Economia

Preços sob vigilância: alta em produtos essenciais preocupa consumidores

A alta chega até 20% e também existe variação acentuada entre estabelecimentos. Órgãos de controle estão de olho nas queixas de consumidores para punir quem se aproveitar da pandemia da Covid-19 para lesar a população

Correio Braziliense
postado em 19/04/2020 08:00
ilustração de um homem com carrinho de supermercadoEm meio à pandemia, brasileiros estão levando um susto ao saírem de casa para ir ao mercado. É que, apesar de a inflação ter registrado o menor resultado para o mês de março desde a criação do Plano Real, produtos essenciais para esse momento de isolamento social dispararam de preço nas últimas semanas. As altas chegaram a 20% em alguns casos. O mesmo produto ainda pode ter uma variação de preço de quase 400% de um mercado para o outro. Por isso, os órgãos de fiscalização abriram uma série de investigações, baseada nas queixas dos consumidores, para identificar — e punir, se for o caso — qualquer prática de preço abusivo.
 
Segundo o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-DF), mais de 700 consumidores já apresentaram queixas de preços abusivos desde que a Covid-19 se alastrou pelo Brasil. Por isso, 15 produtos básicos para esta situação estão tendo os preços monitorados pela entidade. Entre eles, o álcool em gel, que praticamente sumiu das gôndolas dos mercados e farmácias, e itens que já eram muitos consumidos pelos brasileiros, antes do coronavírus, como detergente, papel higiênico, arroz, feijão, carne, ovos e leite.
 
O papel higiênico, por exemplo, ficou 0,58% mais caro em março, segundo a inflação oficial brasileira, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E ainda sofre uma variação de 170% nos estabelecimentos comerciais, segundo o Procon: o pacote de 12 rolos custa R$ 8,49, em um mercado, e R$ 22,99, em outro. O mesmo acontece com o feijão, que subiu 6,52% e pode variar mais 180%, de acordo com o lugar de venda, indo de R$ 4,19 a R$ 11,75. 
 
Por isso, mesmo com o trabalho de monitoramento de preços do Procon, as queixas não param. O aposentado Joaquim Dias, de 65 anos, que saiu de casa para fazer feira com a esposa Marlene Batista, diz que parece haver um aumento geral de preços nos mercados. “Tenho visto um aumento de 20%, comparado ao mês passado. E isso impacta o bolso de qualquer um. Principalmente para os menos favorecidos”, disse. 
 
“Os produtos que mais aumentaram foram os relacionados à doença, como álcool em gel e máscaras. Mas também há aumentos em produtos que, às vezes, não são tão perceptíveis. Carne, por exemplo, estava em alta em dezembro, mas hoje também está elevada. Ninguém fala nada”, reclamou o militar Nivaldo Santos Júnior, de 34 anos. “A cesta básica, praticamente toda — feijão, arroz, carne —, aumentou bastante”, emendou a professora Raquel Caetano, 34. 
 
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Redução da oferta

Fica no consumidor, portanto, a dúvida se de fato há motivo para essa disparada dos preços. A advogada Cleide Santos, 41, acredita que alguns mercados estão aproveitando o aumento da demanda por alimentos e produtos de limpeza para tentar aumentar o próprio faturamento. “Como está uma crise generalizada, acho que pode ter uma necessidade de recompor os custos, é uma consequência. Mas, para uma parcela, realmente é má intenção”, disse.
 
Gerente do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE, Pedro Kislanov ressaltou, contudo, que é preciso analisar com calma toda essa situação, pois pode haver justificativa para algumas altas. “Há dois efeitos agindo sobre o preço dos alimentos. Há um aumento da demanda, porque as pessoas têm ido mais ao mercado e demandado mais consumo em casa. E também pode ter uma redução da oferta, por conta da menor produtividade. O coronavírus pode afetar os dois lados”, explicou. 
 
“Estamos em um mercado de livre concorrência. Quanto a oferta e a demanda mudam, há uma reação dos preços, porque ninguém diz para os mercados quanto eles devem cobrar, o preço é livre. E, neste caso, houve uma corrida para os mercados. Então, o preço subiu da mesma forma que caiu o preço de outros produtos cujas demandas diminuíram, como a gasolina”, resumiu o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez.
 
Coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), André Braz destacou que ainda contribuem com esse problema efeitos sazonais e problemas de safra de itens como o ovo e o feijão. Mas apontou que, apesar do impacto que os alimentos têm no orçamento familiar — sobretudo nas famílias de baixa renda —, é preciso ter calma, pois essa alta deve ser temporária.
 
“Com o isolamento social, as famílias reforçaram as compras do mês. Então, os produtos subiram. Mas essa subida não tem fôlego para muitos meses, porque não existe desabastecimento. Os produtos estão chegando ao centro. Foi só um ajuste, porque, diante do aumento da demanda, os mercados também precisaram fazer contratos mais curtos de fornecimento e frete para repor os estoques. Isso tem um custo”, afirmou Braz, dizendo que, depois do choque inesperado do início da pandemia, os mercados devem estar ajustando seus estoques ao novo nível de demanda.
 
“O aumento por si só não se sustenta, pois, assim, não vende. E nós precisamos de venda para nos sustentarmos”, confirmou o gerente do mercado Veneza, do Cruzeiro, Juvenildo de Aguiar, contando que já foi criado um comitê dos supermercados do Distrito Federal para combater a cobrança de preços abusivos durante a Covid-19.

Fiscalização

Apesar da lógica de oferta e demanda, as reclamações de aumento de preços não param de chegar nos órgãos de controle. Por isso, o Procon, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) trabalham para garantir o bom funcionamento do mercado e, assim, evitar excessos. Afinal, cobrar preços abusivos configura uma infração ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), que pode ser punida com uma multa de até R$ 9,9 milhões.
 
“Pela lei, é proibido o aumento arbitrário de lucro e o aumento abusivo de preços”, informou o secretário nacional do consumidor do Ministério da Justiça, Luciano Timm”. Segundo ele, os órgãos de controle estão monitorando os preços e trabalhando para tentar entender a formação dos valores cobrados. Afinal, há relatos de fornecedores que tiveram que pagar três vezes mais por um produto. Foi o que aconteceu, por exemplo, com as empresas que revendem máscaras da China. “Monitorar toda a cadeia de produção é o único jeito de saber se houve ou não abusividade”, disse.
 
Ainda de acordo com Timm, a Senacon abriu processos para investigar a alta registrada pelas máscaras de proteção individual, pelo álcool em gel e pelo leite nas últimas semanas. E fechou convênios com a Sociedade de Economia Rural e a Abras para, se for preciso, ampliar o monitoramento para outros produtos. “A Abras não compactua com a elevação injustificada de preços, principalmente, em período de fragilidade da população, que busca se proteger do coronavírus e evitar a propagação da doença no Brasil”, confirmou a associação.

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