Economia

3º maior consumidor do país, DF tem mercado de pescados em expansão

Apesar do pouco espaço disponível para aquicultura no Distrito Federal, prática domina a produção local e atrai investimentos

Correio Braziliense
postado em 15/03/2020 08:00

86% dos peixes comercializados na cidade têm origem fora do Distrito Federal e entorno. Apenas 14% são de produção candangaCom um mercado cada vez mais atrativo, a capital ostenta o título de terceira maior consumidora de pescados no Brasil, perdendo apenas para São Paulo e Rio de Janeiro. Os dados estão no estudo O mercado do pescado em Brasília, feito pelo doutor Adalmyr Borges, especialista na área. De acordo com o relatório, 86% do que é comercializado em Brasília têm origem fora do Distrito Federal. Apenas 14% são originados no DF e Entorno.

       
A pesca na capital é restrita ao ambiente do Lago Paranoá, onde deve obedecer a uma série de requisitos. O uso de redes de superfície, artefatos explosivos ou substâncias químicas, por exemplo, é proibido. A aquicultura produz quase tudo o que é consumido por aqui.
 
No entanto, os últimos dados da Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE, publicados no fim de 2019, apontam que a produção total da aquicultura no Distrito Federal despencou de 820 toneladas em 2017 para 333 toneladas em 2018, uma diminuição de 59,3%. Com o resultado, passou a ocupar o último lugar no ranking nacional de produção na área. A lanterna era ocupada até então pelo Amapá, único estado com números menores do que o Distrito Federal em 2017.
 
Adalmyr Borges é coordenador do Programa de Piscicultura da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF), explica que a capital segue a tendência nacional e consome muita tilápia e também espécies como o bacalhau. “Aqui a gente tem muito consumo de tilápia, tambaqui e pintado. Tilápia é o principal peixe criado no Brasil hoje, é um peixe que tem resistência a doenças, e é fácil de se obter o filé. A carne branca que não tem um gosto tão forte se adapta a vários tipos de pratos. Nos restaurantes, hoje há mais acesso ao filé de tilápia. Antes não tinha tanto”, afirma o especialista.
 
Ele também explica que a aquicultura em Brasília é limitada por conta do pouco espaço disponível. “Aquicultura no DF é reduzida por causa do espaço reduzido. Temos a questão das limitações de água, limitações hídricas. Nós já chegamos a produzir quase três mil toneladas de peixes. Em 2019, produzimos 1,7 mil toneladas”.
 
Porém, segundo Adalmyr, apesar das limitações de produção local, os números são satisfatórios. “Brasília consome 45 mil toneladas de pescados por ano. Se formos calcular essas 1,7 mil toneladas somente da produção local, levando em conta o preço médio das espécies de peixes, temos um mercado milionário, até bilionário. Temos aqui no Distrito Federal a maior quantidade de unidades de processamento de pescados do país, são 16. Isso gera muitos recursos para a economia local. Os produtores estão com boas expectativas para 2020. Nossa produção hoje é pequena, mas nosso mercado é grande”, revela o coordenador.
 
Entre 2013 e 2018, o período com maior produção no DF foi o de 2014, quando ultrapassou 2,5 mil toneladas. Os cinco maiores estados produtores em aquicultura no ano de 2018 foram Paraná, São Paulo, Rondônia, Santa Catarina e Minas Gerais, respectivamente.
 
De acordo com dados da Associação Brasileira de Piscicultura (PeixeBR), em 2019, a produção brasileira na piscicultura subiu 4,9% em relação ao ano anterior e chegou a 758 mil toneladas. O Brasil reforça a posição de 4º maior produtor de tilápia do mundo. A espécie, aliás, já representa 57% da produção nacional e é o peixe mais consumido no país. Os pescados nativos mantêm-se fortes, com 38%. O maior produtor de tilápia por meio de piscicultura no Brasil é o estado do Paraná, com 146,2 mil toneladas em 2019. Esse número é 18,7% maior do que o de 2018. Em seguida estão São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Pernambuco. 
 
Em relação aos peixes nativos do território brasileiro, a produção em 2019 recuou 4,7% em relação ao ano anterior. Nesta categoria, o tambaqui lidera. A produção concentra-se na maior parte dos estados da região Norte e uma pequena parte do Nordeste e Centro-Oeste. Rondônia é o estado campeão nesta categoria: 68,8 mil toneladas em 2019.
 
Ilustração de dados 
 
» Glossário 
 
Aquicultura é o estudo e a prática de técnicas de cultivos de animais aquáticos. A piscicultura, por exemplo, é como se chama a criação de peixes. Existem também denominações como ranicultura, que é a criação de rãs; e algicultura, criação de algas. Outros bichos como jacaré, camarão, ostra e até mesmo tartaruga podem ser criados por meio dessa prática para consumo humano. Geralmente, a criação se dá em ambientes controlados, como tanques escavados e tanques-redes, que são gaiolas montadas em rios, lagos e no mar.
 
Rede de apoio e capacitação
 
A Emater trabalha em Brasília auxiliando e fortalecendo produtores da área de aquicultura. As capacitações oferecidas envolvem manejo da produção e uso eficiente da água. Além disso, também capacita os produtores locais no processamento, que envolve a fabricação de produtos derivados do peixe. “Ele (produtor) pode agregar mais valor ao seu produto”, diz Adalmyr.
 
O órgão apoiou a reabertura do Mercado do Peixe, nas Centrais de Abastecimento(Ceasa-DF), fechado há três anos por questões administrativas e sanitárias. Lá, produtores locais podiam levar sua produção para processamento. O mercado era fruto de um convênio entre o antigo Ministério da Pesca e a Secretaria de Agricultura do Distrito Federal.
 
Adalmyr conta ainda que, no fim de 2019, o Ministério da Agricultura aprovou a prestação de contas do convênio para selecionar uma cooperativa que irá gerenciar o mercado. A escolhida terá que firmar um compromisso de comprar parte da produção local. Já existem cooperativas de fora do DF interessadas.
Leonardo Maciel, de 38 anos, é produtor de pescados no Paranoá. Ele trabalha apenas com a produção de tilápia, que é direcionada para feiras e peixarias da capital. Maciel destaca que caso o Mercado do Peixe estivesse funcionando, a logística seria uma preocupação a menos para o produto.  “A questão do Mercado do Peixe é bastante viável porque a gente não precisaria procurar tanta logística de venda. A gente pensaria mais na questão da produção”, explica.
 
De olho no bom faturamento da capital federal
 
Percebendo a movimentação de mercado, empresas têm investido no início e ampliação de suas atividades na capital. É o caso da Frescatto Company, empresa que comercializa pescados. Ela aumentou em nove vezes sua capacidade de armazenamento em Brasília. Com mais de 75 anos de existência, a companhia carioca decidiu apostar na expansão das atividades na capital tendo em vista o crescimento. A filial em Brasília é a única do Centro-Oeste.
 
A gerente de marketing da Frescatto, Cátia Monteiro, explica que a cidade tem grande potencial para expansão. “Brasília tem um desenvolvimento grande. Vimos que o mercado está em crescimento. Por isso, já sonhávamos em aumentar nossas atividades na capital. Nós também queremos ampliar a atuação para toda a região.” Com a medida, a empresa prevê um aumento de 27% do faturamento na capital já em 2020. 
 
Ela explica ainda que, na visão da companhia, há uma tendência de impulsionar o consumo de pescado. 
 
“O brasileiro busca uma alimentação mais saudável, mais natural. É uma tendência. Com a retomada da economia, é um movimento natural que o brasileiro opte por comida mais saudável. O peixe é a proteína mais saudável e sustentável que ele pode consumir”, pontua Cátia.
 
Outra empresa que tem investido no setor é a Santa Lúcia Comércio de Produtos Alimentícios, que foi fundada na capital federal há cerca de três décadas. Ela funciona no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) e, a exemplo da Frescatto, trabalha, em grande parte, com produtos de fora do Distrito Federal. 
A maioria  dos pescados vem de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso. A Santa Lúcia vende apenas no atacado, sendo fornecedora de hipermercados, feiras, peixarias e restaurantes.
 
O gerente da empresa, Renato Guimarães, afirma que o problema da produção local é a falta de opções. “O que é produzido aqui é só a tilápia. Outros itens não têm produção no DF. O que nós podemos fazer de negócios com produtores locais pela tilápia, fazemos. Mas como temos compromissos, demandas grandes, precisamos ter produtores de altas quantidades, que não deixem a gente na mão. Não podemos deixar de atender bem os nossos clientes”, salienta.
Renato explica também que a tilápia é o único dos peixes populares que pode ser produzido aqui no Distrito Federal. 
 
Algumas espécies param de se alimentar em baixas temperaturas. “Só a tilápia pode ser produzida a uma temperatura da água menor que 17ºC. Outras espécies não podem ser produzidas a menos de 17°C. Hoje o maior produtor dessa espécie é o Paraná. Com temperaturas baixíssimas, lá, eles modificaram a tilápia para que sobreviva. Outras espécies exigem mais. Tambaquis, eu já soube de casos em que ficaram meses sem comer e emagreceram”, finaliza. 
 
Semana Santa dá incentivo 
 
Datas especiais como a Semana Santa incentivam o consumo de proteína de peixe no país. É o que acontece na família da pedagoga Rafaela Garcez, de 20 anos. Ela e a bacharel em direito Carolina Garcez, 25, irmãs que moram no Riacho Fundo II, contam que, tradicionalmente, a Páscoa é a época do ano em que mais consomem pescados. 
 
“Sempre tivemos costume de comer peixe, principalmente na Semana Santa, e mais especificamente na Sexta-Feira Santa. É uma tradição da família, nós não comemos carne nesse dia. Minha mãe é do Pará e meu pai é do Maranhão e eles sempre tiveram esse costume”, conta Rafaela.
 
Ela revela ainda que a família compra o alimento em peixarias locais no Riacho Fundo II, no Recanto das Emas e na Feira do Guará. A pedagoga reclama, no entanto, da falta de variedade de espécies nos mercados: “A gente come muito filé de tilápia, salmão, tambaqui, esses que são mais comuns em Brasília. Aqui, temos esse problema, não há muita variedade. Quando eu viajo para o Pará, tem uma variedade maior de peixes.”
 
A irmã, Carolina Garcez, conta que come carne branca pensando nos benefícios à saúde: “Com certeza faz bem à saúde, porque eu acho o peixe bem mais leve que a carne de gado. Ele é mais fácil de ser digerido e existem nutrientes que só podem ser encontrados na carne do pescado.

Benefícios

Já a artesã Maria do Carmo, de 52 anos, moradora do Distrito Federal, costuma consumir peixe principalmente em restaurantes da capital. Mas também prepara em casa. Ela afirma, no entanto, que come porque gosta e não pensando nos benefícios à saúde. 
 
“O meu consumo vem de vários anos. Não pelos benefícios, mas, sim, porque gosto de uma boa tilápia frita, uma moqueca de peixe bem preparada, um surubim ao molho e, lógico, um camarão internacional que costumo encontrar em bons restaurantes do DF”, explica Maria.
 
Apesar da crença popular na eficácia da proteína de peixe na saúde, apenas seu consumo não garante benefícios. O pescado tem melhor digestibilidade e, em geral, menos gordura, mas existem outros fatores envolvidos. É o que explica o professor do Departamento de Nutrição da UnB, José Garrofe Dórea. 
 
“No peixe, há propriedades interessantes que não existem em outras carnes. A maioria dos peixes tem menos gordura que uma carne de porco, por exemplo. Se o objetivo da pessoa é diminuir a ingestão de gordura, pode sair do porco e ir para o frango e depois para o peixe. É a carne mais facilmente digerível”.
 
Segundo José, “é importante ter uma dieta variável, independentemente do que se coma. Desde que mantenham-se os nutrientes. Você pode ter deficiências clínicas quando não come nada. Por isso, os seres humanos vivem em qualquer lugar do mundo. Eles se adaptam. Animais herbívoros não podem comer carne, por exemplo. Carnívoros não comem folhas, o sistema deles não é feito para isso.” 
 
“Se você deixar de comer peixe, não quer dizer que você vai ter alguma deficiência. Nutrientes podem ser encontrados em outros lugares. O importante é não ter desequilíbrio nutricional”, finaliza o especialista.

*Estagiário sob a supervisão de Andreia Castro  

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags