Economia

BC tenta destravar o crédito para pequenas e médias empresas

As medidas divulgadas têm o potencial de liberar até R$ 272 bilhões para os bancos e direcionam a maior parte desse recurso para os pequenos negócios

Correio Braziliense
postado em 24/06/2020 06:00

De acordo com Roberto Campos Neto, a maior parte das medidas tem como objetivo alcançar as empresas de menor porteO Banco Central (BC) anunciou ontem mais um pacote de medidas emergenciais para tentar destravar o acesso ao crédito das micro, pequenas e médias empresas. Segundo os dados do governo, desde o início da pandemia do novo coronavírus, os bancos já liberaram R$ 533 bilhões em novas operações de crédito para empresas e famílias. No entanto, mais da metade desse valor (R$ 274 bilhões) ficou com as grandes empresas.


As medidas divulgadas ontem têm o potencial de liberar até R$ 272 bilhões para os bancos e direcionam a maior parte desse recurso para os pequenos negócios. Nas contas da autoridade monetária, mais de R$ 1,2 trilhão já havia sido liberado aos bancos pela autoridade monetária no início da pandemia. Porém, nas últimas semanas, milhares de pequenas e médias empresas relataram dificuldades para acessar esses recursos.

“O BC entende que as primeiras medidas serviram para manter o crédito crescendo. Mas também entende que boa parte dos recursos foram para empresas grandes. Então, a maior parte das medidas que serão anunciadas hoje é direcionada, sobretudo, para as pequenas e médias empresas”, afirmou o presidente da instituição, Roberto Campos Neto.

Uma única medida do pacote anunciado ontem promete liberar até R$ 127 bilhões de capital para os bancos emprestarem ao setor produtivo até o fim do ano. Campos Neto explicou que a ideia é “otimizar o uso de capital”. Por isso, o BC vai permitir que os bancos reduzam o nível de provisões, desde que emprestem pelo menos 50% desses recursos às empresas que faturam até R$ 100 milhões por ano.


Ainda seguindo essa lógica, os bancos foram autorizados a direcionarem até R$ 55,8 bilhões dos recolhimentos compulsórios sobre depósitos de poupança — recursos que hoje ficam parados no BC — para o financiamento do capital de giro das empresas que faturam até R$ 50 milhões por ano. A autoridade monetária ainda determinou que essas duas operações sejam oferecidas com condições vantajosas para os pequenos negócios, com uma carência de seis meses, por exemplo.

 

Outras duas medidas também foram lançadas com o intuito de ampliar em até R$ 29,2 bilhões os recursos disponíveis para empréstimos nas cooperativas de crédito e nas instituições financeiras de pequeno porte, que, nesse momento de pandemia, se mostraram mais próximas dos pequenos negócios do que os grandes bancos. Outros R$ 60 bilhões desse novo pacote de crédito também não passam pelas grandes empresas, pois ataca o crédito imobiliário com foco nas pessoas físicas (veja abaixo).


Roberto Campos Neto destacou que o papel da autoridade monetária é injetar liquidez e garantir o capital do sistema financeiro nacional. Transformar esses recursos efetivamente em crédito, no entanto, é tarefados bancos, disse.


O presidente do BC garantiu que a novas medidas têm potencial para chegar na ponta de forma mais rápida que as que foram anunciadas no início da pandemia. Ele assegurou, ainda, que, se o pacote anunciado ontem não funcionar, o BC está disposto a pensar em mais medidas emergenciais.


“Agora, o desafio é colocar as medidas todas para rodar, mas também já pensando nas próximas. Vamos ser incansáveis nessa luta. Sabemos que a crise é muito profunda. E uma crise nunca antes vista exige um esforço nunca antes feito”, afirmou Campos Neto.

Avaliação
Especialistas reconhecem que a crise pode exigir mais do Estado no que diz respeito ao crédito. Pesquisa divulgada ontem pelo Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGVCemif) avalia que a necessidade de financiamento das micro e pequenas empresas brasileiras pode chegar a R$ 472 bilhões na pandemia. O valor é 75% maior que o demandado por esses negócios no mesmo período do ano passado e, aparentemente, ainda não cabe no valor anunciado ontem pelo BC.


“As medidas incentivam os bancos a atuarem mais nesse mercado. Mas, em condições normais, esse segmento já tem dificuldade de acesso ao crédito. Não é agora, em uma crise, que os bancos vão fazer o que não fazem”, afirmou o coordenador do FGVCemif, Lauro Gonzalez. “Ao liberar compulsórios e reduzir provisões, o BC libera recursos para os bancos. Mas o problema não é esse. Os bancos estão cheios de dinheiro, mas emprestam de forma seletiva porque o risco de inadimplência está alto. Eles não sabem se essas empresas estarão vivas daqui a seis meses para pagar os empréstimos”, acrescentou o diretor da Anefac, Miguel Oliveira.

 

Bancos querem garantias

Os bancos brasileiros estão dispostos a intensificar a oferta de crédito e a renegociação de dívidas para fazer frente à crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. Porém, esperam que o governo federal também faça a sua parte, sobretudo com medias que aumentem a garantia das operações para que os recursos de fato cheguem a todos que precisam.

Ao abrir ontem o congresso de tecnologia da informação do setor financeiro,  promovido anualmente pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o presidente da entidade, Isaac Sidney, disse que o setor financeiro já emprestou mais de R$ 1 trilhão para empresas e famílias desde o início da pandemia da covid-19. Mas disse entender quando alguns setores da sociedade reclamam que está difícil obter crédito. “O setor agiu rápido. Mas muita coisa trava diante da burocracia estatal de décadas, com processos morosos que não combinam com a urgência da demanda atual", afirmou. 

“O momento, por parte do Estado, é de simplificação das regras, de menor burocracia, de flexibilidade e de assunção do risco de crédito de quem foi mais atingido pela crise. E, do lado do setor bancário, de solidariedade com as pessoas, de renovação do compromisso com os seus clientes, mas também de responsabilidade com o crédito”, acrescentou.


O presidente do BTG Pactual, Roberto Sallouti, reforçou que é preciso dividir responsabilidades, já que os bancos querem emprestar, mas também precisam cuidar dos recursos dos seus clientes num momento em que a pandemia ameaça o emprego e a capacidade de pagamento das pessoas.


“As estatísticas mostram que o crédito cresceu nos últimos meses. Mas a demanda cresceu muito mais. Então, fica esse sentimento de que os bancos não estão entregando. Mas os bancos têm o compromisso duplo de proteger seus depositantes e oferecer crédito. E, na missão de proteger seus depositantes, têm que fazer a avaliação de risco de crédito”, reforçou.


Sallouti afirmou que novas medidas do governo podem ajudar os bancos a equilibrar a oferta de crédito com o risco de inadimplência e a falta de garantias oferecida por clientes como as micro e pequenas empresas, que têm tido dificuldades de se financiar. “Ficou mais difícil para os autônomos e para as pequenas e médias empresas. E aí não tem jeito. Você vê em todo o mundo que quem tem que vir dar um apoio é o governo. Mesmo governos liberais como o de Guedes entendem que, em um momento de risco como esse, quem pode apoiar é o governo", destacou o presidente do BTG. (MB)

 

Copom insiste em reformas

A ata do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, divulgada ontem, reforçou a necessidade das reformas estruturais e de ajuste fiscal para assegurar a retomada da economia e evitar aumentos na taxa básica de juros (Selic). Na semana passada, o Copom reduziu a Selic para 2,25% ao ano, novo piso histórico. A ata mostra que a autoridade monetária deixou a porta aberta para corte “residual” e, ao mesmo, informou que retomou a discussão sobre um potencial “limite efetivo mínimo” para os juros, uma vez que a atividade não está reagindo, apesar dos oito cortes consecutivos na Selic desde julho de 2019.

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