Economia

Gueitiro Genso: ''Vivemos uma revolução no sistema financeiro''

Carteira digital por aplicativo no smartphone para pagamentos já é opção avançada no Brasil

São Paulo — O uso da chamada carteira digital ainda é novo no país, mas seu potencial atraiu Gueitiro Genso, de 48 anos. O executivo deixou para trás 33 anos de carreira no Banco do Brasil – onde começou aos 13 anos – para “pivotar”, como se costuma dizer na linguagem das startups. Trocou o vínculo com a centenária instituição financeira por uma fintech. Atualmente, ele é o CEO do PicPay. “Vi que estava acontecendo uma revolução”, conta o executivo. Fundado há oito anos, em Vitória (ES), o PicPay é uma fintech que opera como carteira digital e é utilizada por meio do aplicativo nos smartphones. O usuário cadastra seu cartão de crédito ou os dados bancários e passa a usar o celular nos pagamentos. Até agora, o app já foi baixado por 14 milhões de pessoas. A previsão é chegar a 20 milhões até o fim de 2020 e atingir 100 milhões dentro de oito anos, sendo 40 milhões de usuários ativos, com operações diárias.

 

O maior acionista do PicPay é a J&F, mesma dona da JBS. Mas o controle está nas mãos do Banco Original, também pertencente à holding dos irmãos Batista. Apesar da relação com uma instituição financeira, Genso não quer saber de exclusividade e vem negociando parcerias com outros bancos para ampliar a oferta de produtos em sua plataforma e, consequentemente, as fontes de receita. Uma das novas frentes de trabalho do PicPay será, em breve, a pessoa jurídica. O app vai passar a oferecer produtos financeiros para esse público, principalmente para os pequenos empreendedores, como os que aderiram ao MEI (Microempreendedor Individual). Na entrevista a seguir, o paranaense Genso detalha os planos da empresa para o país.

A carteira digital pegou no Brasil ou ainda está longe de seu potencial?
Sim, pegou muito.  Começamos em uma época em que nem se falava em QR Code como método de pagamento. Nos últimos 12 meses, esse movimento tem se intensificado com a chegada de vários concorrentes. Os cinco maiores bancos foram nessa direção da carteira digital. Há a oferta crescente feita pelo mercado de adquirência. Também estão nesse segmento as redes de varejo e aplicativos que nasceram com outros propósitos de serviços, como logística e alimentação.

O que explica esse crescimento?
Estamos vivendo uma grande revolução no sistema financeiro e a carteira digital é a grande fronteira que está se abrindo. É uma forma de levar cidadania para o brasileiro.

O que influenciou essa mudança de comportamento?
São três fatores. O primeiro é o acesso à tecnologia. Quando o smartphone chega às mãos de mais brasileiros, isso começa a destravar um monte de coisa. Além disso, o consumidor está mais empoderado e mostra isso quando decide onde comprar e que marca escolher. Também influencia o que o Banco Central tem feito ao patrocinar uma série de medidas para o aumento da competição no sistema financeiro.

Os jovens devem aderir rapidamente à carteira digital. Mas como atrair os mais velhos?
A população como um todo acaba aderindo, é só uma questão de tempo e de educação para que se compreenda a facilidade que está no uso do smartphone na resolução de uma série de problemas.

Esse é o tipo de recurso que tem como público-alvo os desbancarizados?
Hoje há mais de 500 mil usuários que são MEIs ou que não têm CNPJ e utilizam a conta de pagamento para empreender. Uma manicure, por exemplo, pode não ter uma conta no banco, e, ao fazer o trabalho na casa de uma senhora, ela tem como receber o pagamento por meio de um crédito no PicPay. Esse crédito fica rendendo 100% do CDI naquele dia. Da mesma forma, temos hoje o app para quem quer pagar Uber, boleto ou carregar o bilhete único.

A falta de profissionais no setor de tecnologia chegou a ser um problema?
É um desafio. O setor de tecnologia está muito aquecido e vive o pleno emprego. Obviamente, os bons profissionais têm várias propostas de trabalho. Aí vem a força da marca empregadora. Essa nova geração é atraída por um propósito. Em janeiro de 2019, tínhamos 240 pessoas na empresa. Atualmente, são 1,2 mil, vamos chegar a 1,9 mil até dezembro deste ano.

Algum serviço é cobrado?
Não cobramos nenhum serviço do usuário. Oferecemos a ele a possibilidade de parcelar o pagamento de boletos em até 12 vezes, aí sim tem uma cobrança. Nossa lógica é ter um marketplace aberto, com diferentes parceiros e serviços.

Quando você chegou à empresa, disse que era preciso ter escala. Isso já aconteceu?
O Brasil não vai repetir o que existe na China, onde há dois players, o Alipay e o WeChat. Somos um país mais dinâmico. Daqui a três ou cinco anos, acredito que teremos uns seis ecossistemas, porque, nesse negócio, é preciso ter escala. 

Como vocês pretendem acelerar  o crescimento?
Agora, no primeiro trimestre, vamos lançar a conta de pagamento PJ. Com o novo produto, o empreendedor vai poder pagar boleto e tomar um empréstimo, por exemplo. Somos uma plataforma aberta. Vamos conectar o PicPay com qualquer banco. Temos audiência para isso. Lançamos o PicPay Card, nosso cartão de crédito, e vamos acrescentar ainda produtos como seguros, previdência privada e tudo que o usuário precisar em termos de serviços financeiros.

Mas a concorrência está em crescimento também, não é?
Nosso grande diferencial é a experiência. Conseguimos entregar o produto com a menor fricção possível. Estamos vivendo uma economia futura colaborativa e de relacionamento com o cliente. Não vamos tomar risco de crédito, não somos bons disso. Por outro lado, tem muita gente boa nisso. Por isso, acredito que grandes ecossistemas serão construídos. Os pagamentos serão instantâneos e todos vão ganhar um QR Code do Banco Central.

Que tipo de interação ainda é possível conseguir entre o PicPay e o Banco Original?
Ter um banco ajuda muito, mas nossa orientação é ser agnóstico. Não há exclusividade, é uma relação aberta. Se o Original for bom, eu vou continuar com ele, se não for, vou procurar outro parceiro. Assim todos ganham.

Qual é a principal diferença entre o trabalho em um banco centenário e uma fintech?
Foi uma transição muito bacana. Por ter trabalhado muito tempo e conhecer o sistema financeiro tradicional, posso contribuir ao lado dos três fundadores. Meu desafio é manter a energia das startups, daquela desorganização criativa, e ter governança de uma empresa grande.

Há planos para a internacionalização?
Nos meios de pagamentos, é difícil ter operação 100% adaptável a outros países. Queremos dominar o Brasil e construir um ecossistema forte. A internacionalização faz parte dos planos, mas não no primeiro momento. Este é o ano em que estamos muito concentrados na ampliação de produtos e serviços.