Economia

Brasil S/A

Correio Braziliense
postado em 29/03/2020 04:05


Sem noção nem direção

No fim do dia de quinta-feira, Jair Bolsonaro disse a jornalistas, referindo-se à quarentena, que “a rede hoteleira está fechada, não existe mais diarista, manicure, barbeiro não atende mais ninguém, Uber não roda”. Sugeriu surpresa e indignação, conforme seu jeito peculiar, com as sequelas da orientação da Organização Mundial da Saúde e de sua própria equipe técnica da área para poupar vidas.

Para um presidente eleito pela parcela majoritariamente pobre da população, sem a qual ninguém se elege nem prefeito de vila, mas que nunca se dirigiu a tal eleitorado, já foi um avanço. Bolsonaro apoia uma política econômica que se diz liberal, mas que de fato é austera com os programas sociais, pródiga com o seu eleitor de raiz nas Forças Armadas e nas polícias e míope com o potencial da única grande economia do mundo estagnada há mais de 30 anos.

Seu ministro da Economia é ainda mais insensível quanto à pobreza, que deprime de modo infame o potencial de nosso mercado de consumo.

Não surpreende, por isso, sua preocupação com o lockdown, já que não se vê como parte da equação. Se há mais de 40 milhões vivendo como informais, autônomos ou microempresários individuais, é óbvio que a quarentena levará a uma explosão social sem apoio federal.

Ele e sua equipe econômica demoraram a sacar que cabe ao governo prover todo o dinheiro que garanta a sobrevivência dos carentes e a solvência das empresas, seus empregados e dos governos regionais ao longo do período de atividades suspensas de forma excepcional.

Nada é normal frente à ameaça de uma peste ainda sem cura, mas não a anormalidade que Bolsonaro cogita. Felizmente, o Congresso avocou a proteção dos pobres, sobretudo a Câmara; o STF vem suspendendo a dívida de estados com a União; e governadores e prefeitos, frente à omissão federal, assumiram a vanguarda das medidas sanitárias.

Em torno destes limites institucionais e barreiras sanitárias que Bolsonaro quer implodir é que se propaga o vírus oriundo da China e disseminado pelo mundo, começando pela Europa, onde seu efeito tem sido devastador para as populações europeias bem cuidadas, quanto à proteção de políticas de bem-estar e saúde, e muito bem alimentadas.

Se lá está assim, por que o estrago seria menor aqui, se a miséria predomina e é invisível aos governantes e à minoria bem nutrida?

FED rompe com a ortodoxia

A infestação prospera agora nos EUA de Donald Trump, cuja postura inicial foi dúbia em relação à ameaça da pandemia, já que concorre à reeleição em novembro, influenciando a postura de Bolsonaro, que o admira. Trump acabou se curvando ao clamor popular, alarmado com a letalidade do vírus, e não se inibiu em negociar com o Congresso um aumento de gastos de U$ 2 trilhões, maior que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Esta parte Bolsonaro não compreendeu.

Até o Fed anunciou fundos ilimitados às empresas e bancos locais e para irrigar os fluxos de divisas de países como o Brasil. E mais: mandou às favas a ortodoxia monetária, seguida ao pé da letra por boa parte dos economistas brasileiros. O dinheiro chegará sem a mediação bancária às empresas, por meio de sociedades de propósito específico. Os empréstimos serão por quatro meses prorrogáveis, se preciso, com um forte atrativo: sem juro se a empresa não demitir.

Mas como, ofendem-se os puristas, para os quais os EUA são um país rico e podem cometer excentricidades. Sorry, babies: também podemos.

Ou gasta ou corta imposto

Com atraso, o BC começa a anunciar empréstimos a pequenas e médias empresas para garantir a folha de salários, cobrando 3,75% ao ano (taxa Selic) por dois meses, com seis de carência e 36 para pagar.

Com negociação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o Congresso aprovou uma bolsa de R$ 600 aos trabalhadores informais, que seria de irrisórios R$ 200 na proposta do governo, embora a renda média dessa faixa seja da ordem de R$ 1,3 mil. Por que a mão de vaca?

Porque todo o arcabouço macroeconômico foi construído depois de 2014 para segurar o gasto público, mas sem reformar privilégios e sinecuras, levando o Estado a inadimplir com a infraestrutura e a rede de proteção social. É como a repressão financeira em curso no país, para desestimular o consumo como se houvesse hiperinflação, o que explica os juros no espaço e os altos lucros dos bancos.

O fato, como diz André Lara Resende, recebendo críticas de economistas que agora em bloco reconhecem que ele tem razão, é que o Estado injeta dinheiro quando gasta e o retira cobrando imposto. Então, não seria mais fácil, em vez da burocracia para levar ajuda aos informais e às empresas paradas pelo lockdown, suspender um ou mais impostos, como os encargos sobre a folha? “Cortar imposto é o mesmo que o governo gastar”, explica André.

A civilização corre risco

O problema que o país enfrenta é de pouca “intelligentsia” e muita má-fé, causas centenárias de nosso enorme atraso econômico e social –– com uma causa levando à outra, e ambas embargando o progresso.

A quarentena à qual os governos em geral recorrem a contragosto é também sequela de políticas pensadas do prato para a boca, como a saúde dos países ricos: boa ou razoável, em tempos normais, péssima em eventos imprevisíveis cada vez mais comuns (terremoto, tsunami, furacão, queimada, seca, inundação, epidemia etc.). Ela não é parte do tratamento, é um meio de tentar atrasar a propagação do vírus e evitar o colapso da rede hospitalar, especialmente grave quando não há vacinas nem medicações comprovadamente eficazes. Que fazer?

Agir como se estivéssemos em guerra e planejar a saída organizada da quarentena, respeitando a ética e o bom senso. Sugerir que idosos são trastes dispensáveis não honra ninguém; apenas demonstra que a civilização corre risco no país. Não se pragueja em programas de TV contra quem respeita a lei nem se incitam radicais a fazer agitação na rua. É errado. É leviano. É mau.



“Governo começa com muito atraso a irrigar a economia, mas precisa fazer mais devido ao lockdown”


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