Economia

Esforço pela sobrevivência

Trabalhadores autônomos e informais tentam se preparar para dias difíceis, com a renda prejudicada pelo fechamento dos negócios, resultado das medidas para o combate à pandemia da Covid-19

Correio Braziliense
postado em 24/03/2020 04:04
Cleudilene sustenta a casa, mas, sem poder trabalhar, escolhe as dívidas que pagará para poder se manter

A cabeleireira Cleudilene Rodrigues, 32 anos, trabalha há 10 anos embelezando todas as mulheres que a procuram. Autônoma, ela aluga uma cadeira dentro de um salão de beleza e se responsabiliza por todo o resto dos custos, dos produtos que utiliza nos penteados à maquininha de cartão de crédito. Com a paralisação do comércio no DF, por causa do risco de contaminação pelo novo coronavírus, Cléo, como é conhecida, se preocupa com as contas que estão para chegar.

Cleudilene, a Cléo, é um dos milhões de trabalhadores autônomos que não sabem como fazer, agora que viram seus negócios –– ou nos quais prestam serviço –– serem obrigados a fechar por causa da quarentena imposta de alto a baixo no país. Apesar de o governo federal ter olhado para essas pessoas, uma ajuda de R$ 200 é claramente insuficiente caso a situação se prolongue.

Roberto Piscinelli, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), prevê um efeito negativo profundo, e provavelmente prolongado, na situação econômica do Brasil, diante da recessão que será gerada pela pandemia da Covid-19. “Já tínhamos uma taxa muito alta de desemprego e cerca de 41% de empregos informais no país. A tendência é que muito mais gente se torne trabalhador informal e vá buscar alternativa em empregos precários para conseguir continuar tendo uma renda que auxilie na sobrevivência”, analisa.

Cleo mora no Morro da Cruz, no Núcleo Rural de São Sebastião, com o marido, que está desempregado. Sem poder trabalhar há uma semana e meia, ela já calcula a ginástica financeira que vai fazer pelos próximos dias. “Vou ter de cortar o plano de saúde, porque é um valor bem alto para quem não está trabalhando. E, infelizmente, não vou conseguir mais ajudar a minha família no Maranhão. Eu sempre mandava alguma coisinha para eles”, conta.

Profissionais autônomos e informais (sem vínculo permanente, que têm empregos em tempo parcial ou que até dependem de comissão para complementar a renda) serão os mais afetados. Alguns trabalhadores, como garçons e vendedores, podem até não perder a renda por completo, como Cléo, mas a redução da quantidade de trabalho implicará redução da renda.

“O que as pessoas podem fazer? É uma situação crítica e inédita. Não há dúvidas de que o PIB vai cair. Muitas pessoas vão ter de fazer um milagre para se manter”, lamenta Roberto Piscinelli. Para o professor, esse “milagre”, na prática, passa por eliminar gastos, consumir só o essencial e estabelecer um esforço colaborativo com toda a família. “Como as pessoas não estão saindo para a rua, e muita coisa não está funcionando, certas tentações de consumo já vão deixar de existir”, pondera Piscinelli.

Negócio próprio
A massagista Suely Pereira Ventura, 45 anos, tem o próprio negócio há 19 anos. Antes motivo de orgulho por significar a conquista profissional pelo esforço próprio, agora o estabelecimento fechado é motivo de preocupação. “Tenho minha casa própria, o que deixa as coisas mais tranquilas. Minha preocupação é com meu trabalho, porque as contas não param de chegar. E a do aluguel vai chegar”, resigna-se.

Para encarar as dificuldades financeiras que certamente virão, Suely terá que pegar do que economizou para o futuro. “Essa situação que estamos vivendo muda tudo. O que eu estava guardando mais para frente, vou ter de usar agora para pagar as contas de abril. Se é que vai dar conta de tudo”, lamenta.

Apesar das complicações financeiras, Suely ressalta que o importante neste momento é ficar em casa. “A situação não está fácil, mas esse esforço é para ficarmos bem para, depois, trabalhar e poder cuidar das pessoas. Ficar parado agora vai ser bom para todo mundo”, confia.

Rogério Olegário, consultor financeiro da Libratta Finanças Pessoais, faz algumas sugestões para tentar amenizar esse período financeiro difícil no mundo inteiro. Para aproveitar o tempo em casa de forma produtiva, é possível fazer cursos online, atualizar leituras, organizar a casa ou fazer logo a declaração de Imposto de Renda, em vez de deixar para a última hora.

Olegário também recomenda usar esse período para dar mais atenção à maneira como cuida do próprio dinheiro. “Com essa crise, muitas pessoas, principalmente autônomos e profissionais liberais, vão perder renda. Será, então, uma maneira de olhar para o próprio dinheiro com mais atenção”, observa. Em outras palavras, será o momento mais necessário de fazer um bom planejamento financeiro.

O consultor financeiro recomenda prever os gastos nos próximos 30 dias. Para isso, Olegário indica dividi-los em três grupos: um, com aquilo que é obrigação de pagar, como contas e aluguel; no segundo, ficam as compras frequentes de mercado, farmácia e com lazer; e, no terceiro, é preciso lembrar de listar o que precisará ser guardado para compromissos futuros.

Para os momentos mais críticos, Rogério Olegário recomenda o espírito de coletividade. O consultor financeiro assegura que será preciso renegociar dívidas e parcelar pagamentos, mas sempre utilizando de sinceridade no momento de enfrentar os credores. “Vamos precisar nos ajudar coletivamente. Para eu não quebrar, vou negociar os pagamentos de que preciso. Mas vou fazer isso com gentileza e verdade sobre a dificuldade financeira do momento para todos juntos, de acordo com as suas reais possibilidades, podermos sair bem dessa situação.”




"O que as pessoas podem fazer? É uma situação crítica e inédita. Muitas pessoas vão ter de fazer um milagre para se manter”
Roberto Piscinelli, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB)



"A situação não está fácil, mas esse esforço é para ficarmos bem para, depois, trabalhar e poder cuidar das pessoas. Ficar parado agora vai ser bom para todo mundo”
Suely Pereira Ventura, microempresária





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