O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tem reunião marcada para terça e quarta-feira desta semana. A expectativa é de que o colegiado anuncie uma nova redução da taxa básica de juros (Selic) e a maioria das apostas é que o corte será de 0,5 ponto percentual, mas há também quem espere 0,75 ponto percentual e, ainda, uma pequena fatia imaginando algo mais agressivo, como 1,0 ponto percentual.
A Selic está em 3,75% ao ano, o menor patamar da história, e, mesmo se a taxa passar para 3% ou para 2,75% anuais, o país ainda não deverá conviver com juros reais negativos, ou seja, abaixo da inflação. Isso porque, como a atividade está muito fraca, a falta de demanda vem gerando deflação, reduzindo as perspectivas para o custo de vida no fim do ano. Logo, um consenso está se formando de que uma forte redução nos juros básicos, agora, não terá impacto algum na retomada da atividade no momento atual, com a piora do cenário de contágio e de mortes da pandemia da Covid-19. Além disso, a saída do ministro da Justiça, Sergio Moro, e o aumento das tensões entre o presidente Jair Bolsonaro e o Congresso e o Judiciário, podem agravar o quadro já recessivo na economia.
Para se ter uma ideia, as previsões do Top 5, grupo das cinco instituições que mais acertam as projeções do boletim semanal Focus, do BC, estão abaixo de 2%. E as projeções para a Selic no fim do ano variam entre 2,5% e 2,75%. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, chegou a considerar cenários sobre a possibilidade de o país ter juros reais negativos neste ano, com ocorre com Japão, Dinamarca e países da Zona do Euro, onde o juro nominal está zerado. Por enquanto, a certeza dos analistas ouvidos pelo Correio é de que o presidente do BC precisará escrever nova carta ao ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando porque a inflação ficará abaixo do piso da meta, de 2,5%, algo inédito. “Desta vez, a carta não será problema, porque inflação baixa é algo positivo, apesar do ambiente recessivo”, afirma Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos.
Ele está revisando as projeções, que estavam com previsão de queda de 3,5% do PIB neste ano. “Vamos mexer para algo acima de 5% de queda, porque a nossa aposta era de relaxamento das medidas de afastamento social, a partir de maio, mas, pelo visto, as restrições devem ser adotadas até junho, devido ao aumento no número de mortes e contágios”, pontua o especialista, que espera corte de 0,5% ponto na próxima reunião do Copom e Selic a 3% no fim do ano.
Apesar de Campos Neto ter sinalizado ao mercado, semana passada, que poderia fazer novos cortes na Selic nesse sentido, analistas esperam mais cautela do BC neste momento em que a pandemia tem seus efeitos cada vez mais severos na atividade.
Recessão
A prévia do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15), que foi divulgada na última quarta-feira, ficou negativa em 0,01% na primeira quinzena de abril. “Vamos ter deflação em abril e em maio, e, se a atividade não tiver uma retomada, ainda poderemos ter deflação em junho”, alerta Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos. Ele prevê que o IPCA ficará em 1,8% no fim do ano e espera um corte de 0,75 ponto percentual na Selic nesta semana pelo Copom. Para ele, não vai adiantar o BC zerar a Selic na atual conjuntura para ter juro real negativo. “O problema é que se fizer cortes fortes nos juros não será uma bala de prata. Não haverá estímulo da demanda, porque o hiato do produto (diferença entre o PIB real e o PIB potencial) está muito elevado, entre 5% e 6%, ou seja, vamos ter recessão”, alerta ele, que está revendo a projeção de queda no PIB deste ano, atualmente em 2,75%.
A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, torce para que o Banco Central não corte os juros em maio e mostre mais cautela no processo de condução da política monetária. “O presidente do BC sinalizou o contrário, de que haverá novos cortes. Mas acho que o BC não deve ser tão agressivo diante do aumento dos riscos políticos e fiscais nesse cenário atual”, destaca. Pela sinalização de Campos Neto, ela está esperando um corte de pelo menos 0,5 ponto nesta quarta-feira e de mais 0,25 ponto percentual.
“Ainda achamos que o BC não deve ir para movimentos mais agressivos. Primeiro, porque temos dúvidas em relação à efetividade do corte em um momento de incerteza como esse. E, segundo, porque a potencialidade da política monetária é menor”, alerta.
Em meio à forte recessão na qual o país está mergulhado, mesmo se o país tiver juros reais negativos, eles podem não estimular a atividade, na avaliação do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. “O BC deve cortar 0,5 ponto na Selic em maio e pode cortar ainda mais em meio a essa crise. Mas mesmo se houver juro negativo, o spread (margem dos bancos entre os juros que eles pagam e o que eles cobram dos clientes, incluindo o lucro) continuará elevado”, avaliou. Para ele, que prevê Selic no fim do ano em 3,25%, a necessidade maior do mercado no momento é “dar garantias maiores para o setor privado emprestar para as empresas”.
Na avaliação do economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, apesar do corte, a Selic ainda ficará elevada, podendo chegar a 2% no fim do ano. “Isso pode significar um dólar mais caro, mas hoje não tem importância inflacionária e pode ajudar na exportação”, destaca. Quanto mais os juros caírem, mais os bancos serão obrigados a emprestar, segundo ele.
Sem impacto na atividade
Mesmo com a taxa básica de juros (Selic) nos menores patamares da história, novos cortes da taxa básica não deverão ter grande impacto na economia, na avaliação de analistas, porque os spreads não caem tanto quanto se observa na taxa básica, ainda mais com o governo zerando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para os empréstimos. “Existe uma dissonância grande nesse mercado, que é muito concentrado e, por conta disso, os juros não caem na ponta”, compara Alexandre Almeida, economista da CM Capital. Ele lembra que o governo tem dado instrumentos para tentar estimular o mercado de crédito, como a redução da alíquota dos depósitos compulsórios a prazo, por exemplo, mas não vê um cenário de juro negativo diante da escalada na curva longa dos juros, que já estão entre 7% e 9%.
Os juros nominais no país, se comparados com os de países emergentes, não estão entre os mais altos, mas o problema é que no mercado eles continuam altos. “Na Espanha, o governo está agindo mais na oferta de crédito subsidiado por meio de bancos públicos e de desenvolvimento, algo que precisa ser melhorado no Brasil, pois os juros, lá, para o pequeno empreendedor arcar com custos, é de 1% ao ano; e, aqui, para financiar a folha de pagamento, a taxa estava em 3,75%”, compara o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB).
As projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil neste ano estão sendo constantemente revisadas para baixo. A mediana das expectativas do mercado do boletim Focus, do Banco Central, já foi reduzida 11 vezes e, na semana passada, estava prevendo retração de 3,3% neste ano. Esse dado está otimista se comparado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que aposta em recuo de 5,3% do PIB, ou de analistas que já começam a admitir queda de 10%, como prevê Oreiro. Nos cenários mais pessimistas, como o do banco suíço UBS, chega a 10,1%.
O economista da CM espera corte de 0,5 ponto percentual na Selic, agora, e outro, de 0,25 ponto. Nada mais. “Estamos prevendo os juros ficando em 3% neste ano e em 4% no ano que vem. O cenário de deflação não vai favorecer os juros negativos tão cedo”, afirma. A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, lembra que o juro negativo dificilmente chegará ao consumidor final uma vez que o crédito baixo acaba não chegando para o consumidor em função dos demais custos que envolvem a operação de financiamento. “Neste momento, cortar a Selic não vai ter efeito algum na economia. É uma medida inócua, porque não há demanda. As pessoas estão em casa e estão consumindo menos, e as empresas, com tanta incerteza, dificilmente vão investir. Elas precisam de empréstimos para financiar o capital de giro”, destaca. (RH)
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