O novo coronavírus foi um balde de água fria nos planos do governo de contar com o setor privado para ampliar a infraestrutura do Brasil este ano. Por mais que os cronogramas de concessões e leilões se mantenham, é pura falta de tempo de alterá-los. O Ministério da Infraestrutura (MInfra) está apagando incêndios, focado nas medidas emergenciais necessárias para lidar com a pandemia, que se alastra rapidamente pelo país. Não bastassem os problemas com a logística de transporte, o governo federal ainda precisa segurar o ímpeto de alguns governadores, que passam por cima de competências da União na tentativa de conter a contaminação em seus estados.
Para alinhar as ações no setor de transportes e garantir a livre circulação de cargas nas rodovias federais e estaduais, o MInfra fez a primeira reunião do Conselho Nacional de Secretários de Transportes (Consetrans), com a presença virtual de 22 representantes de estados e do Distrito Federal. Para o transporte de passageiros, se comprometeu a apresentar para análise dos estados uma proposta de regulamentação que contemple situações de transportes semiurbano e períodos de adaptação (veja mais medidas no quadro ao lado). O decreto, formalizando o Consetrans, deve ser publicado hoje. “Nosso foco é garantir a circulação e o abastecimento de todas as regiões do Brasil”, diz o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
Para evitar retenções e pontos de contato entre os profissionais do transporte de cargas, a pasta determinou a suspensão dos postos com balanças de pesagem nas rodovias federais por tempo determinado. A medida vale para as rodovias administradas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e pelas concessionárias privadas. A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), assim como entidades representativas do transporte de cargas, já foram comunicadas.
Alteração
As ações emergenciais dão conta do curtíssimo prazo. Com relação ao futuro e os projetos do programa de concessões do governo, o MInfra ressalta que a maior parte da carteira se encontra em fase de estruturação interna e os leilões previstos para 2020 se concentram no 2º semestre. “Portanto, é precipitado avaliar qualquer alteração no cronograma por conta da contingência atual”, diz.
No entanto, a pasta destaca que as concessões de infraestrutura são investimentos de longo prazo. “Bancos, fundos e operadores de infraestrutura trabalham com perspectivas de receita ao longo de décadas, o que atenua a influência dos efeitos do presente momento sobre a atratividade dos ativos”, informa. “Por último, o atual cenário de desaceleração da economia global, com a inevitável redução de juros na maior parte dos países, tende a tornar ainda mais atrativas as taxas de retorno oferecidas pelo mercado de infraestrutura no Brasil.”
Para os especialistas, contudo, a pandemia vai atrasar os cronogramas e provocar pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro nas concessões recentes, uma vez que a demanda contratada não será efetivada, diante da redução de circulação de pessoas em aeroportos e rodovias. Daniel Bogéa, especialista em infraestrutura e sócio do Piquet, Magaldi e Guedes Advogados, diz que os leilões previstos devem ser adiados.
Apenas em campos de petróleo, há dois certames marcados para este ano. Em contratação de energia, outros três previstos. Para a semana que vem, 27 de março, estava marcado o leilão do terminal de passageiros de Fortaleza. Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o certame foi adiado. “Não tem como fazer leilão agora. Não terá oferta. Há muita incerteza no nível de demanda, no câmbio. Não tem como formatar uma proposta equilibrada”, alerta Bogéa.
No entendimento de Alberto Sogayar, sócio da área de infraestrutura do L.O. Baptista Advogados, tudo ainda é especulação. “Não temos elementos claros para saber se haverá interrupção dos investimentos. Atraso no cronograma deve ser inevitável e o impacto será negativo, vai gerar perda de escala, de oportunidades, desincentivos”, opina. “Vai haver mudança do ânimo dos interessados, o mercado vai ter que retomar fôlego”, diz Maurício Zockun, sócio da área de Direito Administrativo do Zockun & Fleury Advogados. “O governo terá de postegar o cronograma ou reduzir prazo, mudando as condições econômicas, tirando, por exemplo, a outorga”, sugere.
Além disso, os especialistas lembram que concessões com contratos recentes também devem sentir a queda na demanda. Para Sogayar, o concessionário não pode ser penalizado. “O Estado tem que ser complacente para fazer adequações no contrato”, defende. Na opinião de Bogéa, os governos não querem devolução, porque também não têm dinheiro para tocar os projetos. “Muito provavelmente haverá repactuação em relação às obrigações”, estima.
Como não é interesse de nenhum dos lados romper o contrato, é possível que a cláusula de um fato superveniente seja acionada, ressalta Miguel Neto, sócio do Miguel Neto Advogados. “As concessionárias vão pedir cláusula de ‘causa maior’, para renegociar pagamento lá para frente”, prevê.
Certame de energia confirmado
Leilões de concessão dificilmente serão realizados, segundo os especialistas. No entanto, os certames para contratação de energia nova e existente estão confirmados, garante o Ministério de Minas e Energia (MME). Na área de petróleo, o MME não respondeu. Possivelmente, porque a reunião do Conselho Nacional de Política Energética, que seria realizada para debater a questão, foi adiada por conta do isolamento necessário em tempos de coronavírus.
Conforme Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri), os leilões de contratação não são afetados porque são para fornecimento de energia em longo prazo. “O A-4 é para daqui a quatro e o A-6, seis anos. Mesmo que sejam adiados dois, três meses, isso não vai comprometer a capacidade do país de atender a demanda por energia”, explica. Ela alerta, contudo, que haverá um troca no consumo de energia. “Agora, estarão todos em casa, utilizando todos os equipamentos o dia inteiro. Vaõ ter uma conta para pagar maior”, diz.
Mesmo que o consumo residencial aumente por conta da quarentena, o industrial e o comercial terão redução. Segundo a Thymos Energia, a queda ficará entre 1,6% e 14% em 2020. “Analisamos 16 cenários diferentes para chegar às hipóteses mais relevantes”, explica Alexandre Viana, sócio e diretor na Thymos Energia. Segundo o estudo, no cenário otimista, o impacto anualizado de queda seria de 1,6% em relação a 2019; no moderado, próximo de 4%; no pessimista, redução de 8%; e no catastrófico, queda de até 14%.
Telecom é essencial
As medidas emergenciais atingem todas as áreas de infraestrutura. Os serviços de telecomunicações e internet passaram a ser considerados essenciais, portanto seu funcionamento terá de ser garantido. Nesse sentido, o governo determina ser primordial que as equipes técnicas e de manutenção das prestadoras possam trabalhar para a continuidade e garantia da prestação dos serviços, não sendo impedidos de transitarem nos locais necessários para a realização de serviços de manutenção, especialmente em centrais, antenas de celular e redes de telecomunicações.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e as principais operadoras do país assinaram compromisso público para manter o Brasil conectado. As prestadoras adotarão planos de ação para que os serviços de telecomunicações continuem operando mesmo com a grande mudança no perfil de uso. Os serviços de saúde e de segurança pública terão apoio especial.
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