Correio Braziliense
postado em 27/02/2020 04:14
Com dois dias e meio de atraso, o mercado brasileiro, fechado desde a sexta-feira até as 13h de ontem por conta do feriado de carnaval, sentiu o baque do avanço do coronavírus fora da China. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) abriu em queda forte e o principal índice de lucratividade, o Ibovespa, fechou com desvalorização de 7%, aos 105.718 pontos. O dólar subiu 1,12%, cotado em R$ 4,44, renovando o recorde histórico. Segundo estudo elaborado por Einar Rivero, da empresa de informações financeiras Economatica, as empresas listadas na B3 perderam, em um dia, R$ 290,2 bilhões em valor de mercado.
A B3 teve o pior pregão desde 18 de maio de 2017, quando houve desvalorização de 8,8% devido à crise política gerada pelo vazamento de conversa entre o empresário Joesley Batista, da JBS, e o ex-presidente Michel Temer. A queda de ontem consumiu todo o movimento de alta que a bolsa vinha registrando desde o fim do ano passado. “Voltamos ao patamar de 19 de novembro. Naquele dia, fechamos a 105.864 pontos. Depois, subimos mais de 13 mil pontos em menos de dois meses. Era um momento de forte expectativa por conta do excesso de euforia e da migração do capital da renda fixa para a renda variável. Todo esse movimento de alta foi engolido pelo coronavírus”, avaliou o analista da Rico Investimentos Thiago Salomão.
Apesar de a desvalorização já ser esperada pelos especialistas, a perda de 7% foi um pouco além do estimado. Para Vitor Hugo Fonseca, economista da G2 Investimentos, o que estava precificado era um recuo de 5%. “Como ficamos dois dias e meio sem pregão, havia uma defasagem que o mercado tinha que cobrir para ajustar os preços. Mas a queda foi maior do que a prevista”, afirmou. Fonseca disse que ainda não se sabe como a epidemia vai afetar a economia real, mas teme pelo pior: “Achava-se que ia reduzir o crescimento global só no primeiro trimestre, agora, se considera um estrago para o ano todo.”
Mais afetadas
As ações das companhias aéreas, principais afetadas pelo cancelamento de voos, foram as mais afetadas. Os papéis da Gol despencaram 14,67% e os da Azul caíram 13,17%. Ativos mais negociados da B3, os papéis preferenciais da Petrobras recuaram 10%, e os ordinários, 9,95%. A estatal perdeu, em um dia, R$ 39,2 bilhões em valor de mercado, segundo a Economatica. As ações da Vale sentiram o tombo, sobretudo, depois de um navio da empresa encalhar com milhares de toneladas de minério de ferro na costa do Maranhão. Os papéis da mineradora caíram 9,54% e a companhia se desvalorizou R$ 24,5 bilhões. Os principais bancos brasileiros também perderam bilhões em valor de mercado: o Bradesco encolheu R$ 15,5 bilhões, o Itaú, R$ 13,7 bilhões, e o Banco do Brasil, R$ 11,3 bilhões.
Não é possível prever o que virá no resto da semana, mas, conforme José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, os mercados devem se acalmar. “Esse ajuste era esperado, seguindo as bolsas de fora, que hoje (ontem) reduziram as perdas, algumas andando de lado”, disse. Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones 30 caiu 0,46%, mas o Nasdaq avançou 0,17%. Na Europa, a bolsa de Londres subiu 0,35%, a de Paris, 0,09% e a de Milão, 1,44%. A de Frankfurt recuou 0,12%.
Na opinião de Pedro Galdi, analista de investimento da Mirae Asset, o coronavírus vai impor volatilidade global por mais alguns dias. Ivo Chermont, economista-chefe da Quantitas Asset, também não arrisca cravar que a Bolsa vai parar de cair. “O coronavírus é uma coisa sobre a qual ninguém tem controle, por enquanto. O mercado antecipa coisas mais previsíveis. Nesse caso, estamos no meio do furacão, sem qualquer capacidade de previsão”, disse.
Pânico
O que o mercado precifica é como a epidemia vai afetar a economia real, assinalou William Teixeira, head de renda variável da Messem Investimentos. “Temos uma fábrica da Samsung fechada na Coreia do Sul”, destacou. Ontem, a Microsoft afirmou, em comunicado, que precisou atualizar sua expectativa para o resultado de terceiro trimestre fiscal de 2020. A justificativa é a demora acima do normal nas operações de suprimento. Apesar do pânico inicial, para Teixeira, o efeito do coronavírus será limitado. “Daqui a pouco terá vacina. A primeira indústria farmacêutica que descobrir vai ganhar muito dinheiro. Uma empresa norte-americana anunciou que estava iniciando pesquisas e suas ações subiram 15%”, exemplificou.
Davi Lelis, assessor de investimentos da Valor, lembra que a Bolsa brasileira teve fuga de investidores estrangeiros, mas muita entrada de brasileiros. “O país passou por um amadurecimento financeiro, com a entrada de novos investidores. Muitos são marinheiros de primeira viagem e podem ficar nervosos. Mas, se compraram para longo prazo, não é hora de sair”, alertou. “Quem está passando mal com as desvalorizações deve reavaliar o perfil e ir para fundos com menos volatilidade”, recomendou.
Sidnei Nehme, diretor executivo da NGO, explicou que a subida recente da Bolsa estava ancorada na pessoa física, que, com a queda dos juros, se deslocou da renda fixa para a variável. “Esse investidor é extremamente sensível ao risco e sai correndo na primeira perda”, disse.
Lelis, no entanto, lembrou que muitos gestores ainda apostam em um Ibovespa em 130 mil a 140 mil pontos a médio prazo. “Tem quem queira aproveitar os preços baixos”, disse. Foi o que fez o Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffet, que praticamente triplicou a fatia que detinha do IRB Brasil Re, comprovando que investidores gostam de entrar em momentos de baixa, como o atual.
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