Economia

'Mercado reage à falta de liderança global', afirma Paulo Leme

Correio Braziliense
postado em 15/03/2020 09:20
Ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil e atualmente professor de Finanças na Herbert Business School of Miami University, o economista Paulo Leme afirma que existe hoje uma crise de liderança no mundo, principalmente nos Estados Unidos, e isso está desancorando o mercado. "Ninguém é responsável. E é a isso que o mercado está reagindo", diz ele, sobre o movimento de baixa da semana passada. Nesse sentido, seria necessária uma atuação ousada assim como coordenada entre as nações em matéria monetária, de crédito e fiscal, inclusive em termos de saúde, para mudar as expectativas e reverter a corrida por segurança. Enquanto não houver essa mudança de expectativas, afirma ele, o sistema ficará à deriva e se espera o pior resultado possível. A seguir, os principais trechos da entrevista. Os mercados perderam a referência? Qual a sua perspectiva? O mercado está desancorado. Responde aos sinais que ele recebe do setor real da economia e também da parte de política econômica e da política como um todo. E, no momento, o mercado acha que não vale a pena manter posições e, por isso, está numa fuga para ativos seguros, como títulos do Tesouro americano, ouro e vendendo ativos de risco que vão desde ações a bônus de empresas como papéis de países emergentes. Esse pânico tem razão de ser? Eu não chamaria de pânico. Há uma conjuntura extremamente desafiadora e resultado de três variáveis importantes. Primeiro, o choque inesperado, que causa muita incerteza, que é o coronavírus, onde nem as autoridades médicas muito menos as políticas têm sido capazes de lidar de forma eficiente. Isso desancora o mercado. Em segundo lugar, outro choque que se sobrepõe e está parcialmente relacionado é a quebra do acordo de produção dos países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que gerou queda muito expressiva do preço do petróleo. Em terceiro lugar, e que fica muito claro depois de semanas de convivência com o vírus, é que não há liderança política de país e, pior, menos ainda mundial. Ou seja, ninguém é responsável. Já podemos dizer que estamos em uma crise de crédito ou ela é iminente? Eu diria que a pior crise agora é a crise de liderança. Eu diria em inglês "nobody is in charge", ninguém é responsável. É a isso que o mercado está reagindo. Por exemplo, o pronunciamento do presidente dos EUA, Donald Trump, que supostamente iria acalmar os mercados e anunciar grandes medidas... Não anunciou nada de expressivo exceto algo que foi alarmante. Ou seja, se você tem conhecimento e, por alguma razão, fecha fronteira por 30 dias para a Europa, alguma coisa te preocupa muito. No entanto, não anuncia como vai atacar a questão da contaminação nem como encontrar medidas paliativas para amenizar o impacto econômico e no mercado financeiro. Os EUA sempre tiveram esse papel de liderança e essa credibilidade de conduzir o mundo em momentos difíceis. Hoje, não há nenhum dos dois e cada um está tentando resolver o problema por si só. Falando da questão da liderança, como o sr. classifica a liderança no Brasil? A gente não está em posição de personalizar ou julgar ninguém. Eu diria que a frase cabe para qualquer lugar: 'Nobody is in charge'. Temos visto nos últimos dias muitos anúncios de incentivo monetário. Por que não há fiscal e no que isso ajudaria mais? Até o momento, com exceção da Inglaterra, que ofereceu um pouco mais em matéria fiscal, a reação principal que está limitando a velocidade e a intensidade de respostas à crise tão grave é que se tem um espaço fiscal muito limitado. Com toda essa liquidez e a queda das taxas mais longas de juros, se vê o endividamento não só soberano, mas também das empresas. Então, o espaço para fazer política contracíclica fiscal é muito limitado. Mas é importante fazer porque uma das consequências do vírus é inibir atos de consumo e isso é um choque de demanda muito forte, especialmente no setor de serviços. Por isso, é preciso entrar com a política fiscal, para expandir a demanda agregada e, com isso, compensar a queda do consumo privado gerada pela incerteza do vírus. Mas também há riscos com estímulos fiscais... Em condições ideais, não seria recomendável ter um aumento do gasto primário nem das economias avançadas nem das emergentes. Mas, entre as alternativas, não fazer é muito pior do que ter uma deterioração fiscal de curto prazo. Porque pode-se entrar em dois problemas. Primeiro, uma cadeia de inadimplência, ou seja, as empresas já têm dificuldade por falta de capital de trabalho, há aquelas com problema de liquidez e, aí, o crédito fecha e começa a ter problemas de pagamentos. Se continuarmos nesse ritmo, em uma ou duas semanas podemos começar a ter eventos de crédito e problemas de liquidez graves, que poderiam começar a afetar um setor que hoje está muito bem posicionado, que é o financeiro. Para o Brasil, há algum componente a mais de preocupação no movimento do câmbio além do próprio fortalecimento do dólar? A desvalorização do câmbio, além do preço justo de equilíbrio de longo prazo, já vinha ocorrendo antes do processo do coronavírus ser conhecido. A razão é muito simples. Uma escolha binária: se escolhe cortar os juros, que era a medida correta a ser tomada pelo Banco Central, não se pode esperar que o câmbio fique no mesmo lugar. A decisão correta e positiva de cortar a taxa de juros para 4,25% no Brasil causou uma redução dos fluxos de capital muito expressiva, portanto, a oferta de dólar diminuiu muito. Tensões políticas recentes têm ajudado a pressionar o dólar? Na questão política, acho que perdemos grandes oportunidades para entrarmos nessa crise em outro patamar, com maior grau de fluxo de capitais, investimentos em infraestrutura, privatizações. A política impediu que estivéssemos em melhores condições iniciais. Agora, dada a ordem de grandeza, é a diferença entre uma arma nuclear e uma banana de dinamite. Fundamental, e o que as pessoas esquecem, o câmbio é um ativo financeiro e, portanto, responde muito a expectativas e notícias. Contribuir só com notícias negativas é dar tiro no pé. O Brasil, que sempre respondeu bem durante crises, poderia aproveitar esse momento desafiador para a economia mundial para fazer o que tem de ser feito em reformas e tentar minimizar o impacto na atividade, e no balanço de pagamentos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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