Economia

Salários podem cair à metade na crise

Compensações pagas pelo governo a trabalhadores que aceitarem reduzir os rendimentos em troca de preservação do emprego, nos termos definidos pela MP nº 936, não cobrirão as perdas. Especialistas preveem aumento de disputas judiciais

Correio Braziliense
postado em 03/04/2020 04:32
Trabalhadores que firmarem acordo com os patrões para reduzir jornadas podem perder mais da metade dos salários, mesmo com a compensação paga pelo governo. A Medida Provisória (MP) 936, assinada na quarta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, prevê um complemento por parte da União que não ultrapassa R$ 1.269,12 — o equivalente a 70% da parcela do seguro-desemprego paga para quem recebe salários acima de R$ 2.666,29. O valor máximo, de R$ 1.813,03, só é garantido na suspensão dos contratos, não na redução de jornada.

Quem ganha R$ 10 mil, por exemplo, pode passar a receber R$ 4.269,12, uma perda de 57,31% dos ganhos. São R$ 5.730,88 mensais a menos na conta, por até três meses, se o patrão e o funcionário negociarem um corte de 70%, uma das opções possíveis. Nesse caso, a empresa manteria 30% do salário (R$ 3 mil), e o governo daria um auxílio de 70% da parcela que a pessoa receberia como seguro-desemprego, se fosse demitida: R$ 1.269,12.

A situação mencionada é uma das passíveis de acordo individual, sem necessidade de participação do sindicato da categoria. A negociação coletiva é dispensada se o funcionário tiver ensino superior e receber mais de R$ 12.202,12, o equivalente ao dobro do teto de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Quem ganha até três salários mínimos (R$ 3.135) também pode resolver o assunto direto com o patrão.

Uma pessoa que recebe R$ 2 mil por mês, por exemplo, pode ter perda de até R$ 364,08, ou 18,2% do salário, se o corte for de 70% na jornada. O governo compensaria com R$ 1.035,92, ou 70% da parcela devida de seguro-desemprego para quem recebe essa faixa salarial. A lógica é a mesma nas outras duas opções de redução, de 25%, com compensação de 25% da parcela do seguro, e de 50%, em que o governo arca com 50% do valor do seguro.

Além de quem recebe até três salários mínimos ou mais de R$ 12.202, com ensino superior, também pode negociar direto com o patrão qualquer pessoa que concordar com a redução mais baixa permitida, de 25% da jornada. Só precisam fazer acordo coletivo funcionários que estão na faixa intermediária — recebem entre R$ 3.135 e R$ 12.202 por mês — e se a redução for de 50% ou 70%. As suspensões de contrato também só exigem acordo coletivo nesses casos.

Judicialização

A possibilidade de acordo individual é criticada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), que consideram a medida inconstitucional. A economista Juliana Inhasz, do Insper, acredita que os processos trabalhistas tendem a aumentar daqui para frente por conta da judicialização que a medida deverá provocar. “Estou imaginando uma enxurrada de processos no Judiciário”, disse.

Marcos Chehab, coordenador do Movimento da Advocacia Trabalhista Independente (Mati), diz que a MP é inconstitucional. “Uma MP nunca pode autorizar a supressão de convenções ou acordos coletivos mediante esses acordos ou ajustes individuais entre patrões e empregados”, declarou. “A MP exclui qualquer participação de sindicatos no acordo”, criticou.

O argumento foi o mesmo usado pela Rede Sustentabilidade, que protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida. Para o advogado Luiz Marcelo Gois, sócio da área trabalhista do BMA, a possibilidade de acordo individual, “por si só, desperta algum nível de insegurança jurídica”.

O secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, explicou, ontem, que, “na totalidade das situações, o salário-hora será majorado”, já que o funcionário trabalhará menos e receberá o complemento do governo. Segundo Gois, “de fato, as medidas adotadas não reduzem o salário-hora do empregado”. Ele explica, no entanto, que “o problema é que o valor, no fim do mês, acaba vindo até zero”.

O advogado trabalhista Lucas Santos, do escritório Mendonça & Santos, recomenda às empresas que, por garantia, procurem sindicatos para negociar o assunto, em qualquer caso. “Assim, empresas e trabalhadores ficam mais bem amparados”, considerou. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) elogiou as medidas. “É importante evitarmos ao máximo a demissão. Com demissões, teremos consequências muito piores para o país”, disse o presidente da entidade, Robson Andrade.




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