Economia

Projeto propõe transformar o Bolsa Família em programa de renda mínima

O desafio é encontrar a fonte de recursos para o benefício ampliado, que pode custar R$ 200 bilhões por ano

Um dos assuntos mais frequentes durante as discussões a respeito do auxílio de R$ 600 pago aos trabalhadores informais é a possibilidade de manter os repasses mesmo depois do fim da pandemia do novo coronavírus. A ideia de garantir uma renda básica universal à população mais pobre não é nova e estava muito presente no programa Bolsa Família, que ganhou expressão nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O auxílio financeiro amplo é uma das bandeiras de décadas do ex-senador Eduardo Suplicy (PT), mas voltou à tona devido à crise social e econômica.

No Congresso, o assunto é tema de debates intensos no plenário, durante as votações, mas também de projetos de lei apresentados recentemente. Em geral, a ideia mais comentada é a de ampliar o programa Bolsa Família, para transformá-lo em um programa de renda mínima permanente. Em vez de abarcar 20% da população, poderia chegar a quase metade dela. Mas, com isso, o custo poderia ultrapassar R$ 200 bilhões por ano, de acordo com cálculos preliminares de técnicos legislativos.
O senador José Serra (PSDB-SP) sugeriu um projeto de lei nesse caminho, com base no Bolsa Família e no projeto do ex-senador Suplicy, que propõe a Lei de Renda Básica de Cidadania. A proposta é de que a renda básica seja paga a todos os brasileiros que não tenham emprego formal e cuja renda familiar mensal não ultrapasse meio salário mínimo por pessoa (R$ 522,50, este ano) ou dois salários mínimos por família (R$ 2.090).

“No período de cinco anos, o Bolsa Família e a renda básica que hora propomos devem ser unificados e transformarem-se em um único programa de transferência de renda, o que facilitaria a gestão do benefício e nos deixaria cada vez mais próximos de uma Renda Básica Universal, com condicionalidades”, explica o texto.

Usar o banco de dados e a estrutura já existentes, para Serra, facilitaria as transferências, porque o sistema “já conta com uma extensa capilaridade e com expertise”. Assim, as transferências poderiam ser feitas de forma “rápida, sem altos custos administrativos, como hoje é feito com o auxílio emergencial para segurar as pessoas contra a covid-19”, prossegue a proposta.

O auxílio seria custeado com a cobrança de tributo sobre a distribuição de lucros e dividendos de empresas para pessoa física. “A isenção se mostrou ao longo do tempo um mecanismo de privilégio tributário, em benefício de profissionais de altíssima renda por trás de pessoas jurídicas”, argumenta o senador. Ele propõe que a cobrança seja progressiva, maior para os que ganham mais, e não inferior a 15%. “Assim, é possível assegurar um amplo programa de seguro social sem afetar o déficit primário e o endividamento público”, justifica o projeto do senador tucano.

Outras propostas estão em estudo e devem ser avaliadas pelos parlamentares nos próximos meses. A Câmara pretende criar uma frente parlamentar em defesa da renda básica, para se debruçar sobre as propostas. Há ideias, por exemplo, de substituir o Bolsa Família, em vez de ampliá-lo. Mudar as diretrizes e começar do zero. Outros sugerem manter dois programas diferentes, sem mexer no Bolsa Família. Os valores também variam.

Cautela no governo

A manutenção do pagamento do auxílio emergencial chegou a ser comentada no governo, mas sem evoluir para alguma ideia de fixá-lo como benefício permanente ou migrar para um novo modelo. Em 12 de maio, o Ministério da Economia explicou, em nota pública, que “as despesas criadas neste momento de excepcionalidade não devem ser transformadas em permanentes para não comprometer a recuperação das contas públicas a partir de 2021 e nem a trajetória sustentável da dívida pública”.

O esclarecimento veio após o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, ter mencionado, em transmissão ao vivo, que o auxílio emergencial poderia ser mantido depois que a pandemia acabasse. A renda mínima ainda é discutida no ministério, mas deve ser encaminhada por lei, que indique uma fonte de custeio para bancar o gasto a mais.

Sem espaço no Orçamento, o governo precisaria cortar despesas em outras áreas ou determinar outra forma de conseguir a receita necessária para pagar o benefício. Em relação ao auxílio emergencial, a expectativa é de que o valor seja retirado de forma gradual, e, se for o caso, depois seria acrescentado ao Bolsa Família, se alguma proposta avançar nesse sentido.