Correio Braziliense
postado em 29/03/2020 04:05
Se a economia global fosse um paciente infectado pelo coronavírus, ela estaria internada em situação muito grave. Em poucos meses, a pandemia de Covid-19 abalou fortemente o sistema financeiro internacional e atinge o setor produtivo em velocidade e intensidade impressionantes. As projeções macroeconômicas estão sendo revistas para baixo com maior frequência do que o normal, e ainda não há previsão de quando a queda na atividade econômica será interrompida.
A crise é aguda e sem precedentes, na avaliação de especialistas. É certo que haverá recessão no mundo e no Brasil, com dimensões comparáveis ao período pós-guerras. Apesar das recentes medidas fiscais anunciadas pela Europa e pelos Estados Unidos e um comprometimento de US$ 5 trilhões dos países do G20, grupo das maiores economias desenvolvidas e emergentes do planeta, as estimativas de queda do Produto Interno Bruto (PIB) não param de serem revisadas para baixo. Na sexta-feira, por exemplo, o Goldman Sachs divulgou novas previsões para vários países. O banco norte-americano prevê a pior recessão para a América Latina desde a Segunda Guerra Mundial, revisando a queda do PIB da região de 1,2% para 3,8%. Passou a prever retração em todos os países da região e, no caso do PIB do Brasil, mudou a estimativa de queda de 1% para 3,4% neste ano. O banco ainda calcula um derretimento do PIB da Europa, com queda de 9%, puxado pela Itália, que deverá registrar uma retração de 11,6%.
No Brasil, apesar dos recentes anúncios do governo para socorrer as pequenas empresas, as previsões do banco norte-americano não devem mudar, de acordo com o economista-chefe para América Latina, Alberto Ramos. “A dinâmica da crise é altamente recessiva, e respostas de políticas financeira e fiscal não mitigam o jogo no curto prazo”, explica. “O risco de esses dados serem um pouco piores do que estamos projetando existe, porque a gente nunca viu uma retração como essa. Se eu ganhar na loteria, não vou sair de casa para gastar. É o espírito de sobrevivência à doença que vai prevalecer, e as pessoas vão preferir ficar em casa”, destaca.
De acordo com Ramos, ainda não há uma estimativa da eficácia dos pacotes anunciados pelos governos ao redor do mundo. Ele prevê que, no caso dos Estados Unidos, cada mês sem atividade econômica significa dois pontos percentuais a menos no PIB americano, mas é possível que o tombo no trimestre seja superior a 10%. “Com os dados de março, há uma queda de receita de 70% a 90% no setor de serviços, e estamos vendo retração nas cadeias de suprimentos da indústria”, complementa.
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, reconhece que as estimativas de uma queda de 1,5% no PIB brasileiro deste ano, como ele está prevendo, podem ser otimistas. Dependendo do tempo em que a atividade econômica estiver paralisada, o tombo da economia brasileira poderá ser maior de 4% neste ano.
Para ele, ainda é cedo para estimar qual será o tamanho da destruição de riqueza global, pois o mundo não vai crescer mais do que os 3% inicialmente previstos nos últimos anos. “Mas existem outros dados que não são contabilizados, como a quebra de uma empresa e o impacto das mortes das pessoas que deixariam de produzir. O mais relevante é olhar para a contração da economia mundial”, explica. Padovani lembra que a quarentena em vários países há poucos dias está gerando uma recessão profunda na economia e poderá vir acompanhada de uma crise financeira. “Se as empresas quebram e as pessoas perdem emprego, aumenta a inadimplência e os bancos se retraem. E estamos ainda no começo do processo; não sabemos quanto tempo essa crise vai durar nesse cenário de estresse”, destaca.
Remédios ineficientes
Por se tratar de uma crise de origem na área de saúde e não monetária, os governos enfrentam dificuldade em reagir corretamente, na avaliação de especialistas. Os remédios utilizados em turbulências anteriores parecem não ter a mesma eficácia no momento. Analistas econômicos reconhecem que as recomendações das autoridades médicas para o confinamento social são eficazes para evitar o impacto da primeira onda da crise. Mas é preciso conjugar a prevenção sanitária com ações que ampliem a liquidez do mercado e o aumento de gastos dos governos. É o que muitas economias desenvolvidas têm praticado.
“De fato, ainda não sabemos o efeito, porque não temos ideia do verdadeiro impacto, e os governos estão se preparando como se fosse para enfrentar uma guerra contra o inimigo comum, que é o coronavírus”, observa Gustavo Arruda, economista-chefe do BNP Paribas para o Brasil. Na sexta-feira, o banco francês divulgou relatório global no qual previu uma queda de 1% no PIB brasileiro, ante ao crescimento de 4% estimado no fim de 2019. A instituição reduziu de 2,8% para 0,5% a estimativa de expansão da economia global. Previu ainda uma retração de 0,7% no PIB dos Estados Unidos e de 2,6% no PIB do Japão. Essa taxa é a mesma da prevista para o avanço do PIB chinês este ano.
“O debate no momento é que as medidas que estão sendo tomadas, apesar de terem um grande volume, podem não ser suficientes para evitar a recessão que está contratada; e muitas coisas deverão ser repensadas pelo governo. O exemplo a ser seguido é o da Coreia do Sul: testar o maior número de pessoas possíveis e torcer para não haver uma segunda onda de contágio, como estamos vendo em alguns países da Ásia”, analisa Arruda.
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