Economia

Brasil S/A

Tentamos encurralar um vírus mal conhecido, sem que se saiba qual a realidade socioeconômica do país

Correio Braziliense
postado em 10/05/2020 04:15
O rei está nu!

A falta entre o que se ajustou chamar de lideranças políticas da franqueza do menino do conto do dinamarquês Hans Christian Andersen que grita, ao assistir à parada real, “O rei está nu!”, basta dizer que a pandemia da covid-19 está descontrolada no país, afundando ainda mais a economia no buraco em que já se achava.

Não tenhamos a ilusão de que a economia taxiava na pista à espera da ordem da torre de controle para decolar, como o ministro Paulo Guedes diz, e o presidente Jair Bolsonaro repete. Os cenários do Focus, o boletim semanal do Banco Central com projeções de bancos e consultorias, indicavam antes da aprovação do decreto de calamidade pública quedas sucessivas da previsão de crescimento neste ano do PIB, o produto interno bruto. O vírus é desculpa.

A economia cresce há cinco anos ao redor de 1% ao ano, movida pelo consumo, não pelo investimento em produção e infraestrutura, que é a única forma de expandir a riqueza de uma nação, além da educação e treinamento contínuo da população. Isso se faz com dinheiro seja lá de qual origem, estatal ou privada, e com planejamento nacional, que só pode ser feito pelas instituições eleitas com o apoio de uma burocracia de alto nível e da inteligência do setor privado.

Pense num prédio ou num condomínio de casas. Sem administração nem síndico eleito ou profissional, logo se transforma num pardieiro. É no que nos transformamos, devido a décadas de gestores ineptos e os desvios de recursos, corrupção, para simplificar. E, pior, ficamos ao se impor que a autogestão funcionaria melhor. Em suma: tirando da frente o Estado, que seria “do mal” por princípio, tudo estaria ok.

O elevador jamais quebraria, a grama seria cortada no tempo certo, a portaria impediria a entrada de intrusos. Olhe-se para o SUS e se entenderá o que acontece. Ah! É que hospital público não funciona, dirá o liberal de fachada. Certo, nos EUA são privados e também não deram conta dos milhares de infectados. Tão grave quanto foi o país constatar que a produção de insumos médicos fora terceirizada para fabricantes chineses, onde o custo é menor e o dumping é corrente.

Tais questões estão em discussão nos EUA em programas populares de TV e na internet. Aqui somos entretidos pelas tretas criadas pelo presidente para disfarçar sua incapacidade sobre o que fazer, além de hostilizar quem saiba e não lhe seja vassalo, e por quem enxerga comunista em qualquer um que discorde de suas visões tacanhas.

O estrago já está feito
Por tais antecedentes como pano de fundo da pandemia, o isolamento social meia sola, solapado por Bolsonaro e seus carimbambas, nem bem ajudou a retardar a infecção com a força devida nem poderá ser relaxado antes que a saúde pública se torne o que nunca foi: minimamente organizada. No SUS, digno de registro só a dedicação de seus servidores, pois sempre padeceu da doença crônica da má gestão e do descaso de governantes e afortunados que pagam plano de saúde.

O estrago está feito, dele não se escapa e tende a piorar tanto se houver uma saída desordenada do isolamento quanto se o lockdown sem vigilância e sanção for aplicado. O vírus expôs a fragilidade do sistema de saúde em toda parte, não só no Brasil, mas aqui trouxe à vista duas realidades que políticos e a minoria bem-aventurada, que se diz maioria, fingiam ignorar: a enorme pobreza invisível e anos de política econômica sem nexo transformador, só servindo a poucos.

Solução trapaceira do teto
A discussão infiltrou-se no governo, estando no centro da cizânia entre os ministros Rogério Marinho e Paulo Guedes, mediados pelo chefe da Casa Civil, general Braga Netto, com Bolsonaro só olhando.

No fundo, a desavença é se o Tesouro está quebrado, como alegam os fiscalistas de Guedes, ou se haveria margem para retomar as 50 mil obras públicas paradas no país em consórcio com o setor privado.
Quebrado, de fato, não está. A governança do Estado é que faliu se, de cada R$ 100 arrecadados com tributo e dívida pelo Tesouro, apenas R$ 7 estejam livres para o governo gastar em que se faça necessário.

É um problema político e não técnico. Ele faz do teto de gasto uma solução trapaceira, pois manteve a despesa obrigatória, que inclui benefícios da elite do funcionalismo e correção de salários a cada ano. O ajuste concentra-se em cortes de gasto só dos investimentos e das políticas sociais. A reforma administrativa por isso é a mais essencial, mas Bolsonaro se opõe, já que seu apoio vem de policiais e do baixo oficialato do Exército, categorias que mais beneficiou.

Os que cobram caro para dar
É comum se ouvir entre parlamentares experientes que política não é para amadores. As redes sociais estão cheias deles. Não se visa a transformação venturosa, mas interesses individuais e setoriais, os motivos da adesão a Bolsonaro dos partidos do é dando que se recebe (que nada tem a ver com o centro democrático cuja maior expressão é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia).

É também o que levaram lobistas da indústria a Bolsonaro e Guedes — um rol de pedidos, além dos muitos já atendidos, documentados num texto de 27 páginas da chamada Coalizão Indústria. Muitas vezes mais do que mereceu o setor de serviços, responsável por 75% do PIB, e, de verdade, o mais prejudicado pela parada da economia.

Toffoli foi xavecado no STF
Essa trupe da indústria, que não tinha empresário, topou ir com Bolsonaro de supetão xavecar Dias Toffoli, presidente do STF, para reabrir o comércio. Bolsonaro disse que eles somavam 40% do PIB, o dobro da conta correta (incluindo o ramo extrativo), e 30 milhões de empregos, isso quando em todo o país há apenas 35,9 milhões, incluídos domésticos, com carteira assinada. Ou meros 34% da força de trabalho total de 105 milhões de brasileiros.

Assim estamos: tentando encurralar uma doença viral mal conhecida, sem que se saiba qual a realidade socioeconômica do país. Não é só o rei da fábula que está nu.









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