Economia

Financiamento do rombo é a encruzilhada adiante

Correio Braziliense
postado em 14/05/2020 04:04
Para Monica, crise não será temporária e haverá repiques de instabilidade na economia e no confinamento social



A deterioração fiscal em 2020 e nos próximos anos é uma certeza contratada pela pandemia de covid-19, que está provocando uma recessão global sem precedentes. Um dos maiores desafios será o financiamento do rombo crescente das contas públicas e a rolagem dos títulos públicos daqui para frente.

Uma das alternativas, na avaliação da economista Monica de Bolle, pesquisadora senior do Peterson Institute for International Economics (PIIE), será a ampliação dos instrumentos do Banco Central. Ela citou como exemplo medida que foi aprovada pelo Congresso junto com o “orçamento de guerra”, que é a permissão para o BC comprar títulos no mercado secundário, como dívidas de empresas e do Tesouro Nacional. Essa prática foi adotada por vários bancos centrais de países desenvolvidos na crise financeira global de 2008, o que seria uma espécie de “emissão de moeda”.

“A emissão monetária ficaria contida no balanço do BC e não teria repercussão inflacionária, como já foi constatado em vários países”, explicou Monica, durante o webinar “Financiamento da crise do coronavírus”, realizado ontem pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, pela Instituição Fiscal Independente (IFI) e pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV).

Para ela, como a crise não será temporária, e haverá repiques de instabilidade na economia e no confinamento das pessoas, a retomada não será fácil em um cenário de deflação, no qual o país nunca viveu. “É uma crise de origem de saúde pública e o cenário será diferente de qualquer outra crise anterior, por isso não são comparáveis”, alertou.

Também participaram do evento o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, o ex-secretário de Política Econômica e professor da FGV Márcio Holland e o diretor da IFI, Josué Pellegrini.

Diante da piora do quadro fiscal, uma vez que algumas medidas emergenciais podem ter uma duração maior do que o previsto, a dívida pública bruta do Brasil poderá crescer 15% do Produto Interno Bruto (PIB) pelas estimativas de Maílson, o que elevará o endividamento do país para mais de 90% do PIB –– bem acima da média dos demais países emergentes, em torno de 50% do PIB. Ele destacou que o governo precisa traçar, desde agora, um projeto bem estruturado para conter o aumento da dívida pública –– um dos indicadores para os quais os investidores mais olham nas economias emergentes –– focado em aumento temporário da carga tributária.

Sentido inverso
Na avaliação do ex-ministro, a saída da crise não se dará apenas por reformas, como defende a equipe econômica. Além disso, as propostas de reforma tributária que estão tramitando no Congresso vão na contramão do que será necessário, pois focam apenas em tributos sobre o consumo e sobre os mais pobres. “O governo precisa de aumento temporário da carga tributária que não recaia sobre o consumo, mas que incida sobre a renda e sobre o patrimônio”, sugeriu Maílson, defendendo a taxação de grandes fortunas e de dividendos. Ele lembrou que o Brasil tributa pouco a renda, em comparação com os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A piora do quadro fiscal também deverá se refletir no aumento das operações compromissadas do Banco Central, que devem passar de 13,1% para 28,3% do PIB, entre 2019 e 2020, devido ao aumento na desconfiança do governo federal em honrar dívidas de longo prazo.

Já pelas estimativas de Holland, o PIB pode registrar queda de 8% a 10% neste ano, e a dívida pública bruta pode chegar a 100% do PIB devido à piora na crise política protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro –– algo que, para ele, precisa ser incluído nas projeções daqui para frente.

“Estamos vendo um quadro rápido de deterioração econômica e fiscal, e ele tem a ver com a instabilidade política. O governo Bolsonaro não me parece ter alternativas e saídas fáceis daqui para frente, porque não tem uma agenda clara e coordenada para o combate à pandemia, tanto na área econômica quanto na área de saúde”, destacou. Na avaliação de Holland, o Brasil não conseguirá ter superavit primário antes de 2025.



“Estamos vendo um quadro rápido de deterioração econômica e fiscal, e ele tem a ver com a instabilidade política. O governo Bolsonaro não me parece ter alternativas e saídas fáceis daqui para frente, porque não tem uma agenda clara e coordenada para o combate à pandemia, tanto na área econômica quanto na área de saúde”
Márcio Holland, economista e professor da FGV




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