Correio Braziliense
postado em 10/03/2020 04:06
Para equacionar os precatórios em atraso
Cabe lembrar que a sucessão de elevados “deficits totais” registrados nos balanços dos entes subnacionais nos últimos anos, em face principalmente do problema previdenciário, acaba se transformando em atrasos de pagamentos em todas as áreas de sua atuação, causando sérios problemas. Registre-se que, na passagem de mandato de 2018 para 2019, restaram cerca de R$ 100 bilhões de pagamentos em atraso no conjunto dos estados para os novos dirigentes enfrentarem. Detalhes à parte, o grosso desses atrasados acaba ganhando a forma de “precatórios judiciais”, que são ordens escritas da Justiça para a Fazenda Pública quitar suas dívidas devidamente reconhecidas.
De passagem, isso leva ao descumprimento de leis como a de Responsabilidade Fiscal, que proíbe mandar esses atrasos para a frente exatamente nos últimos anos de mandato, e faz com que entes públicos tão importantes como os tribunais de contas se tornem incapazes de assegurar o cumprimento de leis básicas como essa. Não é assim de surpreender que, ao mesmo tempo, os demais segmentos da administração procurem reduzir sua fatia na responsabilidade pelos resultados negativos, atribuindo aos tribunais o grosso da culpa.
Ao tempo que os entes lidam com deficits financeiros crescentes de seus regimes previdenciários, precisam aportar volumes crescentes de recursos para a parcela capitalizada de seus fundos previdenciários, que, no total, já acumulam mais de R$ 130 bilhões. Estima-se que, para a melhor gestão desses fundos, os investimentos deveriam render pelo menos algo como IPCA mais 6% ao ano, o que hoje não se mostra viável com a obrigação de aplicar maciçamente esses recursos em títulos do Tesouro Nacional.
Só que, em função das dificuldades financeiras de diversos entes federativos em adimplir o pagamento de seus precatórios, diversas emendas constitucionais vêm criando regimes especiais de pagamento. Sem espaço para detalhamento, registre-se que uma inovação importante da EC nº 99/2017 foi a possibilidade de o ente contrair empréstimos para quitar precatórios. Além de não serem computados para efeitos de limites de endividamento, esses empréstimos podem ser firmados dando tributos do ente como garantia de pagamento, o que é vedado, de outra forma, pela Constituição. Além disso, a emenda estabeleceu que, no prazo de até seis meses, a União, diretamente, ou por intermédio das instituições financeiras oficiais sob seu controle, disponibilizaria aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, linha de crédito especial para pagamento dos precatórios submetidos ao regime especial de pagamento. Esse prazo já se esgotou, e a União ainda não criou essa linha de crédito, abrindo espaço para alguma ação punitiva de gestores federais por parte do TCU.
Acresça-se que os entes, no regime especial, podem destinar até 50% dos recursos previstos para pagamento de precatório no ano ao pagamento mediante acordos diretos, perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Precatórios, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado.
Outro ponto relevante para ter em mente é que o cenário fiscal à frente continua desanimador quanto à perspectiva de pagamento de precatórios de grande monta, mesmo com todas as possibilidades proporcionadas pelas emendas constitucionais que criaram regimes especiais de pagamento.
Nessas condições, a forma mais adequada para viabilizar o pagamento de precatórios pode ser por intermédio de um modelo financeiro que abarque também os regimes previdenciários, tendo em vista que a previdência é a principal causa do desequilíbrio fiscal dos entes. Por um lado, ela suga um montante cada vez maior de recursos do seu tesouro, e de outro, requer um montante capitalizado cada vez maior para pagar benefícios futuros, necessitando remunerar-se com metas de rentabilidade relativamente elevada.
Uma saída seria aliar a solução desses dois grandes passivos dos entes públicos, trazendo sinergias para o processo. Por um lado, os precatórios têm a prerrogativa de vincular tributos, enquanto os regimes previdenciários têm a possibilidade de receber pagamentos em prazo maior, desde que a rentabilidade seja compatível. Nesse contexto, dada a importância política de lidar com benefícios de milhares de pessoas, via previdência, em vez de recorrer aos empréstimos rejeitados pelas autoridades executivas federais, é melhor modificar o arcabouço infraconstitucional dos entes, com vistas a viabilizar arranjos financeiros que: 1) possibilitem a liquidação desses passivos com segurança para os credores; 2) prazo adequado aos entes públicos e 3) oportunidades de investimentos atrativas tanto para os regimes previdenciários quanto para os investidores privados. A área previdenciária dos tribunais de contas (inclusive do TCU) poderia ajudar muito nesse processo.
Dessa forma, os empréstimos oficiais não precisam ocorrer, ajuda-se o equacionamento da previdência, reduz-se a inadimplência pública e os tribunais atuam para melhorar o processo.
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