Economia

Domésticas reagem a Guedes

Trabalhadoras e representantes da categoria afirmam que ministro da Economia foi preconceituoso ao afirmar que %u201Caté domésticas%u201D viajavam à Disney quando o dólar estava mais barato. Boa parte diz acompanhar patrões em deslocamentos ao exterior

Correio Braziliense
postado em 14/02/2020 04:05
Alda Neres da Silva, em Portugal: %u201CEstou gastando em euro, porque eu mereço. Trabalhei muito para conseguir isso%u201D

A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) emitiu nota de repúdio aos comentários do ministro da Economia, Paulo Guedes, que, ao comentar a mudança de patamar da taxa de câmbio, afirmou que, o período em que o dólar esteve mais barato permitiu que “até empregadas domésticas” viajassem à Disney. Segundo a Fenatrad, com o atual salário da categoria, só dá para ir à Disney se for a trabalho, para cuidar dos filhos dos patrões.

“Com o salário que recebe uma doméstica neste país, a viagem à Disney só ocorre se for acompanhando os empregadores, para tomar conta de seus filhos. Ou seja, a viagem é a trabalho. O salário mal dá para garantir uma cesta básica, nem mesmo financiar um momento de lazer com a sua família”, afirmou a presidente da Fenatrad, Luiza Batista.

Ela afirmou, porém, que mesmo não tendo condições de se presentear com uma viagem à Disney, trabalhadores domésticos podem gastar seu salário como quiserem. “As domésticas contribuem para a economia. Somos representantes da classe trabalhadora, e temos o direito de gastar o dinheiro como desejar”, disse. Para a presidente da Fenatrad, Guedes fez uma “declaração extremamente preconceituosa e infeliz” ao sugerir que as empregadas não deveriam ir à Disney.

O presidente da ONG Doméstica Legal, Mario Avelino, também criticou a declaração de Guedes, afirmando que ela mostra a visão preconceituosa e patriarcal em relação ao trabalhador doméstico. “É uma visão equivocada e desrespeitosa ao trabalhador, que já é desrespeitado por não ser reconhecido como gerador de renda pelas empresas. O salário médio de uma doméstica com carteira está em R$ 1.289, e em R$ 890 na informalidade. É impossível um trabalhador desse levar uma família a lazer aos Estados Unidos”, afirmou.

Ele ainda destaca que a maioria das empregadas domésticas viaja  à Disney, mas como babás com a passagem custeada por seus empregadores, ganhando adicional de viagem, que hoje é garantido por lei. “É uma criminalização do trabalhador em uma cultura de casa grande e senzala, vinda de um ministro de Estado. Esperamos um cuidado maior na busca pela formalização do trabalho, que dê dignidade ao trabalhador como outro qualquer”, ressaltou.

Empregada doméstica em Brasilia, Maria José Cardoso dos Santos, 52 anos, disse que se sentiu ofendida pela fala do ministro da Economia. “Achei um absurdo, porque a gente trabalha honestamente, para economizar. Ninguém nasce de cima, temos que começar de baixo. Eu acredito que ele começou lá de baixo, se ele está lá em cima, não foi direto pra lá. (Ele) tem que agradecer muito a Deus pela posição em que está, e olhar para os que estão embaixo, não humilhar”, desabafou.

Maria José conta que seu marido é cobrador de ônibus e possui uma filha que mora no estado do Alabama, nos Estados Unidos. “A gente economiza no final do ano e faz viagens. Não viajei pra fora (do país) ainda, mas pretendo. Gostaria de ir aos Estados Unidos. Meu esposo tem uma filha lá, ela sempre chama a gente pra ir. Já faz quatro anos que ela se casou com um americano e mora lá.”

Alda Neres da Silva, que mora em Portugal, para onde foi acompanhando os patrões, diz que Guedes foi preconceituoso. “Que bom que todos estavam podendo viajar com o dólar barato. Eu não fui para a Disney, mas estou em Portugal, gastando em euro, porque eu mereço. Trabalhei muito para conseguir isso”, afirmou.

*Estagiários sob supervisão
de Odail Figueiredo

Nada a declarar

Após a repercussão negativa das declarações que fez na quarta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, evitou falar com a imprensa ontem. Ele participou de um almoço, exclusivo para empresários, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), mas saiu sem falar com os jornalistas. A assessoria do presidente da entidade, Paulo Skaf, informou que, no encontro, o ministro tratou da reforma tributária e dos desafios da indústria brasileira.

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