Economia

'MP dos salários aprofunda recessão'





Apesar de pretender socorrer o trabalhador formal, a Medida Provisória nº 936, que permite a redução de salários e de jornada em até 70%, abre caminho para matar empregos e empresas, criando um ambiente favorável para uma depressão econômica muito pior do que estava sendo prevista, na avaliação da economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, de Washington.

“Essa MP aprofunda a depressão que já está contratada”, afirmou Monica, em entrevista ao Correio.  Por enquanto, ela prevê queda de 6% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, mas adiantou que o tombo deverá ser maior se a medida não for devolvida ao governo pelo Congresso.

A depressão é o pior dos mundos na macroeconomia, quando o PIB cai bruscamente, a taxa de desemprego dispara, há um grande número de falências de empresas, e a credibilidade do governo e sua capacidade de lidar com o problema são postas em xeque.

Pelas estimativas de Monica, nos Estados Unidos, já é possível ver o estrago que a pandemia de Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, vem fazendo no mercado de trabalho. Para ela, no Brasil não vai ser diferente. Ela estima que a taxa de desemprego nos EUA deverá explodir devido à crise, passando de 4,4% da população ativa, em março, para 14%, em abril.

“Esse dado de março ainda não pegou os 6,5 milhões de pedidos de auxílio desemprego desta semana no mercado norte-americano. Se nos EUA, esse cenário já configura uma depressão, porque seria diferente no Brasil?”, questionou a economista. Em fevereiro, o desemprego no Brasil ficou em 11,6%, atingindo 12,3 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  

Para Monica, a MP não vai ajudar a combater a crise financeira que está sendo formada pela pandemia. “Ela pode ser extremamente danosa para as pessoas e para a economia como um todo, porque vai reduzir a massa salarial da maioria dos trabalhadores formais e criar um ambiente deflacionário e que não vai contribuir para a retomada da atividade”, disse a economista.

Pelas contas de Monica, 70% dos trabalhadores formais afetados pela medida ganham até três salários mínimos (R$ 3,1 mil), que já é uma renda “muito baixa”, e devem sofrer uma diminuição nos rendimentos em até 30%. “Um achatamento da massa salarial dessa magnitude pode ter efeitos danosos para a macroeconomia, porque não haverá espaço para uma reação da atividade”, alertou.

Segundo a economista especialista no estudo de crises financeiras, em uma situação de deflação, quando todos os preços caem de forma generalizada devido à forte retração na demanda porque a massa salarial está sendo comprimida. Fatalmente, o país pode ter uma situação de depressão econômica.

Efeitos perversos

Na avaliação de Monica de Bolle, a MP mostra que a equipe econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes não está sabendo como lidar com a crise.  “Essa medida é muito grave e mostra o desconhecimento dos dados, e como isso vai afetar as pessoas e as empresas de maneira geral”, resumiu.

Para ela, a forma mais justa de se combater o desemprego da grande massa de trabalhadores que ganham até três salários mínimos seria garantir um subsídio para complementar a folha de pagamentos, condicionado à manutenção dos salários, “desde que não sejam salários exorbitantes”.

Monica defende que o Congresso rejeite a medida provisória o quanto antes e faça um plano diferente, para preservar empregos.  “Esse não é o momento de reduzir salários, sobretudo, de pessoas de baixa renda e que recebem vencimentos muito baixos”, afirmou. “É a precarização absoluta do trabalho.”

Judicialização
Aa MP 936 também deve gerar uma enxurrada de processos judiciais, na avaliação de analistas e entidades da área jurídica. Marcos Chehab, coordenador do Movimento da Advocacia Trabalhista Independente (Mati), por exemplo, considera a medida inconstitucional, porque fere o artigo 7º da Constituição, que trata dos direitos dos trabalhadores. “Uma MP nunca pode autorizar a supressão de convenções ou acordos coletivos mediante acordos ou ajustes individuais entre patrões e empregados”, declarou. “A MP também exclui participação de sindicatos, retirando de cena quem poderia brigar por melhores condições para a massa de trabalhadores”, emendou.



6%
É a previsão da economista para a queda do PIB em 2020. Mas, segundo ela, retração pode ser ainda maior