Economia

Brasil S/A

Correio Braziliense
postado em 05/07/2020 04:05
O Brasil se descobre

O governo de Jair Bolsonaro se distingue por ora menos pelas suas realizações do que pelas polêmicas que cria, mas são elas que tendem a ser a síntese de sua obra — muito calor com pouco resultado, mais o benefício de aclarar o que era dúbio para uma minoria na sociedade.

Ao forçar a discussão sobre o que dispõe a Constituição, tal como a independência com harmonia do Executivo, do Congresso e do STF, ele se enfraqueceu. E isolou, até entre seus apoiadores, os grupos que pregam intervenção militar, além dos generais que levou para o governo representando ambições pessoais, não as Forças Armadas.

Foi salutar, pois se dúvida havia sobre o legalismo e a subordinação das Forças Armadas à Constituição depois da ditadura militar, ela se dissipou. O governo não é fardado. O resto é ilusão de radicais.

A Federação também sai fortalecida depois que Bolsonaro aprovou, em março, no Congresso, o decreto de calamidade pública e tentou com ele impor a estados e municípios protocolos de segurança sanitária, sem respeitar a autonomia dos entes regionais. O STF teve que intervir e esclarecer que competem aos governos regionais ações de lockdown econômico e de isolamento social, cabendo ao governo federal propor ao Congresso medidas gerais e ajudar o sistema público de saúde.

O presidente nunca absorveu tais autonomias constitucionais, mas a razão é mais oportunista do que ideológica. Ao transferir a prefeitos e governadores os ônus da pandemia, é como procurasse isentar-se de responsabilidades pela recessão e pelo desemprego devidos às medidas de distanciamento social. E isso também por aceitar, ou julgar-se sem condições de contrariar, o fiscalismo de antanho de seu ministro da Economia, Paulo Guedes. Vem daí o trade-off entre vida ou emprego.

Se, historicamente, mais da metade da força de trabalho ocupada está empregada em atividades informais ou sobrevive como empreendedor individual, programas tipo seguro-desemprego não funcionam, já que são exclusivos ao trabalhador com carteira assinada. Idem aos programas para micros e pequenas empresas, com o agravante de que até as que têm CNPJ são atendidas insatisfatoriamente em tempos normais.

Governo desconhecia o país

As sequelas da pandemia estão à vista: governantes despreparados à situação de mais de 60% da população na pobreza ou no limiar da miséria, com maioria de empresas frágeis que empregam muita gente e um governo que reconheceu desconhecer tais realidades seculares.

Mais de 65 milhões de brasileiros se habilitaram ao auxílio de R$ 600, surpreendendo o ministro Paulo Guedes, que definiu bem este cenário — o “Brasil invisível”, expressão que usamos neste espaço há vários anos. Até então, supunha-se que a maioria dos empregados tivesse registro formal, que mal abrange um terço da população com algum tipo de ocupação remunerada.

O isolamento para conter o ritmo do coronavírus, que se expande por infecção, teria de dispor de uma rede de proteção muito maior do que o governo jamais admitiu.

E ainda assim o fez por iniciativa do Congresso, não por sua livre vontade. O auxílio emergencial foi lançado pela Câmara; Guedes, que não cogitara algo assim, falou em R$ 200 mensais. Só se chegou a R$ 600 depois de Bolsonaro intuir que seria aprovado o vale de R$ 500.

Sem educação nem crescimento

 A pandemia obrigou o governo e a minoria do topo da pirâmide de renda a olharem para baixo, descobrindo um país injusto, ignorado por razões sociais e culturais. Mas o fizeram com relutância, como se constata pela resistência ao isolamento e ao uso de máscara.

O Congresso tornou a máscara obrigatória e Bolsonaro, como cópia de Donald Trump, vetou o artigo que obriga o seu uso no comércio, indústrias, templos religiosos e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas sob o falso argumento de que “incorre em possível violação de domicílio”.

Ele mesmo raramente a usa e estimula concentrações.

Por tais atitudes, o presidente se tornou dispensável à discussão das políticas de saúde. O problema é que, por razões mais ligadas à sua inexperiência que à ideologia ultraconservadora do grupo a que ele costuma dar ouvido, outras áreas essenciais estão à deriva.

O Ministério da Educação, por exemplo, a rigor está vago desde 1º de janeiro de 2019. O crescimento econômico é tratado como questão dependente de equilíbrio fiscal e de confiança do capital privado.

Resultado: nem o país educa seus jovens nem há crescimento à larga.

De quem será o século 21

Até onde vão as sequelas da pandemia ninguém sabe ao certo. O que se sabe é que o risco de depressão pela parada da economia passou e a recessão talvez seja menor do que a prevista pelo FMI (queda de 9,1% do PIB este ano). O Banco Central projeta tombo de 6,4%. E depois?

Depois será a volta da estagnação, se o governo se mantiver alheio ao processo do crescimento, convencido de que o Estado é problema e não parte da solução; que o país tem viés de insolvência; que tanto a dívida pública quanto a taxa básica de juros dependem uma da outra e ambas da confiança do mercado financeiro.

A ser assim, o Fed e os bancos centrais da Inglaterra, da Zona do Euro, do Japão, etc., já há muito, em 2008/2009, por exemplo, estariam enfrentando depressões.

O dia em que houver dirigentes nacionais que entendam o potencial adormecido do país, reconheçam o mercado de massa como ativo e não ônus fiscal, vejam a educação básica e técnica como o princípio da transformação que já tarda, sejam menos dogmáticos com a gestão da política econômica, essa questão de Esquerda X Direita, aí, talvez, possamos dizer que não há nada garantido de que este século será da China, como o século 20 foi dos EUA. Por que não também do Brasil?



“Polêmicas criadas por Bolsonaro ajudam a aclarar o que era dúbio ou desconhecido por alguns no país”
 
 
 
 
 

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