Economia

Apesar da trégua, mercado ainda deve enfrentar instabilidade

O humor do mercado refletiu a alta no preço do petróleo, após o maior tombo desde a Guerra do Golfo, em 1991, e a expectativa de que os bancos centrais das principais economias do mundo vão injetar liquidez no mercado

Correio Braziliense
postado em 11/03/2020 06:00

Bolsa de NY se recuperou após uma 2ª feira de insegurança nos mercadosDepois do mergulho da segunda-feira, com uma queda de mais de 12%, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) teve uma trégua nesta terça-feira (10/3). A valorização de 7,14% do Ibovespa, principal índice de lucratividade da B3, foi insuficiente para recuperar o prejuízo da véspera, mas garantiu fôlego para retomar o patamar dos 90 mil pontos, fechando o pregão aos 92.214 pontos. O humor do mercado refletiu a alta no preço do petróleo, após o maior tombo desde a Guerra do Golfo, em 1991, e a expectativa de que os bancos centrais das principais economias do mundo vão injetar liquidez no mercado. No Brasil, com atuação do Banco Central (BC), que vendeu US$ 2 bilhões à vista, o dólar caiu 1,71%, cotado em R$ 4,65.

O temor do mercado com o impacto do coronavírus na economia global virou pânico depois que Arábia Saudita e Rússia protagonizaram uma nova guerra do petróleo no fim de semana. Nesta terça-feira (10/3), a calmaria foi reflexo de uma sinalização dos ministros de Minas e Energia dos dois países de buscarem um acordo sobre redução da produção para elevar o preço do barril, explicou Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie). “Antes do coronavírus, o barril estava em US$ 60. Na semana passada, caiu a US$ 45 e ontem (segunda-feira) a US$ 34. A recuperação para US$ 37,5 hoje (nesta terça-feira — 10/3) ainda não retrata a realidade”, afirmou.


Para o especialista, no atual cenário, não há como voltar aos patamares dos US$ 60 por barril. “Mas deveria estar em US$ 45”, disse. Por isso, na véspera, as ações da Petrobras tiveram a maior queda desde 1998, de quase 30%, e a estatal perdeu, num só pregão, R$ 91 bilhões em valor de mercado. Nesta terça-feira (10/3), recuperou parte do prejuízo. Os papéis ordinários da companhia subiram 8,51% e os preferenciais, 9,41%.


Para Ricardo Balistiero, mestre em economia e coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, o movimento é de manada. “O fato gerador foi o coronavírus, que afetou o preço do barril do petróleo e detonou um movimento de venda e corrida para o dólar. Nos dias subsequentes a isso, o mercado melhora um pouco porque tem as pechinchas, ativos muito baratos. A alta de 7% teve tudo a ver com o estresse da véspera”, avaliou. Balistiero alertou, no entanto, que não há nenhuma razão para achar que isso é tendência. “Serão altos e baixos até que a incerteza do coronavírus passe”, assinalou.

 

ilustração de dados 

Sem previsão

O economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, explicou que a trégua também é resultado da expectativa dos bancos centrais de que darão liquidez. “Mas liquidez aumenta a volatilidade”, ressaltou. Além disso, a incerteza permanece sobre coronavírus e até ficarem claras as posições de Arábia Saudita e Rússia sobre produção de petróleo, segundo o analista. “Pode ser que o mercado comece a ver isso como custo mais baixo e redução do combustível para gerar algum otimismo. Mas não é possível prever nada”, afirmou.

Na opinião de Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, não existe fator fechado e definitivo que justifique a gangorra dos mercados. “O que existe são expectativas de que os governos do Japão, da China e dos Estados Unidos vão adotar medidas para minimizar o impacto do coronavírus e da guerra do petróleo”, analisou. Rosa também aposta na continuidade do sobe e desce das bolsas. “Como os preços caíram muito na segunda, abriu uma porta para recuperação na terça”, ponderou.

O movimento de recuperação ocorreu também na Ásia e nos Estados Unidos. Os principais índices norte-americanos se valorizaram. O Dow 30 subiu 4,89%, o S&P 500 teve alta de 4,94% e o Nasdaq, de 4,95%. Na Europa, contudo, as bolsas continuaram em queda. Na de Frankfurt, o recuo foi de 1,41% e, na de Paris, houve desvalorização de 1,52%. Na Espanha e na Itália, dois países onde o coronavírus está fazendo mais estragos, o tombo foi maior: Milão, - 3,28%, e Madri, -3,21%.

Emoção x Razão

No Brasil, o pregão refletiu mais emoção do que razão, segundo William Teixeira, head de renda variável da Messem Investimentos. “O investidor não sabe para onde ir. Teve gente zerando posições de longo prazo na véspera e que hoje voltou para o mercado”, afirmou. A trégua desta terça-feira (10/3), disse, é porque o Brasil está seguindo o ritmo de fora. “Houve sinalização de Donald Trump (presidente dos EUA), injetar dinheiro na economia. O G7 (grupo das sete maiores economias do mundo) está comprometido em fazer estímulos em conjunto. Isso deve dar uma animada”, explicou. Esse ritmo ditado pelo mercado externo reflete o compasso de espera interno. “O governo ainda precisa enviar as reformas tributária e administrativa. O Congresso está esperando”, alertou.

Enquanto, na Bolsa de Valores, o movimento foi de desespero, o dólar seguiu sua trajetória ascendente mesmo com a intervenção do Banco Central, que queimou US$ 3 bilhões em reservas na segunda-feira e não conteve a divisa norte-americana. Na véspera, bateu R$ 4,72. Nesta terça-feira (10/3), a autoridade monetária vendeu mais US$ 2 bilhões à vista e conseguiu derrubar a moeda, porque o ambiente internacional permitiu. O dólar recuou 1,71%, a R$ 4,65. Para Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da corretora Treviso, o BC está tentando dar liquidez ao mercado. “Em conta-gotas se comparar com os EUA, que injetam US$ 175 bilhões em um dia”, disse.

 


Galhardo lembrou que houve fuga de mais de US$ 50 bilhões do Brasil no ano passado e, este ano, continua saindo dólar. “A perda de liquidez do ano passado não se via há muitos anos. A balança comercial foi negativa em janeiro e não ajudou. O BC começou fazendo rolagem, operação de swap e agora está vendendo à vista para apaziguar”, explicou.

Promessas na Casa Branca 

O vice-presidente dos Estados Unidos, Michael Pence, afirmou nesta terça-feira (10/3) que o governo americano continua a trabalhar na resposta ao coronavírus, com medidas como a destinação de recursos federais para esse combate. Segundo ele, a administração do presidente Donald Trump revisa essas propostas, neste momento.

Em Washington, Pence comentou que o risco de que o americano médio possa contrair a doença continua a ser baixo, além de informar que 4 milhões de testes de coronavírus estarão disponíveis até o fim desta semana, sendo que 1 milhão deles já estão disponíveis. Além disso, ele lembrou que houve um acordo mais cedo com seguradoras para que os pacientes não se preocupem em ter de arcar com os custos provocados, por exemplo, pelos testes para a doença. As companhias se comprometeram, na reunião, a arcar com esses custos.

Na segunda-feira, Donald Trump afirmou que o governo americano apresentará uma proposta de benefícios fiscais para aliviar o impacto econômico do coronavírus. “Benefícios fiscais poderão ajudar empresas, companhias aéreas, cruzeiros e hotéis”, declarou o republicano. “Empresas não podem ser penalizadas pelo surto de coronavírus”, acrescentou Trump. De acordo com o presidente americano, o governo também pensa em cortar impostos sobre a folha de pagamento, para fazer frente aos efeitos econômicos do coronavírus.

O secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, por sua vez, afirmou que a economia dos EUA é “a mais resiliente no mundo” e que o governo ajudará “pequenas empresas que precisem de liquidez”.

Já o governo do Japão deve revelar um segundo pacote de estímulos, de 430,8 bilhões de ienes (US$ 4,1 bilhões), além de medidas fiscais no total de 1,6 trilhão de ienes, para apoiar financiamentos a empresas como parte do pacote.

Efeitos da crise no trabalho 

O cancelamento de um evento da Organização não Governamental Todos Pela Educação, em Brasília, por causa de uma suspeita de coronavírus, acendeu vários alertas. O país precisa se preparar para a epidemia na economia real, quando funcionários aparecerem infectados no ambiente de trabalho ou os trabalhadores informais ficarem sem proteção social.

Fabio Chong, sócio da área trabalhista do L.O. Baptista Advogados, explicou que, no mercado formal, há duas formas de lidar com a situação. “O empregado que contrair a doença precisa ficar afastado, mas não pode ser demitido. Nos primeiros 15 dias, recebe salário da empresa e depois do INSS”, destacou. No retorno, já recuperado, algumas convenções coletivas garantem um período de estabilidade. “Às vezes ,são 30 ou 60 dias”, detalhou.

Do lado corporativo, a empresa terá duas opções, conforme o especialista. “Dar férias coletivas remuneradas — e, nesse caso, a vantagem é poder descontar do descanso previsto em lei dos trabalhadores — ou suspender as atividades”, ressaltou. No segundo cenário, há casos em que as pessoas podem fazer o trabalho remoto de casa, recebendo salário normalmente. “Mas nem todos podem fazer home office. Há atividades que precisam da presença física do funcionário”, ponderou. Nesse caso, a alternativa é suspender as atividades e estabelecer um banco de horas reverso, no qual o trabalhador fica devendo períodos de trabalho. “Aí a empresa pode exigir horas extras sem pagar por elas”, explicou. 

Quem é trabalhador informal, motorista de aplicativo, vendedor ambulante, tem de ficar ainda mais atento, porque não terá proteção social e não pode prescindir de trabalhar, pois ficará sem renda. “O ideal é se formalizar, para receber auxílio-doença do INSS”, ressaltou Chong. 

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