Economia

Desigualdade social cai no Brasil, mas continua vergonhosa

PNAD Contínua constata que Índice de Gini teve discreta melhoria, de 2018 para 2019, mas outros dados sobre a população ainda mostram uma imensa distância entre ricos e pobres, que vão pagar a pesada conta a ser trazida pela pandemia

Em um país marcado pela desigualdade social, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram uma ligeira queda nesse cenário. O Índice de Gini do rendimento domiciliar per capita variou nos anos de 2018 e 2019, entre 0,545 e 0,543. Apesar da melhora sutil, a renda média da população, de 2018 para 2019, caiu de R$ 2.317 para R$ 2.308.


“Temos uma boa e uma má notícia. A má é que a recuperação da economia, em termos de renda, perdeu força. Caiu um terço em 2019 comparada a 2018. A boa é que a desigualdade, que vinha aumentando, começou a cair”, analisa o professor Marcelo Neri, diretor do FGV Social. Mesmo assim, ele destaca que a desigualdade no Brasil é imensa. “Tem efeito sobre saúde e escolaridade. Temos uma série de custos sociais causados por ela. A própria pandemia ilustra isso: grupos mais pobres podem ser ainda mais afetados”, aponta.

Alessandra Brito, analista do IBGE responsável pela pesquisa, salienta que o Brasil é um dos países com o Índice de Gini mais alto do mundo. Ela explica que “acima de 0,5 o índice é considerado alto. Tivemos um movimento de redução, de 2012 até 2015. Em 2016 voltou a subir e, agora, em 2019, tem uma tendência de queda”.

A pesquisadora complementa que, apesar da melhora, o Índice sempre foi alto no Brasil. Ela observa que o processo para diminuir as distorções é longo e que esse cenário é resultado de um país historicamente desigual. “Escravidão, não inserção no mercado de trabalho, diferenças de rendimento por cor ou por sexo... Isso tudo vai se somando e formando esse número”, descreve.

Problemas crônicos


O distanciamento entre as camadas sociais pode ser percebido em outra discrepância: enquanto metade da população recebia, em média, R$ 850, 1% dos brasileiros tem rendimento médio mensal de R$ 28.659.

Marcelo Neri destaca que a falta de infraestrutura e a má distribuição de renda são coisas que agravam a situação atual. “A PNADC permite olhar isso no universo do Brasil como um todo. Os problemas mudam de acordo com a região. Brasília, por exemplo, tem a maior renda, mas também a maior desigualdade. Ou seja, poucas pessoas se beneficiam e isso gera um certo desperdício social”, explica.

Mas não é apenas entre as regiões que as diferenças ficam gritantes. Outro dado que chama a atenção no levantamento é a discrepância entre o rendimento médio de brancos e pretos: enquanto o primeiro grupo tem uma média de rendimento mensal de R$ 2.999, no segundo o número despenca para R$ 1.673 –– e R$ 1.719 entre os pardos.

“Os grupos tradicionalmente excluídos, como negros, mulheres, trabalhadores da área rural, tendem a perder mais do que a média”, explica Marcelo Neri. “O Brasil desaprendeu, nos últimos anos, a cuidar dos muitos pobres. Isso é muito preocupante”, lamenta.

Barreiras


Os números também mostram que diferença de salários entre homens e mulheres parece ser intransponível. A mão de obra masculina, que tem média de rendimento de todos os trabalhos em R$ 2.555, recebe 28,7% a mais que as mulheres, que ganham em média de R$ 1.985.

Para Marcelo Neri, apesar do cenário desfavorável, as mulheres estão conseguindo, aos poucos, diminuir a diferença. “As mulheres fizeram o dever de casa no ponto de vista escolar. E elas estão relativamente bem posicionadas”, diz, creditando tal melhoria à educação.

“Apesar de se achar que a educação não faz muita diferença, seu retorno para o Brasil faz, sim, uma diferença gigantesca”, confirma Neri.

Em números, é gritante a diferença: enquanto uma pessoa sem instrução recebe cerca de R$ 920, um profissional com ensino superior completo tem média de rendimento de R$ 5.108. “Nos últimos cinco anos, a renda dos analfabetos caiu e a de quem tem superior completo passou a crescer”, detalha o professor.

*Estagiário sob supervisão de Fabio Grecchi


Uma balança social desequilibrada


»  Metade dos brasileiros sobrevivia, em 2019, com apenas R$ 438 mensais. Ou seja, quase 105 milhões de pessoas tinham menos de R$ 15 por dia para satisfazer todas as suas necessidades básicas;

»  Os 10% mais pobres –– equivalente a 20,95 milhões de pessoas ––, sobreviviam com apenas R$ 112 por mês, ou R$ 3,73 por dia. Em relação a 2018, houve uma melhoria de 0,9% na renda média dessa parcela da população, mas inexpressiva em termos financeiros, pois trata-se de apenas R$ 1 real a mais;

»  No estrato mais rico da sociedade, apenas 1% dos brasileiros mais abastados vivia com R$ 17.373 mensais. Significou um aumento de renda de 2,7% para um grupo de pessoas que, em 2019, era de pouco mais de dois milhões de pessoas;

»  Na média nacional, o rendimento médio mensal real domiciliar per capita foi de R$ 1.406. No Norte (R$ 872) e no Nordeste (R$ 884) ficou abaixo do salário mínimo (R$ 998), mas, no Sudeste, alcançou os R$ 1.720;

»  A massa de renda domiciliar obtida de todas as fontes totalizou R$ 294,396 bilhões, em 2019, mas também distribuída de forma desigual. A parcela dos 10% dos brasileiros com os menores rendimentos detinha 0,8% dessa riqueza, enquanto os 10% mais ricos concentravam 42,9% dela;

»  Em 2019, a concentração de riqueza aumentou na região Nordeste, mas, na região Norte, houve melhora na desigualdade. A renda per capita no Nordeste teve o maior crescimento entre as regiões brasileiras (4,5%), mas puxada pelos ganhos dos mais ricos;

»  Na passagem de 2018 para 2019, o Norte teve redução de 5,3% no rendimento médio domiciliar per capita. Houve perda de poder aquisitivo em todas as faixas de rendimentos, especialmente entre os mais ricos. Ainda assim, a fatia 1% mais rica recebia R$ 9.937 mensais, contra apenas R$ 73 obtidos pelos 10% mais pobres. Metade dos moradores do Norte sobrevivia com R$ 273 mensais no ano passado;

»  Um em cada cinco trabalhadores brasileiros recebia menos da metade do salário mínimo em 2019. A renda média entre os 20% com menores rendimentos do trabalho era de apenas R$ 471 no ano passado. Se considerados os 50% com menores salários, ou seja, metade de todos os trabalhadores em atividade, a renda média subia a R$ 850, ainda aquém do piso de R$ 998, determinado por lei, em 2019.