Correio Braziliense
postado em 18/04/2020 04:04
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ontem, dispensar a negociação com os sindicatos para a concretização de acordos individuais de redução proporcional de jornada e salários dos trabalhadores da iniciativa privada. A decisão foi por maioria – sete votos a favor e três contrários – e rejeitou liminar do ministro Ricardo Lewandowski, o relator, a pedido da Rede Sustentabilidade, mantendo a íntegra do texto da MP 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
O assunto vem sendo discutido desde o dia 6 de abril, quando Lewandowski determinou que os acordos somente poderiam ser mantidos se não houvesse manifestação sindical. Nesse espaço de tempo, até agora, mais de dois milhões de acordos individuais foram celebrados.
Alexandre de Moraes votou integralmente a favor dos acordos individuais sem a participação sindical. O ministro argumentou que a possibilidade de o sindicato alterar acordos individuais “geraria enorme insegurança jurídica e reduziria eficácia da medida emergencial”. Ele citou cálculos que apontam para o risco de a crise levar o número de desempregados no país a 30 milhões sem medidas para preservar o emprego. “Às vezes, é importante ceder para sobreviver”, observou. Seguiram a divergência os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Dias Toffoli e a ministra Cármen Lúcia.
Barroso destacou a falta de capacidade operacional dos sindicatos em processar número tão grande de acordos em período tão curto de tempo. A expectativa da equipe econômica é de que 24,5 milhões de trabalhadores tenham jornada e salário reduzidos ou contratos suspensos, 73% dos empregados com carteira assinada. Ele observou que a MP “cuidou de estabelecer colchões de proteção social para coibir eventuais abusos”, ao prever estabilidade provisória e preservação da hora trabalhada.
A mesma observação foi feita pelo ministro Marco Aurélio Mello: “A crise não espera a atuação de um Brasil cartorário”.
Luiz Fux, por sua vez, argumentou que o direito “não está apartado da realidade” e a “realidade prática” mostra hoje uma convergência de interesses entre empregadores e trabalhadores. Ele alertou, ainda, que o país vive uma “tempestade perfeita” com a pandemia e defendeu a necessidade de manter a validade da medida do governo.
A ministra Cármen Lúcia foi em direção semelhante e disse que o momento é “grave, sofrido, perturbador”. Ela avaliou que a MP é adequada para o momento e que ainda passará à análise do Congresso. “É certo que não é o ideal, mas não estamos falando aqui do ideal. Estamos falando de nos apegar ao princípio constitucional que assegure pelo menos a valorização do trabalho e do trabalhador, que se ficar sem o emprego, nem sequer poderá ficar em situação de distanciamento social, porque ele vai sair em busca de outros empregos”, afirmou a ministra.
O presidente do STF, Dias Toffoli, ressaltou que a decisão não impede a atuação “necessária e importante” da representação sindical. A própria MP prevê que patrões que fecharem acordos individuais devem comunicar os sindicatos em até dez dias para que as entidades possam agir em casos de abuso.
Dois ministros seguiram a decisão de Lewandowski. Edson Fachin argumentou que a participação sindical tem garantia expressa na Constituição de 1988 e não há espaço para que uma lei ordinária suprima isso, ainda que em tempos de crise ou calamidade pública. Sem a participação do sindicato, afirmou o ministro, nasce uma “possibilidade real de negar-se direitos fundamentais dos trabalhadores, o que não se pode admitir”.
A ministra Rosa Weber acompanhou Fachin. Para ela, afastar a participação sindical das negociações, mesmo num momento de calamidade pública, pode gerar um “recrudescimento do conflito social”. “O período de crise reclama o resguardo da solidez das normas democráticas”, disse Weber, referindo-se ao dispositivo da Constituição que prevê as negociações coletivas para redução de salários.
Queixa da imprensa
Em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, reclamou, ontem, da imprensa na cobertura da MP 936. Ele disse que o noticiário não deveria dizer que as pessoas tiveram o salário reduzido, mas, sim, o emprego preservado pela MP 936. “As manchetes não têm sido boas, não têm trazido a paz que precisamos, não têm trazido a verdade. A verdade é que o governo tem protegido todos os dias milhões de pessoas”, alegou Bianco.
O presidente Jair Bolsonaro também defendeu a medida ontem. “Ultrapassamos a marca de 2,5 milhões empregos preservados pela MP 936”, escreveu em uma rede social. Bolsonaro ainda lembrou que o governo vai pagar a partir de maio uma parcela do seguro desemprego a todos os brasileiros que fizeram acordos de redução salarial durante a pandemia do novo coronavírus.
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