Economia

Entre a fantasia e a realidade

Presidente Jair Bolsonaro minimiza a crise global ao alegar que há muito exagero nos efeitos do coronavírus e da cotação do petróleo. Mas em Brasília, equipe econômica ressalta o orçamento limitado para medidas que estimulem a economia

Correio Braziliense
postado em 11/03/2020 04:05
Bolsonaro em Miami: governo procura menosprezar os efeitos da crise internacional, mas dispõe de poucas ferramentas para superar dificuldades

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro minimiza a crise econômica global provocada pelo coronavírus e pela guerra de preços do petróleo, considerando haver muita “fantasia”, técnicos da equipe econômica reforçam que não há espaço fiscal para estímulos da atividade. Eles ainda descartam qualquer flexibilização no teto de gastos, um dos pilares da confiança do mercado no governo. A falta de instrumentos para estimular a economia, inclusive, tem deixado o Ministério da Economia e o Banco Central em lados opostos sobre a queima de reservas.

Pouco antes de embarcar de volta ao Brasil, Bolsonaro afirmou em palestra em Miami que o pânico causado pela conjuntura difícil seria um exagero. “Alguns da imprensa conseguiram fazer de uma crise a queda do preço do petróleo. Entendo que é melhor cair 30% do que subir 30% do preço do petróleo. Mas isso não é crise. Obviamente, problemas na Bolsa, isso acontece esporadicamente. Como estamos vendo agora há pouco, as Bolsas que começam a abrir hoje já começam com sinais de recuperação”, comentou o presidente. Sobre o coronavírus, ele avaliou haver um superdimensionamento, apesar dos prejuízos econômicos em escala global. “Obviamente, temos um momento, uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo”, disse.

Redução de juros


Em Brasília, o discurso é diferente. O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, reconheceu que a margem de manobra no Orçamento é muito pequena para reverter o cenário de desaceleração. “Temos espaço fiscal limitado. Estamos no sétimo ano de deficit primário (consecutivo)”, afirmou, ontem, após participar de um seminário do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea) sobre Pacto Federativo. Waldery não descartou que “medidas fiscais são estudadas” e, ao mesmo tempo, deu uma alfinetada no BC para reduzir ainda mais os juros, como estão fazendo vários bancos centrais como forma de tentar estimular a atividade.

“Há a discussão de espaço fiscal e monetário. Do ponto de vista de mudança estrutural, nossa diretriz é perseguir as reformas”, afirmou Waldery. Ele citou como prioritárias para ajudar na retomada da economia, a Propostas de Emendas à Constituição (PEC) Emergencial, dos Fundos e do Pacto Federativo, enviadas ao Senado no pelo Executivo no fim do ano passado, e admitiu que as reformas tributária e administrativa devem caminhar “o seu tempo”.

Interlocutores do ministro da Economia contam que, diante da falta de opções da pasta para estimular a economia, a torcida de Guedes e de integrantes da equipe econômica é para que o Banco Central queime mais reservas. O estoque estava em US$ 367,5 bilhões no último dia 9. Especialistas avaliam que as intervenções feitas pela autoridade monetária até agora foram muito tímidas e mais focadas em contratos de swap cambial. Depois de vender US$ 5 bilhões em espécie nos dois últimos dias, o BC anunciou um novo leilão extraordinário de 20 mil contratos de swap cambial, no total de US$ 1 bilhão. “A venda de reservas seria uma forma de ajudar a reduzir a dívida pública”, destacou a fonte.

O consultor Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos, não tem dúvidas de que o BC poderia queimar mais reservas, aproveitando o câmbio valorizado para ajudar a melhorar as contas públicas, reduzindo o endividamento do país. “ Vender reservas ajuda e muito o BC tem que fazer. Ele está muito devagar. Para que ter reservas se o governo não pode vender em um momento de crise? Isso é um absurdo”, criticou. “O dólar está alto, é hora de vender”, avaliou.

Na avaliação de Troster, o governo não está fazendo algo que se aprende nos cursos de economia e que era pregado pelo britânico Henry Thornton, que aconselhava, em momentos de crise, injetar confiança rapidamente na economia. Pelo contrário. “Existem várias medidas que ele poderia tomar, mas está parado. O governo está preso em uma armadilha psicológica e se esquece que poderia mudar a tributação do câmbio. Ele tributa o mercado à vista e não tributa o mercado futuro. É preciso mudar isso e também mudar a tributação do crédito se quiser estimular a economia”, afirmou.

Enquanto as reformas não avançam e o cenário externo piora, as previsões do mercado para o PIB em 2020 estão em queda livre e já sinalizam para um teto no crescimento de 1,5%. O secretário Waldery Rodrigues, contudo, preferiu parafrasear o ministro da Economia, Paulo Guedes, de “manter serenidade” no momento atual. Ele adiantou que a previsão atualizada da pasta com os novos parâmetros devem ficar “acima de 2%”. A mudança dos parâmetros será divulgada hoje. (Colaborou Ingrid Soares)

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