Correio Braziliense
postado em 07/03/2020 14:46
Nova matriz acadêmica. Pedalada intelectual. Terraplanismo econômico. Essas foram algumas expressões usadas por economistas para comentar relatório da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, na qual o governo separa Produto Interno Bruto (PIB) público e PIB privado para minimizar o resultado frustrante da economia em 2019, que cresceu apenas 1,1%.
Segundo a SPE, “a partir da decomposição do PIB de 1,19% no terceiro trimestre de 2019, na comparação com o mesmo período de 2018, o crescimento interanual do setor privado foi de 2,72%, enquanto o PIB do setor público recuou 2,25%”. Pelo Twitter, o governo comemorou os dados: “No modelo adotado pelo governo de Jair Bolsonaro, a exemplo de países mais desenvolvidos, o Estado deixa de ser protagonista na economia e dá espaço à iniciativa privada, o que se traduz em crescimento sustentável, sem manipulação do poder público.”
O relatório da SPE provocou reações inclusive, entre economistas da linha ortodoxa, a mesma do ministro da Economia, Paulo Guedes. Para eles, a SPE, ao usar um termo que não existe em economia tradicional, põe em xeque a agenda liberal ao provocar descrédito no meio acadêmico e no mercado.
“Metodologicamente, a avaliação está errada”, disse o professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Ellery. “Quando se fala do PIB público é quanto o governo está produzindo, e não apenas o que consumiu. Está uma confusão grande entre o que é contribuição pública para o PIB e o gasto que faz”, disse. Segundo ele, só uma parte é consumo. A maior parcela é transferência”, destacou. “Além do mais, o gasto primário do governo cresceu no ano passado”, completou.
Problemas
Marcos Lisboa, presidente do Insper e secretário de Política Econômica entre 2003 e 2005, reforçou a inexistência da classificação usada pela SPE e disse ver com preocupação o fato de a economia entrar numa espiral de baixo crescimento. “Há problemas estruturais sérios que precisam ser enfrentados para que o país volte a uma trajetória de crescimento sustentável”, afirmou. “O governo se perde em medidas atabalhoadas e em controvérsias infelizes”, lamentou. Para Lisboa, a falta de resultados está relacionada com a ausência de uma estratégia clara de política econômica e de relação com o Congresso.
Para José Luis Oreiro, economista da UnB, a SPE criou uma série que não existe em nenhum manual de contabilidade social. “Isso é terraplanismo econômico. Uma comparação esdrúxula, totalmente errada. Se as pessoas que divulgaram isso têm registro no Conselho de Economia, tem que cassar”, atacou. “O governo é financiado pela sociedade por meio de tributos e fornece bens e serviços para essa mesma sociedade, então, quando o PIB público cai, não está entregando o que deveria.”
No entender de Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon, há uma constatação incômoda para quem fala no PIB “bom” versus “ruim”. “Embora o consumo do governo tenha caído 0,4% em volume no ano passado, dando a entender que segurou crescimento em 2019, seu valor nominal cresceu mais do que o do PIB. Essa rubrica não inclui transferências nem investimentos públicos. Mas o fato é que sua participação no produto, após cair até meados de 2018, voltou a subir nas contas nacionais”, ressaltou. “Há limites. Avançar uma perna e recuar a outra te deixa no mesmo lugar. Senão cai.”
A SPE reagiu às críticas. “O fato de o IBGE não calcular o indicador não tem qualquer relação com sua validade conceitual. Os conceitos de PIB privado e PIB público, ou PIB do governo, apesar de menos difundidos do que outros, não são novidade em análises macroeconômicas. O mérito da SPE reside em chamar atenção para esses indicadores, visando ampliar o debate macroeconômico no país.”, respondeu a secretaria, em nota.
E acrescentou: “Diversos países como Estados Unidos, Japão, Reino Unido e França, diferenciam o consumo e o investimento entre o setor privado e público. Coube à SPE, baseando-se em metodologia amplamente divulgada, particionar o investimento, compatibilizando-o com os indicadores de consumo e da FBCF já divulgados pelo IBGE. A SPE se baseia em estudos técnicos e refuta qualquer afirmação de que seu corpo de analistas elabore indicadores não amplamente fundamentados na teoria econômica.”
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