a projeção de aumento da Selic dos operadores do mercado de dinheiro. É o BC que dita as regras do jogo do dinheiro (liquidez, juros, endividamento), não os financistas que vivem da arbitragem dos rendimentos dos papéis federais. O contrário implica subordinação.

Autonomia para arrochar?

A mensagem do ciclo de distensão monetária, que começou com a gestão de Ilan Goldfajn no BC e foi mantido pela diretoria atual com Roberto Campos Neto à frente, é que os novos níveis da Selic mais civilizada chegaram para ficar como resultado da austeridade fiscal. A reforma da Previdência e o teto do gasto seriam a fundação do novo cenário.

Por que, então, o mercado financeiro prevê aumentos da taxa de juro tabelada pelo BC depois do primeiro trimestre de 2021? E isso sem que a direção do BC se esforce em corrigir tais percepções, passando um sinal ruim de que concorda com outro ciclo de aperto monetário?

No momento em que o Congresso se dispõe a aprovar a autonomia formal do BC, convenhamos, a última coisa que pode existir é dúvida sobre as intenções da chamada autoridade monetária. Há questões a esclarecer — algumas de fé, sobre a responsabilidade efetiva da gestão dos fluxos monetários para a estabilidade do poder de compra da moeda, outras de prática operacional do BC, dada sua proximidade do sistema bancário.

Inovação não é imperícia

Nos EUA, por exemplo, o Fed tem evitado promover as fintechs, dando à banca tradicional tempo para se defender da concorrência de firmas geradas no ecossistema da tecnologia da informação, as tais startups. Pagamento instantâneo só agora entrou na agenda do Federal Reserve.

Já na Inglaterra, fintechs do mundo todo encontraram terreno propício para prosperar, graças ao ambiente regulatório aberto à inovação, como o “open banking” — mecanismo pelo qual, mediante autorização do cliente potencial, a empresa desafiante pode acessar os seus dados no banco em que tiver conta para estudá-los e fazer uma proposta melhor. Tal modalidade está em audiência pública pelo nosso Banco Central.

No capítulo da concorrência, o BC vem se aplicando desde a gestão de Goldfajn, embora com excessiva prudência. Quanto à gestão da política monetária, sofre a influência dos economistas ortodoxos, maioria no mercado, na academia e na imprensa. Eles ligam as inovações no limite da macroeconomia, como as usadas pelo Fed, o Banco Central Europeu e o do Japão depois da crise de 2008, com a inépcia fiscal e monetária do tempo da Dilma. Uma coisa é inovação. Com Dilma foi só imperícia.

Ouçam André Lara Resende

Prioritário ao BC, neste momento de pausa da distensão da Selic, é pôr em escrutínio a indexação preservada pela reforma monetária de 1994 — da Selic atada ao juro de referência ditado pelo Copom aos contratos corrigidos anualmente pelo IGPM (índice de inflação da FGV) ou IPCA.

Também é tempo de, tal como nos EUA, estudar a exclusão de preços de alta volatilidade, como combustíveis e alimentos, da inflação sujeita ao regime de metas a que se obriga o BC. Se estivesse em prática tal regra, o aumento da carne no fim de 2019 não teria causado ruídos.

Por fim, mas não por último, é tempo de o BC, ou o próprio Congresso, pôr em discussão os nexos supostamente causais entre deficit fiscal, dívida pública, juro de referência e emissão monetária. Como diz o economista André Lara Resende, coautor do Real e principal economista no Brasil que estuda a evolução do pensamento da macroeconomia: “Sem inflação e sem dívida externa, o país está paralisado, preso à armadilha ideológica imposta pelos cânones de uma teoria anacrônica”.

Pondo Lava-Jato no chinelo

Incrível é a passividade de nossos políticos e empresários frente há quase 30 anos de Selic fixada pelo BC muito acima da taxa de aumento nominal (sem abater a inflação) do PIB. Nos EUA, desde que o Fed nasceu, em 1913, o juro básico superou a evolução do PIB em raras ocasiões. E, como sabem os devedores, o problema não é o vulto da dívida, mas o seu custo e a capacidade de pagá-la.

É o que Lara Resende vem dizendo, e dizemos nós, tanto quanto diz há algum tempo até o FMI, templo do conservadorismo econômico. Não temos crise de gastança fiscal, mas de desperdício e gestão ruinosa desde 2006, além da corrupção institucional dos responsáveis tanto em gerir quanto em vigiar o Estado. Essa corrupção põe a Lava-Jato no chinelo.

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