Correio Braziliense
postado em 06/07/2020 04:20
Como os projetos de infraestrutura implementados desde 2019 são remanescentes da gestão do ex-presidente Michel Temer, o governo carece de política clara para enfrentar o desafio da logística e promover a integração entre os modais de transportes a fim de reduzir custos e garantir competitividade à produção nacional. Ao focar na renovação antecipada das concessões ferroviárias, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, corre o risco de acentuar a concentração do modal nas mãos das poucas concessionárias que operam no país. Outro objetivo do titular da pasta, de acelerar o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) do Porto de Santos, sem o necessário debate, também preocupa especialistas em logística, que temem o agravamento de erros históricos no maior terminal da América Latina.Esses alertas foram destaques durante o Correio Talks: Portos e fronteiras do Brasil — Infraestrutura, logística e competitividade, evento que contou com as participações de: Ana Amélia Lemos, ex-senadora da República pelo PP; Jorge Bastos, ex-diretor presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL); Renato Casali Pavan, sócio fundador e presidente da Macrologística; Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo, engenheiro doutor e diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade Santa Cecília (Unisanta); Elena Landau, economista, advogada, sócia do escritório Sergio Bermudes Advogados e presidente do Conselho Acadêmico do Livres; Jairo Misson Cordeiro, secretário de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária do Tribunal de Contas da União (TCU); e José Tavares de Araújo Jr., diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes).
Para Ana Amélia Lemos, o desafio da logística do país é político. “O presidente precisa assumir a liderança, promover reformas, dar confiança ao investidor e garantir estabilidade”, afirma. Com o capital político dos 57 milhões de votos que recebeu, segundo ela, havia a expectativa de que Jair Bolsonaro assumisse esse papel, o que não ocorreu. “A infraestrutura é tema relevante para o país. O Brasil está com a faca e o queijo na mão para iniciar o processo de concessão. O ministro Tarcísio é elogiado pelo empenho em finalizar obras, mas é preciso mais”, diz. “Precisamos de um olhar pragmático, sensato e claro sobre privatização e concessão”, resume.
Menos Estado
Na opinião de Jairo Misson Cordeiro, para a logística avançar, é preciso fomentar a integração multimodal. “A expansão ferroviária que se está prevendo não pode ficar concentrada em poucas empresas. A modelagem tem de considerar regulação atrativa para gerar competição”, sustenta. Segundo ele, é dever incentivar a intermodalidade, para que o transportador use hidrovia, ferrovia, rodovia e portos. “A disputa política interfere na infraestrutura. É necessária uma visão mais de Estado e menos de governo.”
No entender de Jorge Bastos, sem metas e prioridades, o país continuará com as mesmas demandas. “O Brasil precisa de um plano nacional de logística (PNL), que seja um guardião, discutido com todos os setores envolvidos na logística, com os estados. Um programa mestre para definir onde estão os gargalos, o que precisa ser atacado primeiro, quais as premissas primordiais”, destaca.
Pressa
A cada crise econômica, volta-se a afirmar que a infraestrutura salvará o Brasil, segundo Elena Landau. “Pouca atenção dá-se ao setor quando não há crise. Os investimentos em infraestrutura são de longo prazo e só serão feitos com reforma tributária e outras tantas”, ressalta. Para a especialista, falta coordenação política. “Precisamos de um governo que se fale e que fale com o investidor privado. Hoje, não temos isso. Há um governo descoordenado, o Ministério da Economia diz uma coisa, o da Infraestrutura faz outra. O presidente está preocupado com sua sobrevivência política”, critica.
Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo, da Unisanta, chama a atenção para a pressa com que o Ministério da Infraestrutura quer aprovar o PDZ do Porto de Santos. “É hora de corrigir erros do passado, e não de aumentar equívocos. O plano quer colocar armazéns de fertilizantes perto da área mais habitada de Santos. Isso é uma medida discutível.”
Na segunda-feira passada, o ministro Freitas assinou a redefinição da poligonal do Porto de Santos, medida que define os limites jurisdicionais do porto organizado. Isso abre caminho para a aprovação do novo PDZ, que prevê o arrendamento de áreas então fora da jurisdição da Autoridade Portuária. O MInfra tem pressa porque iniciou os estudos de privatização do porto.
O diretor do Cindes, José Tavares de Araújo Júnior, assinala que o que torna um porto eficiente é a governança, e não ser público ou privado. A deficiência no caso brasileiro, segundo ele, é a centralização da administração dos portos. “Isso pode ser resolvido facilmente: evitar a influência política. Cada vez que ouço notícia sobre o Porto de Santos, fico aflito. Basta tirar os políticos de lá que, em pouco meses, os problemas viram passado”, pontua.
Na opinião de Renato Casali Pavan, da Macrologística, o governo perdeu o foco sobre o que é logística. “Um projeto eficiente deve ter como objetivo reduzir os custos com o transporte de cargas para dar competitividade à produção. No Brasil, o que falta é logística, com ferrovias e portos competitivos”, resume.
Nadando de braçada
A atividade nos portos brasileiros parece imune à pandemia do novo coronavírus, que provocou o caos na economia global. Não por acaso, os especialistas defendem mais foco nos investimentos para o setor. De janeiro a abril de 2020, houve crescimento de 3,71% na movimentação total, de mais de 340 milhões de toneladas. As principais cargas movimentadas foram de minério, com participação de 31,9% e 108,5 milhões de toneladas. Combustíveis minerais representam 27,2% da movimentação, com 92,8 milhões de toneladas. Sementes, grãos e oleaginosas contribuem para 13,1% da movimentação, com 44,6 milhões de toneladas. Contêineres representam 10%, com 37 milhões de toneladas.
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