Economia

Sova no investidor: perdas na bolsa de valores ampliam crise econômica

Crise política, pandemia e recessão criam ambiente desafiador para quem consegue poupar e pretende investir no mercado financeiro. Destaque de valorização em 2019, Bolsa de Valores acumula perda de 32,9% neste ano

Correio Braziliense
postado em 18/05/2020 06:00
Balcão da B3Em tempos de pandemia da covid-19, recessão profunda e crise política diária, não está sendo fácil poupar no Brasil, mesmo para quem consegue ainda guardar algum dinheiro no fim do mês e não teve a renda encolhida. Após bater recordes em 2019, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) ficou proibitiva para cardíacos. Em fevereiro, o Índice Bovespa, principal indicador da B3, rumava para romper a barreira dos 120 mil pontos, mas o processo foi interrompido e, agora, a B3 está dando uma sova nos investidores diante da piora da perspectiva econômica global. 

Ao fechar em 77.557 pontos na última sexta-feira, o índice acumulou queda de 32,9% no ano. A perda é superior ao ganho em 2019, de 31,6%. De acordo com dados da Economática, desde janeiro, as empresas listadas na B3 perderam R$ 1,44 trilhão em valor de mercado, volume equivalente a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) previsto pelo governo neste ano, de R$ 7,1 trilhões. 

Analistas observam que havia um otimismo com a Bolsa que apenas os investidores brasileiros enxergavam, dada a debandada dos estrangeiros desde o ano passado. Em 2019, a saída de investidores não residentes foi recorde, somando R$ 44,6 bilhões. Neste ano, o movimento está quase o dobro, em menos de cinco meses, totalizando R$ 74,5 bilhões.

A queda da Selic (taxa básica de juros da economia) para os menores patamares da história (atualmente, em 3% ao ano) provocou rentabilidade negativa em aplicações de renda fixa, levando o investidor doméstico para a bolsa. Hoje, quem permanece está perdendo dinheiro ou é muito otimista: acha que as ações estão baratas e aposta em valorização no futuro.

Diante da piora no cenário econômico e político, especialistas dizem que 2020 será um ano desafiador para o investidor em ações. Os 400 mil novos aplicadores pessoa física que entraram na B3 em abril, totalizando 2,4 milhões, vão ver muito sobe e desce, devido às incertezas.

Fora da bolsa, as opções são poucas, e encontrá-las exige pesquisa e paciência. Quem apostou no ouro ou no câmbio teve ganhos expressivos neste ano, pois esses ativos tiveram valorizações superiores a 60% e a 40%, respectivamente, desde janeiro. Mas, comprar ouro ou dólar pode não ser uma opção fácil para o pequeno e o médio investidor.  “Fundos cambiais e de contratos  futuros de ouro podem ser uma opção”, diz Marcelo Mello, vice-presidente de Investimentos, Vida e Previdência da SulAmérica Investimentos.

O executivo explica que vender os ativos da bolsa nesse momento de alta volatilidade não é recomendável, porque o investidor vai realizar as perdas no ano. “É preciso analisar bem as ações e procurar oportunidades, porque elas existem. Empresas com receita vinculada ao câmbio, como exportadoras, estão sendo mais beneficiadas com o dólar perto de R$ 6 e estão se valorizando em taxas superiores à da queda da bolsa”, explica. Os papéis da Marfrig, do setor de carnes, subiram 40,9% desde janeiro. A mudança no comportamento de consumo das pessoas tem provocado alta também das ações de empresas de comércio eletrônico. Os papéis da B2W Digital se valorizaram 36,9%. 
 
ilustração de dados 

Garimpo
Analistas avaliam que, em busca desse tipo de oportunidade, o número de investidores na B3 continuará crescendo. “Mesmo com a queda acumulada no ano, a bolsa ganhou 400 mil novos investidores entre março e abril, o que mostra que o brasileiro está ganhando maturidade e aproveitando para comprar na baixa. Esse movimento reforça o fato de que a renda fixa não é mais um investimento atraente como no passado, ainda mais com o Banco Central sinalizando que fará uma nova redução da Selic, para 2,25%”, avalia Roberto Indech, estrategista-chefe da Clear Corretora.

Na renda fixa o garimpo de bons investimentos também é necessário. É possível encontrar taxas atraentes em Certificados de Depósito Bancário (CDBs) de bancos pequenos e rendendo até 140% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário), com rendimento acumulado em 12 meses de 5,2%. Apesar de bancos pequenos e médios serem mais arriscados, esse tipo de investimento tem o aval do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) que cobre aplicações de até R$ 250 mil por CPF.

Hoje, nem mesmo aplicação no Tesouro Direto está sendo rentável a curto prazo como no passado. Ricardo Rocha, professor de Finanças do Insper, lembra que a marcação a mercado tem deixado muito investidor de cabelo em pé, porque os valores de face têm diminuído.  Quem comprou em janeiro um título indexado ao IPCA com vencimento em 2035, por exemplo, perderia 16% do valor investido se fizesse o resgate hoje. “Os papéis longos estão com muita volatilidade e, para não ter prejuízo, não é o momento de o investidor se desfazer deles”, destaca Marcelo Mello, da SulAmérica.

Alexandre Espirito Santo, economista da Órama, garante que o Tesouro Direto ainda pode ser um bom investimento para quem pensa em investir a longo prazo, como para a aposentadoria. “É preciso pesquisar, mas tem CDB pagando 9% ao ano, algo que pode render até três vezes um título do Tesouro hoje. É necessário ajuda de um bom assessor financeiro para achar essas oportunidades”, afirma.

Analistas observam que é preciso considerar os custos desse tipo de aplicação, que tem taxas e Imposto de Renda, ao contrário da caderneta de poupança, o porto seguro do investidor conservador. Atualmente, a caderneta rende 70% da Selic, ou seja, 2,10% anuais, o que pode, no máximo, empatar com a inflação acumulada no ano. 

Mesmo assim, em abril, os aportes na poupança superaram as retiradas em R$ 30,45 bilhões, o maior volume série histórica do Banco Central. “Em momentos como este, o importante não é buscar o melhor retorno e, sim, proteger ao máximo o patrimônio. O país vai atravessar uma forte recessão, com queda de renda das famílias, desemprego elevado e quebra de empresas. O melhor é ficar em ativos lastreados em juros, como fundos de renda fixa, e na poupança, mesmo com rendimentos baixos”, afirma o economista Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

Fundos
Com a queda dos juros e a piora do cenário econômico, os fundos de renda fixa passaram a ter rendimento negativo, o que provocou uma debandada de R$ 120,8 bilhões da carteira em abril, conforme dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Fundos de ações também amargam perdas de dois dígitos no ano. Analistas afirmam que ainda existem fundos rentáveis, como multimercados, cambiais e indexados ao ouro.

Fabio Gallo, professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), alerta que fundos de investimento com taxas de administração acima de 0,3% ao ano não são vantajosos. Além disso, é preciso ficar atento ao prazo em que o dinheiro ficará aplicado, pois o Imposto de Renda chega a 22,5% em aplicações de até seis meses. A menor alíquota, de 15%, vale para investimentos superiores a dois anos.

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