Correio Braziliense
postado em 22/06/2020 04:03
Com a crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus, muitos beneficiários do programa habitacional do governo federal Minha Casa Minha Vida (MCMV) não estão conseguindo pagar as prestações dos seus imóveis financiados. Sobretudo, integrantes de Faixa 1, de menor renda, que são os mais afetados pelo desemprego ou pela impossibilidade de manter o trabalho informal. Apesar de algumas medidas de postergação do pagamento estarem em curso e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter recomendado cautela aos juízes ao julgarem ações de despejo durante a pandemia, ainda não há uma lei de proteção específica para essa camada mais necessitada da população.
Vários projetos de lei (PLs) tramitam no Congresso Nacional, mas nem sequer estão na pauta de votação. Além disso, a crise freou as negociações para tentar reduzir os juros do programa para as outras faixas, que se situam entre 5% e 7% ao ano, em um cenário no qual a taxa básica da economia, a Selic, está em 2,25% anuais. Bandeira dos governos petistas, o MCMV estava para ganhar outro nome e sofrer alterações, que foram postergadas em virtude desse embate entre Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e a Caixa Econômica Federal sobre os juros.
Segundo o advogado João Augusto Basilio, sócio do escritório Basilio Advogados e especialista em Direito Imobiliário, não há lei específica para garantir proteção aos inadimplentes do MCMV. “O governo precisa se preocupar em regular essa questão, porque são muitas pessoas envolvidas. A tentativa que se fez foi genérica, na Lei Emergencial, mais voltada para o Direito privado do que para o público. O Congresso tentou suspender o despejo, o presidente Jair Bolsonaro vetou”, diz.
Basilio lembra que a recomendação do CNJ não tem força de lei e deixa a cargo da interpretação de cada juiz e pode aumentar a judicialização, emperrando mais o Poder Judiciário. Para ele, o que os legisladores deveriam propor é uma paralisação momentânea do pagamento, com uma dilatação e um parlemamento mais longo.
Principal financiadora do MCMV, a Caixa informa que disponibiliza a possibilidade de pausa de 120 dias no pagamento das parcelas do financiamento habitacional, que pode ser solicitada por clientes com contrato adimplente, ou com até dois encargos em atraso. “É possível ainda o pedido de pausa no pagamento para os contratos com atraso entre 61 e 180 dias, através do aplicativo Habitação Caixa. Até o momento foram registrados cerca de 2,3 milhões de pedidos de pausa em financiamentos habitacionais”, esclarece, em nota. Basilio considera a medida da Caixa “louvável, porque tem capacidade financeira para suportar isso”. “Mas a decisão é pontual de cada banco. Com certeza, sem uma lei, as financiadoras e construtoras menores vão ter problema e podem ficar pelo caminho”, alerta.
Morde e assopra
Autor de um dos PLs sobre o tema, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) explica que o governo permitiu postergação de pagamento nos contratos do MCMV, à exceção da Faixa 1 (veja detalhes no quadro). “Isso porque este governo tem a filosofia de que tudo que dá tem de tirar. No caso da Faixa 1, financiada com recursos do Tesouro Nacional, a alegação é de que, como os beneficiários recebem abono salarial e auxílios, não precisariam da suspensão do pagamento”, critica. Ele propôs a suspensão do pagamento por quatro meses para todas as faixas e pretende pedir para pautarem o projeto nesta semana. O parlamentar lembra que o deficit habitacional do país ronda 6 milhões de moradias. “Não dá para permitir risco de despejo. Além disso, o governo deu uma esvaziada no programa”, lamenta.
O presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi), Eduardo Aroeira, revela que o setor está aguardando alterações no MCMV, com eventual redução na taxa de juros e formatos que possibilitem maior volume de financiamento. “O nome vai mudar para algo como Casa Verde Amarela, mas a ideia é manter a característica social e incluir a locação social”, assinala.
Aroeira ressalta que a Faixa 1 já tem inadimplência alta. “Não geram tanto prejuízo porque as prestações são baixas e o financiamento é a fundo perdido. Não tem nem mais oferta, mas há muita gente com esses contratos”, afirma. Nos empréstimos financiados pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o presidente da Ademi destaca que iniciativa da Caixa, que permitiu, aos beneficiários das Faixas 1,5, 2 e 3, pausarem o pagamento por 90 dias. “A tendência é de que prorrogue por mais tempo”, aposta.
O MFR informa que, em 2020, até o momento, “autorizou a transferência de R$ 950 milhões do Orçamento para garantir a execução do programa de habitação popular. A maior parte dos recursos, R$ 682 milhões, foi destinada à continuidade das obras de 292 mil moradias para atender às famílias da Faixa 1, com renda mensal inferior a R$ 1,8 mil”.
De acordo com a pasta, também foram entregues 105 mil residências para beneficiários do programa até abril, sendo que 16 mil unidades “foram destinadas às famílias que mais precisam”. Na semana passada, o ministro Rogério Marinho visitou um terreno que abrigará “um projeto-piloto” de moradias, como parte do novo programa.
O atraso no anúncio é resultado do embate entre MDR e Caixa que dura dois meses. Para abrir espaço no orçamento do FGTS e anunciar mais 150 mil unidades, a pasta defende reduzir os juros dos contratos, além de mexer na taxa de remuneração do banco.
Setor da construção civil está apreensivo
Os setores de construção civil e do mercado imobiliário apostam que serão fundamentais para a retomada da economia no pós-pandemia. Por injetarem recursos e gerarem empregos, rapidamente, para mão de obra sem qualificação, têm potencial de absorver parte dos desempregados e fazer a roda do consumo girar. Contudo, temem que os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, de proteção aos inadimplentes, tirem a capacidade de investimento no setor.
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), diz que a Caixa fez as contas e viu que podia dar uma carência para pagamento. “Não concordamos com os projetos que estão no Congresso, porque não fazem essas contas. Não levam em consideração a perda de capacidade de investimento”, sustenta.
Como a maior parte do crédito imobiliário do Minha Casa Minha Vida (MCMV) é financiado pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a permissão de saques extras, nos últimos anos, está “sangrando o fundo”, alerta Martins. “Não vai ter dinheiro para tocar as obras. Não é assim, tem que fazer conta”, reitera. Ele lembra que muitos beneficiários do MCMV são funcionários públicos, uma vez que há faixas para rendas de R$ 4 mil e R$ 9 mil.
O presidente Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi), Eduardo Aroeira, afirma que as liberações de recursos estão estáveis há anos. “O orçamento anual não muda, ou seja, a população cresce, o deficit habitacional aumenta, e não se consegue elevar a habitação de interesse social”, diz. Alguns estados, como Goiás, já consumiram o orçamento do FGTS do MCMV e não conseguem mais financiar projetos. “No Distrito Federal, não falta. Mas, como é uma obrigação legal, é feita uma redistribuição quando isso ocorre”, explica.
A falta de recursos desaquece o setor, acrescenta Aroeira. “Com pouco dinheiro, há menos geração de riqueza e de emprego. A crise é capaz de sensibilizar o governo da importância do setor da construção civil para a retomada da economia”, completa. (SK)
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