Economia

Indústria de cana e etanol nunca esteve tão ameaçada, diz Evandro Gussi

Presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar alerta que setor não resistira a um "novo cavalo de pau" do governo

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 10/06/2020 06:00

Evandro GussiA cadeia produtiva sucroenergética superou diversas crises e intervenções ao longo das últimas décadas e se firmou como um grande ativo do Brasil, eficiente e sustentável. No entanto, não suportará um novo cavalo de pau do governo, alerta Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). O executivo se refere à nova investida da Advocacia-Geral da União (AGU) para mudar a fórmula de cálculo das indenizações devidas pela União às usinas por prejuízos causados com o tabelamento de preços nas décadas de 1980 e 1990.

Gussi conta a trajetória do setor, para destacar sua resiliência. Criado a partir de uma posição política e estratégica, com a crise do petróleo em 1973, o Pró-Álcool foi o pontapé inicial para mitigar a dependência dos combustíveis fósseis. ;Naquela ocasião, precisava da tutela estatal para a produção, mas o setor produtivo respondeu bem. No momento seguinte, o Estado passa a ter o temor da escalada inflacionária e começa a cercear a liberdade e a controlar os preços;, conta.

[VIDEO1]

Apesar das dificuldades, hoje, a produção é orientada pelo mercado. ;Nesse caminho, descobrimos externalidades muito importantes para o setor. Não se imaginava que seria tão bom e competente em relação ao meio ambiente;, destaca. Segundo ele, o etanol combustível é garantia para a qualidade do ar. ;Nova Delhi, capital da Índia, tem um índice médio de material particulado de 190 micrograma por metro cúbico (m;) de ar. A OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que não passe de 25 por m;. Em São Paulo, são 16 microgramas por m; e a razão determinante é a utilização do etanol, seja o puro, seja o misturado na gasolina;, detalha.

A atual crise, que Gussi chama de ;tempestade perfeita;, não é a primeira do século 21. ;O governo Dilma, com várias intervenções que seguraram o preço da gasolina artificialmente, destruiu a competitividade do etanol. Quase uma centena de usina fechou e outra centena foi para recuperação judicial;, recorda. Mesmo assim, o setor se reconstruiu e apostava em 2020, com a entrada do Renovabio, programa que redobrou a aposta brasileira na energia renovável e na qualidade do ar.

A segunda turbulência do século foi a pandemia do novo coronavírus, associada a um controle de preços do petróleo feito no início do ano pelos maiores produtores de petróleo do mundo, a Arábia Saudita e a Rússia. ;A combinação de retração da demanda com preço em queda é perigosa para o setor. Mas as usinas buscam um nível fortíssimo de eficiência. É um ano desafiador;, ressalta o presidente da Unica. Sobretudo, acrescenta ele, porque o setor pode ser vítima de uma ;transformação de jurisprudência com terríveis efeitos para o mundo econômico e jurídico;.

Para o executivo, a segurança institucional é mais importante para o avanço tecnológico. ;Não há evolução onde as premissas jurídicas não são respeitadas;, sustenta. Gussi assinala que os empresários, num cenário de imprevisibilidade, param de tomar decisões ou, quando tomam, são para reduzir custos. Por isso, o novo julgamento em curso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) leva a uma insegurança jurídica que trava investimentos.

Intervenções

No mundo ideal, Gussi destaca que o governo teria de parar de intervir na gasolina e o STF deveria garantir previsibilidade para causas que estão há 30 anos na Justiça. ;Precatórios já foram concedidos e ações, julgadas por um critério. Se mudar a jurisprudência, teremos usinas que foram resguardadas pelo STF e outras que não serão;, afirma.

A prática de dois pesos duas medidas é assustadora, segundo Gussi. ;O governo é um só. Desde 1922, é o mesmo Estado brasileiro. Aquele que dizia quanto era meu custo agora diz que esse não é mais o jogo, que terá de verificar de novo. O setor não pode suportar mais um cavalo de pau do governo brasileiro;, reitera.

Gussi lembra as premissas de previsibilidade e imparcialidade do Judiciário inglês, exaltadas por Joaquim Nabuco (político, diplomata, historiador, jurista, orador e jornalista brasileiro que viveu entre 1849 e 1910). ;O que chamava sua atenção era que a liberdade dos ingleses naquela época valiam tanto para o marquês e o duque quanto para o mais simples criado. Liberdade garantida por um Poder Judiciário justo;, pontua. ;Se mudarem a jurisprudência do STF, teremos duas classes de cidadãos, uma coisa impensável no Estado de Direito, que faria Joaquim Nabuco se revirar no túmulo;, completa.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação