Correio Braziliense
postado em 17/05/2020 09:11
Após publicar, em meio à crise de 2009, um estudo que foi abraçado por governantes que defendiam a austeridade e que indica que paÃses com uma relação entre dÃvida e PIB superior a 90% crescem menos, a economista Carmen Reinhart vem defendendo que os paÃses gastem o que for preciso para amenizar a crise decorrente da pandemia da covid-19. Professora em Harvard, Carmen diz que, neste momento, há preocupações maiores do que o endividamento. "Há muitas rupturas, além da questão do endividamento, que provavelmente terão um efeito adverso maior no crescimento." A seguir, trechos da entrevista.
A sra. tem defendido polÃticas fiscais agressivas durante a pandemia. Depois da crise de 2009, porém, advogava pela redução de gastos públicos, porque seus estudos indicavam que paÃses com dÃvida maior que 90% do PIB cresciam menos. Por que essa mudança?
Não estamos respondendo agora a uma crise padrão. É uma emergência de saúde. Durante uma guerra - e hoje há muitos elementos de guerra -, você se preocupa em vencê-la e, depois, em pagar a dÃvida. Eu me preocupo com os desafios que teremos no futuro por causa do endividamento, mas também me preocupo que uma falta de reação tenha consequências grandes tanto em termos de vidas como em efeitos de longo prazo que uma epidemia pode causar em todas as dimensões da vida.
O que podemos esperar para esses paÃses que chegarão a uma dÃvida/PIB superior a 90%, como o Brasil? Vão crescer menos depois da pandemia?
Não tenho ideia. Sabemos se a crise vai terminar em um mês ou em um ano? A feição da economia dependerá da duração da pandemia. Minha suspeita é que teremos um perÃodo de crescimento mais lento, mas isso não ocorrerá apenas por causa do endividamento. Ocorrerá também porque cadeias de fornecimento globais estão sendo interrompidas. Outra questão é que a pandemia não é sincronizada, começou na China, foi para a Europa, agora está atingindo os Estados Unidos. Por quanto tempo o turismo e outras atividades relacionadas ficarão suspensas? Há muitas rupturas, além da questão do endividamento, que provavelmente terão um efeito adverso maior no crescimento.
Como ficam os paÃses emergentes diante dessas rupturas?
O Brasil e outros produtores de commodities vão sofrer mais um impacto negativo. Esses paÃses se beneficiaram depois da crise de 2008/2009, porque a China estava crescendo a dois dÃgitos, o que elevou o preço das commodities. Não acho que a China voltará a crescer nem 6%. Então o preço das commodities não vai mais ser um propulsor.
A sra. vem defendendo a suspensão do pagamento da dÃvida externa de paÃses emergentes. No caso do Brasil, que tem sobretudo uma dÃvida doméstica, o que poderia ser feito?
O que Kenneth Rogoff (também autor do estudo que relaciona endividamento elevado a baixo crescimento) e eu propomos é uma suspensão temporária para permitir que os paÃses não tenham de se preocupar com a dÃvida neste ano e possam se preocupar em gastar no que é preciso. Suspender o pagamento da dÃvida externa ajudaria um pouco o Brasil também, porque há dÃvida externa, mas não é algo relevante. Suspender o pagamento da dÃvida interna não ajudaria. Se você tem um fundo de pensão que depende de investimentos em letras do Tesouro e suspende os pagamentos, as consequências são o oposto do que se quer, que é colocar dinheiro no bolso de famÃlias. O mais próximo do que estamos propondo seria o Brasil negociar com os investidores estrangeiros que têm papéis da dÃvida doméstica brasileira.
O que o Brasil poderia fazer, então, para amenizar a crise?
O Brasil entrou na crise já endividado e com questões fiscais não resolvidas. O Banco Central está sendo mais agressivo na parte dos juros. Mas, do lado fiscal - e você está falando com alguém que se preocupa muito com endividamento -, minha visão é que não se pode lutar uma guerra como essa com um braço atrás das costas. É preciso uma resposta fiscal para ajudar aqueles que perderam seus empregos por causa do lockdown e os negócios que tiveram de fechar. Não estamos falando de luxo, estamos falando de necessidades.
Como um paÃs como o Brasil pode financiar esse aumento de gastos?
Tem de ser uma mistura: uma parte com emissão de dÃvida, outra com relaxamento monetário (que reduz os juros da dÃvida). Uma coisa que tem de ter cuidado é com o gerenciamento da dÃvida. Não se pode ter muita dÃvida de curto prazo, porque aà você pode enfrentar problemas de risco mais alto. É preciso escalonar os pagamentos para não ter agrupamentos, para não ter um perfil de pagamento de dÃvidas que dê origem a pontos vulneráveis.
Quais impactos no sistema financeiro global teria uma suspensão do pagamento da dÃvida externa pelos emergentes? Não poderia incentivar os paÃses a adotarem polÃticas fiscais irresponsáveis?
A palavra-chave é "temporário". O G-20 já endossou isso para paÃses da IDA (braço do Banco Mundial que ajuda os paÃses mais pobres do mundo) enfrentarem uma crise que supera qualquer outra desde 1930.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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