Economia

Mudança de jurisprudência pode ocorrer, mas com fundada razão, diz Skaff

Para o professor da USP Fernando Facury Skaff, julgamento sobre indenização ao setor sucroalcooleiro não pode levar em conta apenas aspecto financeiro

Correio Braziliense
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postado em 10/06/2020 06:00
Fernando Facury SkaffToda a discussão processual em torno do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em curso, para mudar a fórmula de calcular indenização às usinas prejudicadas pelo tabelamento de preços em governos anteriores, é um embate entre Direito e Economia sobre a responsabilidade do Estado por intervenção no domínio econômico. A opinião é do advogado Fernando Facury Skaff, professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP). ;O debate é sobre um dano que ocorreu no século passado, que começou a ser julgado no início deste século e cuja jurisprudência pode ser alterada após 15 anos;, resume. ;Depois de 40 precedentes e diversos precatórios concedidos, é preciso fundada razão para troca de paradigmas;, argumenta.

Ao comentar a alegação da Advocacia-Geral da União (AGU), de que o custo para os cofres públicos com as indenizações das usinas do setor sucroalcooleiro pode chegar a R$ 70 bilhões, o professor sustenta que não se pode ;financeirizar; a jurisprudência da Suprema Corte. ;Se olharmos que cada processo vai implicar em não sei quantos milhões aos cofres públicos, acaba o Direito. Isso é uma preocupação econômica, mas não pode ser jurídica. Se houve lesão, deve ser indenizada. Não se pode ;financeirizar; a análise jurídica para afastar o risco;, defende.

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Skaff é didático ao explicar o erro cometido pelo governo ao congelar os preços do álcool e do açúcar nas décadas de 1980 e 1990. ;Naquela época, vários setores tiveram congelamento e problemas decorrentes disso. O governo entendeu que isso deveria ocorrer, todavia, em muitas situações, gerou prejuízo para empresas;, lembra. O especialista pontua que o Estado pode intervir, porém corre o risco de gerar prejuízo para os agentes econômicos. ;E foi o que ocorreu com o setor sucroenergético naquela época.;

Como a venda de açúcar e álcool deveria ser tabelada, o governo contratou uma empresa idônea ; a Fundação Getulio Vargas (FGV) ; para pesquisa de campo. ;A FGV verificou o custo de produção e a margem de lucro mínimo necessário. O que fez o governo? Pegou o valor apurado (hipotético) de 100 e disse: vou pagar 80. Isso ocorreu periodicamente durante muitos anos;, esclarece. Desde o primeiro caso que chegou ao STF, julgado em 2005, o precedente assentou posição de que houve dano e, tendo havido, deveria ser indenizado. ;Como deveria ser medido o dano? Pelos 20, que é a diferença dos 100 que deveria ter sido o valor fixado menos os 80, preço efetivamente tabelado. O que as empresas buscam são esses 20, essa diferença;, exemplifica.

Segundo o professor, o artigo 37 do parágrafo 6; da Constituição Federal estabelece que o Estado é obrigado a indenizar se causou dano e deve indenizar no tamanho do dano. ;É a relação de causa e efeito, sendo a causa o governo ter estabelecido o pagamento menor daquele que ele mesmo mandou apurar;, destaca.
Para o especialista, a jurisprudência, que já estabeleceu a fórmula de cálculo do dano, deve ser respeitada. ;Alguém poderia dizer que a FGV errou, contudo, foi contratada por mais de uma década. Se tivesse mesmo errado, não teria ficado tanto tempo;, pondera.

Skaff compartilha da opinião da ex-ministra da AGU Grace Mendonça, de que, se for feita uma revisão completa para o cálculo da indenização, a União poderá pagar mais. ;Se calcular lucros cessantes, danos emergentes e outras implicações, poderia gerar um impacto muito maior do que aquele que está sendo pedido;, alerta.

Ele sugere deslocar o setor e avaliar a situação de Vasp. A Viação Aérea São Paulo foi uma empresa de aviação comercial brasileira que deixou de operar em 2005 e teve sua falência decretada pela Justiça em 2008. ;Até há pouco tempo tinha aeronave da Vasp estacionada por aí. A empresa teve uma situação de congelamento de preços semelhantes. Será que seria correto indenizar todos os prejuízos? Poderia, mas não seria uma conta singela;, compara. ;Isso dá um pano de fundo para essa nossa questão entre econômico e jurídico, centrando a atenção neste processo, porque impacta no setor sucroalcooleiro hoje e no por vir, por conta da covid-19. Sem esse dinheiro, haverá mais dificuldade de sobrevivência das usinas;, afirma.

O professor ressalta que o risco de indenizar por meio de um procedimento contábil é individualizar o que seria macro. ;Será que a empresa teve lucro ou prejuízo, por repor seu capital adequadamente? Será que o parque industrial foi renovado? Se foi, a empresa, teria menos retorno, assim como aquelas que pagaram maiores salários para seus diretores;, pontua. ;Ou seja, é difícil identificar uma fórmula para cada empresa;, conclui.

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