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Choque do governo com Congresso pega a economia ainda anêmica e agora à mercê de uma crise mundial

Correio Braziliense
postado em 01/03/2020 04:13

A virose do poder

Jair Bolsonaro não brincou carnaval, mas levantou poeira, depois que o general Augusto Heleno pôs a boca no apito num ataque ao Congresso, entendido pela ruidosa bateria do bolsonarismo como convocação para um protesto, no próximo dia 15, contra as instituições, o “Foda-se” – alusão ao sentimento de Heleno captado numa transmissão do governo.

Tudo isso ganhou contorno de batalha campal entre os apoiadores de Bolsonaro e os setores da sociedade alarmados com o que, lato sensu, representa um passo grave numa série de atitudes antidemocráticas. Já seria inconveniente por todas as razões listadas pela Constituição.

Além delas, poderia ser dito que instabilidade é o que a economia e, portanto, a frágil paz social num país violento, com maioria pobre, invisível e secularmente desatendida, menos poderia esperar.

Não se promove guerra política, sobretudo por um governo sem maioria parlamentar, depois de dois anos de recessão recorde, com queda total de 7% do PIB em 2015 e 2016, e mais três de crescimento estagnado em torno de 1% anual. A alta de 2,4% este ano projetada pelo Ministério da Economia já vinha com viés baixista antes do carnaval, ao não se confirmarem os prognósticos de melhor desempenho, na virada de 2019 para 2020, do consumo, da produção, investimento e setor externo.

Havia também o risco de uma trombose da economia mundial, devido à epidemia do novo coronavírus na China, centro global, juntamente com o Sudeste da Ásia, das cadeias produtivas entrelaçadas. Ela já vinha fraca, ressentindo-se do embate comercial e tecnológico entre os EUA de Donald Trump e a China de Xi Jinping, e da insatisfação crescente no Ocidente com o crescimento medíocre, apesar dos inéditos laxismo monetário, juros reais negativos e dívidas soberanas colossais.

Nada disso era estranho a um simples leitor ou ouvinte de notícias, e bastava a brutal desvalorização do real, muito acima do previsível pela saída do dinheiro externo ambulante aplicado em título públicos desinteressado dos juros baixos pagos pela Selic, para se suspeitar de que havia algo anormal com as finanças nacionais. Por que, então, não se acautelaram? Faltou bombeiro (ou seria água?) no Ministério de Paulo Guedes e no Banco Central de Roberto Campos Neto? Agora já foi.

Tweets não geram vacinas


Um mínimo de sensibilidade social já serviria para se saber que não há normalidade com crescimento econômico pífio, com desempregados e subempregados contados em dezenas de milhões, infraestrutura urbana e de logística colapsada em grande parte, estados insolventes, Tesouro pegando dinheiro emprestado desde 2014 para pagar gasto público e um programa que pretende a retomada ancorada em cortes, como se o resto viesse por geração espontânea numa economia dirigida desde sempre.

Mas não. Em vez de desanuviar, os feriados serviram para ferver os ânimos dos governantes, levando-os a se sentir ameaçados pela Câmara e Senado exercerem o direito constitucional de determinar como e onde o governo deve gastar os nacos da lei orçamentária não determinados, previamente, pela Constituição (tipo previdência, folha e juros).

E se instaurou a desinteligência, alavancada pelas redes sociais, na pior semana para os mercados no mundo e aqui desde a grande crise de 2007 e 2008, contaminados pela propagação do coronavírus. Num momento em que a experiência do governante é essencial, em que virologia não é política, como publicou o New York Times se referindo a Trump, que tweets não geram vacinas, o país é refém de disputas narcisísticas.

Governo ainda quer acordo


O que virá pela frente? À luz do que disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, segundo o qual “criar tensão institucional não ajuda o país a evoluir”, algum acordo entre governo e Congresso surgirá.

Mas não haverá recuo. A cizânia está no cochilo da equipe econômica, que conhecia desde março de 2019 o dispositivo inserido na LDO, Lei de Diretrizes Orçamentárias, tornando impositivas, além das emendas individuais autorizando pequenos investimentos em estados e cidades e das de bancada, a novidade do emendão do relator da Lei Orçamentária Anual (LOA). Por ele, a decisão sobre R$ 30 bilhões da LOA sai do governo e passam para o Congresso. Bolsonaro vetou este item da LOA.

O Congresso se preparou para derrubar o veto e uma negociação entre Guedes, o general Luiz Eduardo Ramos, secretário de Governo, e líderes do Congresso combinou em devolver R$ 11 bilhões ao Executivo. Fez-se o acordo, segundo Ramos, com anuência de Bolsonaro. Depois do berro de Heleno, chefe do GSI, ficou o dito pelo não dito. A briga é essa.

Esclareça-se que emenda não é dinheiro embolsado pelo parlamentar, como muitos acham, é repasse a estados e municípios. Uma maneira de encerrar a pinimba seria o dinheiro fluir direto aos estados, como se faz nas boas democracias, sem excluir o protagonismo de ninguém.

Sobre vento e tempestade


Acordos em que só o interesse popular é mandatório exigem uma gestão pautada pelo diálogo, não pelo conflito, como aqui tem sido, emulando o jeito truculento de Trump, que ainda não se mostrou eficiente para os EUA, e dos autocratas das democracias de fachada. E como estamos?

Os conservadores mais que liberais da base governista deverão ir às ruas dia 15, álibi para a oposição testar o pulso popular em eventos agendados nos dias 8, 14 e 18. Pode repetir-se a história segundo a qual quem planta vento colhe tempestade. Ou não, depende de Bolsonaro e do que fizer a maioria parlamentar de centro-direita.

Nos cálculos de Maia, a reforma tributária vai tramitar, a do RH dos servidores andará se o governo enviar o seu projeto, a independência do BC tem chances e o desmonte da proteção ambiental não avançará nos termos desejados pela bancada da motosserra e repudiados pelo agro. E depois? Virão as eleições municipais, movidas a votos, não a tweets.

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