As prisões do ex-PM Fabrício Queiroz, velho operador financeiro da família Bolsonaro, e de extremistas bolsonaristas em Brasília, além da busca, apreensão e quebra dos sigilos de parlamentares da tropa de choque do governo a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e autorizadas pelo STF, terão desdobramentos sobre a política e a economia, que já vinha debilitada antes da pandemia.
Nada tão farsesco quanto um presidente alçado pela criminalização da política pela Lava-Jato e com apoiadores extremados que se veem numa cruzada moralista e antissistema mendigando apoio de partidos sedentos por orçamentos bilionários de órgãos que fazem licitações e negociam com fornecedores privados e prestadores de serviços.
Tais eventos desencadeiam duas tendências que já estão à vista.
A primeira vem da demonstração do destemor do sistema de justiça, com vanguarda do STF, diante das provocações de militantes radicais acobertados por frações das corporações fardadas. O STF pagou para ver a força da extrema-direita ao acolher o inquérito das fake news e autorizar a PGR a investigar os atos antidemocráticos.
Com a composição renovada por ministros do STF menos propensos a arrepiar diante de governantes bocas duras e de ataques virtuais, o Tribunal Superior Eleitoral também deve tratar sem condescendência a suspeita de que a chapa Bolsonaro-Mourão recebeu fundos ocultos que bancaram a propagação de robôs de fake news na eleição de 2018.
Tais movimentos inquietam o presidente, já que mobilizam setores majoritários que estavam entorpecidos, mas não acuados, tanto pelo isolamento devido à pandemia quanto pela falta de líderes dispostos ao contraponto e a indicar soluções inovadoras ao país.
Essa é a segunda tendência em curso. A exaustão do repertório de bravatas de Bolsonaro para desviar atenções força o governo a não se poder esquivar das mazelas da saúde pública e da economia estagnada desde a recessão de 2015 a 2016; e outra vez andando para trás com o isolamento social para mitigar a pandemia da covid-19.
Tais crises superpõem-se às do governo atarantado pelo tamanho do desafio da regressão da economia, paralisado pelo vírus, que julgou sem gravidade, e assombrado pelas suas relações do passado.
Fantasmas do bolsonarismo
Os fantasmas do bolsonarismo ganharam vida ao se verem desafiados pela truculência das gangues virtuais e por manifestações de rua com mais carros do que gente. Ambas vêm sendo abafadas pelo crescimento da frente de oposição que se forma à margem dos partidos.
Este embate entre conservadores alinhados a Bolsonaro, mas de fato reacionários, e a direita moderada e a esquerda não marxista não estava imposto como prioridade, nem o combate à corrupção, pois decorrentes das distorções do sistema de governança do Estado.
Onde não há plano, projeto e senso de missão, que no caso do setor público sempre será o do interesse nacional e o dos mais fracos, as corporações de Estado se aboletam, aliam-se a grupos retrógrados da economia e perseguem todos que lhes ameacem.
Tais projetos, se estressados, ameaçam a democracia representativa e estagnam a economia, ao sugar-lhe seus recursos a ponto de não mais restar a aliança entre interesses público e privado. É o que o projeto pretensamente liberal tenta romper, dando primazia à iniciativa privada, enquanto arruína em vez de corrigir a função do Estado na organização das políticas sociais e de desenvolvimento.
Uma governança impossível
A reforma da governança pública é urgente e necessária. Sem ela, hierarquias ficam comprometidas, órgãos de segundo e terceiro níveis conquistam autonomia no grito, os processos de gestão exigem controles draconianos contra desvios de função, dinheiros sociais escoam sem prioridades, a corrupção instala-se etc.
As agências regulatórias, por exemplo, foram criadas para dar mais segurança aos negócios privados e aos grupos que gerem concessões e monopólios ou oligopólios privatizados. Desde que Lula se insurgiu contra a agência do petróleo em 2003, viraram apêndices ministeriais, sem autonomia orçamentária e diretiva.
É virtualmente impossível administrar o Estado brasileiro, além de submetido a um processo orçamentário viciado, ao impor percentuais da receita para certas atividades e direcionar gastos por força de lei, de forma que menos de 8% do dinheiro têm livre destinação.
País reclama por novas ideias
O que chamam de reformas estruturais não passam de gambiarras para conter a caneta dos políticos, não a dos governantes eleitos graças a lobbies estatais, como Bolsonaro, representante dos interesses de corporações armadas. No fim, ninguém com nacos de poder abre mão de nada, fazendo minguar o investimento público, hoje de pífio 1,8% do PIB, o menor desde 1947, contra quase 5% em 2010, e, agora, também as linhas de proteção social. É fim de linha desfalcar a pobreza.
A política fiscal está travada pelo teto de gasto (só pode crescer pela inflação do exercício anterior). A carga tributária é a maior entre países com renda assemelhada. O deficit primário, que exclui o ônus da dívida pública, carimba o orçamento anual desde 2014 e se estenderá pelos próximos 12 anos, segundo estudo do Senado.
Quanto ao saldo nominal, que inclui a conta de juros, nunca houve superavit. Este ano deve atingir 16% do PIB, recorde entre as 42 maiores economias. Para quê? Por quê? Certamente, para vitaminar a economia e o social é que não foi.
Esses são os temas relevantes para o país, não o papel do Queiroz nas investigações que assombram os Bolsonaro, fake news da choldra extremista, demissão de ministro despreparado da Educação, e assim vão os horrores. O país reclama por novas ideias. Quem se habilita?
Agenda da criatividade
A decisão que importa para a volta do crescimento sem peia passa ao largo de Bolsonaro, pois ausente dos grandes temas nacionais. A agenda reformista continua imperiosa. Depende de quais reformas.
Com as de Paulo Guedes, o que se avista é uma longa estagnação em seguida à profunda recessão deste ano. Com criatividade, combinando execução fiscal com monetária e assumindo-se o cenário do Fed (taxa nominal zerada até 2022 e a de longo prazo em 0,5%), pode-se pensar num fundo público com gestão privada para mover a infraestrutura.
As cartas são estas. Ou fiscalismo e ortodoxia ou um quantitative easing modelado e modulado à situação do Brasil. E chega de crise!
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