Economia

Mansueto reforça necessidade de governo e Congresso retomarem reformas

Secretário do Tesouro Nacional, em vídeoconferência para investidores estrangeiros, reforçou necessidade de continuidade de ajuste fiscal e considera a reforma tributária uma prioridade

O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, reforçou a necessidade de o governo e o Congresso entrarem um acordo para não abandonarem a agenda de reformas, mesmo com a crise da covid-19, pois o espaço favorável de juros baixos enquanto os gastos emergenciais no combate à pandemia são crescentes é curto e ele não pode ser perdido. 

“Não podemos perder essa janela de oportunidade de juros baixos para aprovar reformas”, defendeu Mansueto nesta sexta-feira (03/07), durante videoconferência realizada pelo Itaú BBA para investidores estrangeiros mediada pelo economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita.

“Temos uma janela de até dois anos com juros baixos e um período de liquidez elevada no mundo. Ela janela pode ser curta ou longa, dependendo que o governo fará nesse período”, destacou. O economista lembrou que, sem uma sinalização de que o governo continuará comprometido com essa agenda de reformas, sem desviar do compromisso de dar continuidade ao ajuste fiscal que foi iniciado em 2016, durante o governo Michel Temer, com a aprovação da emenda constitucional do teto de gastos e com a largada no debate da reforma da Previdência. A consequência dessas medidas na direção do ajuste fiscal recuperou a confiança do mercado sobre a capacidade de o governo controlar as despesas, foi possível ser iniciado um processo de queda na Selic (taxa básica de juros), que passou de 14,25%,naquela época, para 2,25% ao ano, um patamar impensável há cinco anos, de acordo com o secretário. 

O maior risco nesse caminho, na avaliação de Mansueto, é se Executivo e Legislativo resolverem pegar “atalhos” para impulsionar o crescimento via aumento de gasto público para além do que estiver circunscrito às medidas emergenciais de  2020. Para este ano, devido a aprovação do estado de calamidade e do orçamento de guerra, o governo federal tem autorização para as despesas emergenciais até o fim deste ano, mas, a partir do ano que vem, criar novos programas pode pressionar o Orçamento, que é engessado e tem apenas 6% de espaço para o Congresso interferir sobre o destino dos gastos. 

“É preciso ser muito cuidadoso sobre o que for aprovado nos próximos anos para não cometermos os erros do passado. Não há mágica para fazer o PIB crescer. É preciso continuar a fazer a lição de casa iniciada em 2016”, afirmou. Ele reforçou que o Ministério da Economia continua comprometido na manutenção do teto de gastos. 

Na avaliação de Mansueto, essa agenda reformista precisa ser consensual entre Executivo e Legislativo em busca de aperfeiçoar a qualidade do gasto público antes de aprofundar o debate sobre um novo programa de assistência social. Ele lembrou que as medidas emergenciais no combate à crise provocada pela pandemia ampliaram os gastos públicos em R$ 521,3 bilhões, o equivalente a 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse aumento de despesas deverá resultar em um deficit primário do governo central passe de 9,9% para 11,5% do PIB, conforme os dados do Ministério da Economia divulgados ontem, e a necessidade de financiamento do governo federal, que inclui a conta de juros, alcance 16% do PIB.

Apesar de admitir que a dívida pública bruta pode ultrapassar 100% do PIB, ele lembrou que, como 60% dos títulos públicos no mercado estarem indexados à Selic, que está no menor patamar da história, o que deixa o Tesouro em uma situação mais confortável nesse período de aumento de gastos e do rombo das contas públicas.

O Tesouro vem utilizando o colchão de liquidez para compensar os aumentos nas despesas, sacando da conta única e também fazendo emissões de títulos públicos de prazos mais curtos, o que se refletindo no crescimento do volume de operações compromissadas (de prazos curtíssimos de até nove meses) realizadas pelo Banco Central nos últimos meses e que já representam mais de 18% do PIB. De acordo com Mansueto, a venda de reservas internacionais pelo Banco Central poderá ajudar a reduzir a trajetória de crescimento da dívida pública.

Prioridade

Ao ser questionado por Mesquita o que ele considera como prioridade para o governo no momento, Mansueto respondeu que é a reforma tributária. Ele, inclusive, adiantou que, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vai finalmente enviar a proposta do Executivo "em agosto". “O debate que tem que ser mantido sobre a mesa é o da reforma tributária. É uma das agendas principais. Mas buscar melhorar a qualidade do gasto e não apenas em aumentar despesas com novos programas também é importante”, afirmou.

Mansueto lembrou que, enquanto o debate sobre ampliação das políticas sociais ganha força, é preciso lembrar que a carga tributária já é elevada e não há espaço para aumentar impostos. Portanto, uma discussão sobre reforma no sistema tributário precisa ser mais profunda mas não esquecendo de atacar a composição das despesas públicas que serão o destino da arrecadação. “O debate certo no Brasil, se é buscar mudar a composição das políticas sociais, é preciso focar em problemas que melhorem a qualidade do gasto e tenham impacto na distribuição de impostos mais equilibrada”, destacou.

Também participaram da videoconferência subsecretário do Tesouro José Franco Medeiros, responsável pelo gerenciamento da dívida pública, e o diretor de programas da pasta Bruno Funchal, que foi escolhido pelo ministro Guedes para substituir Mansueto, que fica no cargo até dia 15.

Funchal falou pouco, mas procurou reforçar o discurso do atual secretário sobre o compromisso do governo em não desviar do caminho do ajuste fiscal e da promessa de não mexer na Constituição para flexibilizar o teto de gastos, que é um dos pilares na confiança do mercado para continuar comprando títulos públicos e, assim, financiar a dívida pública.

“É preciso direcionar o debate para a direção correta. O déficit das contas públicas cresceu neste ano,mas é preciso manter a agenda de reformas, principalmente, a tributária e de ajuste fiscal.. Essas são as duas prioridades e, nesse sentido, precisamos aprofundar o debate sobre melhorar a qualidade dos gastos e não apenas aumentar o número de programas sociais.E devemos continuar esse trabalho” afirmou o futuro secretário do Tesouro.

Novas projeções

Ontem, o Tesouro divulgou as novas projeções para o deficit primário do governo central, R$ 795,6 bilhões, considerando a previsão o mercado de retração de 6,5% no PIB. Com isso, passou a prever que a dívida pública bruta de 98,2% do PIB no fim de 2020. Nos anos seguintes, a dívida ficaria mais ou menos estável, chegando a 98,6% do PIB, em 2024, quando começaria a cair até chegar em 92,2%, em 2029. Nesse cenário, o deficit primário seria zerado em 2025. Em uma estimativa de queda de 8,5% do PIB, a dívida bruta saltaria para 100,6% neste ano.

Na avaliação do especialista em contas públicas Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), o cenário traçado pelo governo é "extremamente otimista". "O último ano de deficit primário parece ser 2024, mas, no nosso cenário base, o deficit persiste até 2030, pelo menos", disse. Ele criticou o fato de o governo não ter divulgado também as projeções de receitas e de despesas. Pelas projeções da IFI, a dívida pública bruta não se estabiliza nos próximos anos e vai crescendo até 2030. “A  dívida já passa de 100% do PIB, em 2022 no nosso cenário e chega a 117% do PIB em 2030. Isso no cenário básico”, acrescentou Salto.