Correio Braziliense
postado em 18/02/2020 04:06
A falta de uma alternativa para evitar a criação de um novo imposto para substituir a “nova CPMF”, proposta impopular que culminou com a queda do então secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, no ano passado, é um dos impasses que impediram, até agora, a equipe chefiada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de concluir uma proposta de reforma tributária a ser encaminhada ao Congresso. Várias vezes prometida “para a semana que vem” por Guedes, a proposta está perto de completar um ano desde a primeira manifestação nesse sentido.
“Eu tinha feito uma pesquisa e achei declarações de julho, mas já me passaram informações de que isso pode ter ocorrido também entre abril e maio do ano passado”, disse o economista Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas. Na avaliação de Tinoco, se o governo federal não apresentar o projeto que quer, não haverá reforma, apesar de toda a mobilização do Congresso, onde tramitam duas propostas distintas: a PEC nº 45, na Câmara, e a PEC nº 110/2019, no Senado. “O governo federal é ator importantíssimo porque é a Receita Federal que tem acesso a dados que ninguém tem para os cálculos”, explicou.
Nos últimos dias, a equipe econômica tem sinalizado que não tem uma proposta de reforma tributária propriamente dita, porque centraliza as mudanças apenas em tributos federais e deixa de fora o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual, tributo que tem o maior número de distorções, na visão de especialistas. A grande queixa de analistas, contudo, é a falta de clareza do que o governo pretende. A reforma tributária é uma das mais importantes da agenda econômica pós-reforma da Previdência. E, enquanto o governo não se decide, os investidores continuam cautelosos e a economia continua fraca.
Efeito
Autor da proposta de reforma tributária que norteia a PEC nº 45, o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CciF), não vê problema se as discussões da reforma tributária ficarem para depois do carnaval. Contudo, afirma que, se ela não for aprovada este ano, “o efeito principal é postergar um crescimento mais sólido da economia”.
Appy ressaltou que, se a proposta feita por ele, unificando cinco tributos federais, estaduais e municipais, fosse aprovada, o efeito sobre o crescimento do PIB seria de 20 pontos percentuais em 15 anos. “É um impacto muito forte”, destacou. Ele diz que seria muito bom se o governo participasse da discussão, apesar dos esforços do Congresso. “A impressão é que a discussão vai avançar sem a proposta do governo. Seria importante ter uma posição de consenso e, nesse ponto, seria bom que o governo enviasse a sua proposta e participasse do debate”, afirmou.
Para o economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, o governo precisa aproveitar logo o momento da taxa básica de juros (Selic) no menor patamar da história, de 4,25% ao ano, para fazer as reformas. “Os juros baixos são uma janela de oportunidade para o governo avançar na agenda reformista. Mas é preciso ver se ele vai conseguir aproveitar esse espaço”, afirmou.
Segundo o economista José Roberto Afonso, um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), é preciso que a discussão seja integrada com o que está sendo feito no resto do mundo. Ele lembrou que uma reforma tributária não é uma tarefa fácil, mas criticou o fato de ela estar sendo iniciada pelo fim, sem um diagnóstico mais preciso e com dados atualizados sobre a tributação no país. “A economia mudou radicalmente, e, ao mesmo tempo, os dados desapareceram”, lamentou.
O economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, demonstra preocupação com o excesso de declarações de integrantes do Ministério da Economia dando direções diferentes e, “por vezes, inconsistentes”, sobre reforma tributária. “O governo está dividido sobre o que fazer. Meu temor é perdermos a oportunidade de aperfeiçoar nosso sistema tributário, que é bastante disfuncional. Já perdemos o ano passado, quando a reforma tributária poderia ter avançado depois da aprovação da reforma da Previdência”, disse ele, lembrando que o ano é curto para o avanço da “pauta pesada” no Legislativo, devido às eleições municipais.
Críticas
“A impressão é que a agenda pós-reforma da Previdência está muito solta. Ninguém sabe qual é o encaminhamento do governo e qual é a prioridade. Colocaram muita coisa nas PECs enviadas ao Senado e não se sabe qual é a agenda, porque, até agora, ninguém do governo foi participar de audiência pública”, criticou o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito. “O presidente deixou para o Congresso a organização da agenda econômica e a articulação está cheia de ruído. Isso não está bom”, emendou.
Perfeito lembrou que um grupo de críticos das propostas em tramitação no Congresso lançou ontem, em São Paulo, um movimento criticando a reforma tributária, com líderes do varejo, e, principalmente, contra a volta da CPMF. O movimento foi censurado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Para o parlamentar, “não é justo” que, em vez de participar de debates com a sociedade civil, parte dos empresários esteja “fazendo campanha contra”. Maia lembrou que, durante a tramitação da reforma da Previdência, a postura foi diferente, porque eles “não pagam a conta” das mudanças nas regras de aposentadoria. “Os mais simples deram sua contribuição na previdenciária. Os servidores, uma contribuição maior”, disse. “O que a gente não pode é aceitar informações distorcidas, muitas vezes falsas, sobre esse debate”, alertou.
No início do ano, em consenso com Maia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou a criação de um colegiado formado por 25 deputados e 25 senadores para criar um texto consensual e facilitar a aprovação da matéria que simplifica a cobrança de tributos. As bancadas ainda precisam indicar os integrantes.
Colaborou Alessandra Azevedo
“O governo está dividido sobre o que fazer. Meu temor é perdermos a oportunidade de aperfeiçoar nosso sistema tributário, que é muito disfuncional. Já perdemos o
ano passado “
Marcos Lisboa, presidente do Insper
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