Economia

Processos contra aéreas somam R$ 1 bilhão

Empresas dizem que enxurrada de ações judiciais movidas por sites especializados em nome de consumidores bloqueia investimentos e pode comprometer a recuperação do setor após a pandemia. Elas querem mudanças na legislação

Correio Braziliense
postado em 03/06/2020 04:13
Companhias alegam que Justiça concede compensações por dano moral mesmo quando voos atrasam por mau tempo


Depois que sites se especializaram em comprar ações judiciais de passageiros que sofreram atrasos em voos, o setor aéreo brasileiro teve uma enxurrada de judicialização, que pode se agravar por conta dos efeitos da pandemia do novo coronavírus, inviabilizando a operação no país. Segundo Dany Oliveira, diretor da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) no Brasil, os processos contra as companhias aéreas somam R$ 1 bilhão. “Uma empresa com esse valor estaria no ranking das maiores companhias do ramo”, afirmou, ontem, durante videoconferência promovida pela Airport Infra Expo para debater o impacto da covid-19 no transporte aéreo.

Os especialistas explicaram que, no país, a questão do dano moral é dada como ganho de causa ao consumidor, ainda que o atraso do voo tenha motivo em questões climáticas — portanto, de segurança, por exemplo. Na avaliação deles, isso é um desvio em relação às práticas internacionais e impede a maior concorrência entre empresas no Brasil, mesmo após a abertura do mercado para 100% de capital estrangeiro. Oliveira citou como exemplo uma companhia com presença em 67 países, que tinha mais de 85% das causas judiciais alocadas no país. “Essas empresas perguntam porque a judicialização maior é sempre no Brasil, porque o Judiciário brasileiro pune as companhias aéreas”, contou.

Segundo Oliveira, o dano moral, no Brasil, se tornou imoral. “Há um descolamento da normalidade. E não há segurança jurídica. Basta ver a batalha da franquia de bagagens: mesmo adotando as melhores práticas do mundo todo, querem revogar. Isso sempre volta, e é ruim para o país”, alertou. A interpretação do Judiciário sobre o tema acabou criando uma indústria de compra de ações judiciais. “Em 2018, havia, em média, 174 ações por dia contra empresas. De janeiro a junho de 2019, o número passou para 520 ações por dia”, revelou. “É preciso adotar o conceito de força maior para que o tsunami de judicialização não acabe com a indústria, porque o setor vai voltar sensível da pandemia. Temos que remover custos desnecessários”, defendeu.

Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), defende a aprovação da Medida Provisória nº 925, da aviação, em discussão no Congresso. “O relatório, deve ficar pronto nos próximos dias e pode incorporar o debate dos danos morais”, disse. Para exemplificar o nível de judicialização no país, Sanovicz lembrou de um caso de uma família que voou para Bariloche com objetivo de esquiar e ganhou uma ação contra a companhia porque não tinha neve quando chegou ao destino. 

Outro ponto relevante, segundo o presidente da Abear, é que o custo de voar no Brasil é mais alto, devido aos custos trabalhistas e regulatórios. “A Ryanair é a mais enxuta do mundo e teria 27% mais custos se voasse no Brasil. Por isso, as low costs não vieram para o país”, afirmou.

O diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Ricardo Catanant, destacou que o país teve uma modernização significativa, com concessões de aeroportos e alinhamento, em termos regulatórios, com o que se pratica no resto do mundo. “Porém, nossa regulação ainda impõe uma série de deveres, como assistência material, e o fato de as empresas proverem não tem refreado o ímpeto dos consumidores, que continuam indo ao Judiciário”, disse. “O país pode demorar mais tempo para retomar o crescimento e receber investimento no setor. Por isso, precisamos de mudanças legais que tragam mais segurança jurídica”, sustentou.

O advogado Ricardo Bernardi, sócio do escritório Bernardi e Schnapp explicou que o dano moral é a compensação por dor e sofrimento. No entanto, os tribunais concedem o dano moral, independentemente do dano efetivo, basta o atraso do voo, ressaltou. 

Conduta
Na opinião de Luciano Benetti Timm, secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) adotado no setor com a pandemia foi uma tentativa de prevenir o agravamento desta situação. O secretário se refere à remarcação gratuita e voos. “As aéreas resistiram muito. Porém, se todos os consumidores fossem exigir dinheiro, as companhias não teriam caixa. E se protegem, pedindo recuperação judicial”, afirmou.
Segundo Timm, mais de 2,5 milhões de consumidores se beneficiaram com o TAC. “Sempre fica a dúvida se as empresas ainda estarão lá, mas, certamente, não estariam se todos fossem a juízo. No Brasil, o TAC ajudou”, defendeu.

“É preciso adotar o conceito de força maior para que o tsunami de judicialização não acabe com a indústria, porque o setor vai voltar sensível da pandemia. Temos que remover custos desnecessários”
Dany de Oliveira,diretor da Iata no Brasil


Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags