Economia

Roberto Brant

"Nossa geração fracassou na tarefa de construir um grande país"

Correio Braziliense
postado em 25/05/2020 04:28




Um novo amanhã

Vivemos até agora na ilusão de que chegamos ao ápice do progresso tecnológico e do conhecimento científico. Afinal, conseguimos penetrar no infinitamente pequeno para decifrar o movimento das partículas subatômicas e no infinitamente grande para investigar a vastidão do cosmos. Mas a vida é elusiva. Quanto mais nos aproximamos dela mais ela nos foge para mais distante.

Nem todos os recursos da Terra têm sido suficientes para nos livrar da dor, do medo e da morte causados por um simples vírus. Sabemos agora que estamos longe de controlar a vida e dominar os seus mistérios. Até então esses vírus, como os da malária e da ebola, vitimavam periodicamente os pobres da Terra. Agora, os epicentros da crise sanitária são Nova York, Londres, Paris, São Paulo. A natureza mostrou, finalmente, que não cultiva preconceitos e que para ela todos os homens são realmente iguais.

O novo lugar-comum é que o mundo depois da pandemia será muito diferente. De fato, como nas guerras totais do século 20, as economias do mundo sairão muito desorganizadas. O desemprego e a queda nas rendas de quase toda a população vão reduzir severamente a demanda por bens e serviços. E do lado da oferta, muitas e muitas empresas deixarão de existir pelo longo hiato no seu funcionamento, por falta de faturamento e de liquidez para atender seus compromissos. As economias terão que ser reconstruídas, porque poucas estruturas empresariais sobreviverão.

Não seria exagero dizer que vamos ter que começar de novo, e uma nova distribuição de riqueza poderá se instalar no mundo. Até agora, alguns países eram ricos e outros pobres por causa das disparidades dos pontos de partida. A pandemia, com seu impacto sobre as economias, vai de um certo modo renivelar o campo de jogo, tornando a competição menos desigual. Quem fracassar vai ter que esperar muito tempo por nova oportunidade.

A pandemia vai causar danos terríveis à humanidade. Depois dela, o mundo terá que ser reconfigurado. Será um momento de reconstrução. Vamos tentar reconstruir tudo exatamente como era, ou vamos aproveitar para sonhar com uma vida um pouco diferente e um pouco melhor? Será que vivíamos até agora no melhor dos mundos?

Quanto ao Brasil, em especial, temos que reconhecer que a covid-19 vitimou um país já doente, cuja economia há 40 anos mal se arrastava em um crescimento medíocre e que desde 2014 vivia em estado de recessão. Nossa renda por habitante vem em declínio constante nos últimos anos, estando em 2020 em um nível menor do que em 2010. Além dos mais pobres, continuamos a ser um países mais desiguais do mundo.

Nada disso é por acaso. Erros de política, só agora reconhecidos, sujeitaram o país a juros reais desnecessariamente altos, que resultaram num endividamento público excessivo, sem nenhum proveito para a economia e para a população. O investimento público há muito desapareceu e o Estado vive apenas para pagar salários, aposentadorias e juros. Ao longo do século 21 tivemos uma sucessão de governos, embora eleitos, despreparados, populistas e irresponsáveis. As portas do futuro fecharam-se para nós.

Sobre as ruínas deste país malferido, quem sabe seja a hora para um novo pacto social que refunde nossa nação em outros termos. Um pacto que reavalie nossas instituições econômicas, que reforme radicalmente um sistema político que tantos danos já nos causou e que recrie um Estado que, grande ou pequeno, sirva a todos e não a uns poucos, e que tenha capacidade de liderar nosso crescimento econômico, como já fez outrora nos melhores momentos de nossa história.

Vamos escrever nova Constituição, com olhos voltados para o futuro, e não para o passado como a Constituição de 1988, em que se proíbam os privilégios, que todos tenhamos tanto deveres como direitos e que projete um Estado para investir no progresso e na justiça social.

Nossa geração fracassou na tarefa de construir um grande país. O dever que nos resta agora é confessar nossos erros e pedir aos que estão chegando que tenham a coragem de começar de novo.




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