Correio Braziliense
postado em 13/07/2020 06:00
Maior estatal brasileira, a Petrobras está encolhendo a cada dia por conta do agressivo plano de desinvestimentos em curso desde 2016. Para sanar o alto endividamento, provocado por anos de corrupção, a petroleira decidiu focar o negócio em exploração e produção de petróleo em águas profundas, atividade que gera mais retorno. Desde 2017, vendeu ativos e participações da ordem de US$ 16,3 bilhões, dos quais US$ 14,7 bilhões já entraram em caixa. A companhia pretende se desfazer de refinarias, campos terrestres e de águas rasas, distribuidoras, termelétricas e de milhares de funcionários, com o mais recente Plano de Demissão Voluntária (PDV). O objetivo é focar no pré-sal e nas refinarias localizadas próximas aos campos da grande reserva.
Ao concluir o plano de desinvestimentos, a empresa pretende chegar a um endividamento de US$ 60 bilhões, em linha com o das maiores petroleiras do mundo. Em 2018, a dívida da brasileira era de US$ 106 bilhões. Hoje, está em US$ 87 bilhões. “Isso significa que, quando vamos ao mercado pegar dinheiro, temos de pagar 2,5 mais do que as outras empresas do setor”, explica o diretor Institucional da Petrobras, Roberto Ardenghy.
A conta seria fácil de fechar se não fossem os problemas políticos no meio do caminho. As mesas diretoras da Câmara e do Senado entraram com um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar a venda de oito refinarias sem autorização do Legislativo. Sindicalistas e funcionários criticam os planos de desligamentos e a venda de ativos, sob alegação de que a diretoria está provocando o “desmonte” da estatal.
A Petrobras é responsável por um total de 133,3 mil empregos. Em maio, deste total, 45.556 eram empregados próprios e 10.534, de empresas do sistema; além de 87.788 prestadores de serviços da Petrobras e de 2.853, de empresas do sistema. Segundo a petroleira, “a meta é chegar a 30 mil empregados próprios a partir da saída de 10 mil trabalhadores pelo PDV e de outros pela venda dos ativos, pois há um PDV específico para esse público no fechamento da operação”.
O PDV 2019 foi o primeiro a encerrar o ciclo de inscrições dos empregados no dia 30 de junho deste ano. “O resultado foi extremamente positivo, com 94% de adesão. Dos 10.053 empregados elegíveis, tivemos 9.405 inscritos. Consolidando os demais programas, atingimos 10.082 inscrições, o que representa 22% do atual quadro de empregados”, diz o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. “Contribui para a redução permanente da estrutura de custos da companhia, o que nos ajuda a enfrentar um cenário de preços mais baixos do petróleo”, justifica.
A Petrobras estima uma redução de custo de pessoal até 2025 em torno de R$ 4 bilhões por ano, com a saída dos 10.082 inscritos nos programas.
Gás natural
Além do programa de desinvestimentos e dos PDVs, um acordo entre a Petrobras e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em julho de 2019, resultou em um Termo de Cessação de Conduta (TCC), no qual a estatal se compromete em abrir o mercado de gás natural. “A companhia vem adotando uma série de medidas nesse sentido ao longo dos últimos anos, como a venda de diversos ativos de transporte de gás que a companhia é proprietária ou tem participação, o processo de arrendamento do Terminal de Regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL) da Bahia e as tratativas para acesso a outras empresas a suas plantas de processamento de gás natural”, explica a petroleira. A Petrobras pré-qualificou 10 empresas para o arrendamento do terminal.
Na semana passada, a estatal informou o início da fase vinculante referente à venda da totalidade de sua participação de 51% na Gaspetro, holding com participação societária em diversas companhias distribuidoras de gás natural, localizadas em todas as regiões do país.
Também na semana passada, a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), a primeira das oito colocadas à venda, recebeu a melhor proposta da Mubadala Investment Company. Junto com a refinaria, a Petrobras vai vender 669 km de dutos e os terminais integrados Candeias, Itabua, Jequié e Madre de Deus.
Ainda em julho, a Petrobras fechou a venda de 65% nos campos de Pescada, Arabaiana e Dentão, em águas rasas da Bacia Potiguar, no Rio Grande do Norte, para Ouro Preto Óleo e Gás, por US$ 1,5 milhão. A compradora já possuía 35% de participação nos projetos, que produziram, no primeiro semestre de 2020, 260 barris de óleo por dia (bpd) e 190 mil m3/dia de gás.
Robustez
As mudanças deixarão a Petrobras mais robusta, garante Roberto Ardenghy, diretor de Relacionamento Institucional da empresa. “A companhia adotou uma orientação estratégica para aproveitar a grande oportunidade que existe no Brasil, a exploração do pré-sal”, explica. “No processo de desinvestimento, estamos nos desvencilhando de ativos de baixo retorno sobre o capital investido e nos concentrando onde há ativo de grande produtividade. Não quer dizer que a empresa vai ficar menor. Terá mais qualidade nos ativos”, destaca.
Ardenghy lembra da herança maldita da Petrobras. “Além da corrupção e do enorme endividamento, houve má qualidade de projetos. A Rnest (Refinaria Abreu e Lima) foi um projeto avaliado em US$ 2 bilhões no qual já se gastou US$ 10 bilhões. No polo de gás do Rio de Janeiro (antigo Comperj), foram gastos US$ 14 bilhões sem a produção de um barril de petróleo sequer”, lamenta.
Com as vendas dos ativos, Ardenghy ressalta que o objetivo é reforçar o caixa da companhia, mas também abrir o mercado.
Refinarias sob risco de judicialização
A questão jurídica da venda das refinarias, no entanto, não é tão simples. O especialista em direito constitucional Daniel Bogéa, advogado sócio do Piquet, Magaldi e Guedes Advogados, explica que há chances de o Supremo Tribunal Federal (STF) barrar as operações. “Dispositivo da Constituição diz que qualquer desestatização depende de apreciação do Legislativo, mas, para subsidiárias, o STF entendeu que não haveria essa exigência. No entanto, o fato de as mesas da Câmara e do Senado estarem dizendo que o governo está tentando burlar a decisão do próprio STF pode pesar”, diz.
Há uma disputa entre os Poderes Legislativo e Executivo, de acordo com Bogéa. “A petição é pelas duas mesas do Congresso e diz que a estratégia do Executivo é usar um mecanismo de enviar ativos às subsidiárias para poder vendê-los. A trava do Supremo pode acontecer. A ministra Rosa Weber já disse que a descentralização burla a decisão, por meio de transferência de ativos”, reitera. O caso está com Dias Toffoli, ministro em plantão enquanto a Suprema Corte está em recesso. “A decisão pode ser monocrática”, alerta Bogéa.
Para Marcelo Godke Veiga, especialista em direito empresarial e professor do Insper, uma empresa diretamente controlada pelo Estado, como a Petrobras, só pode ser vendida com autorização do Legislativo. “No entanto, as subsidiárias não precisam. Agora, isso pode ser judicializado e a chance, na minha opinião, é de 100%”, aposta. Para a população e para os consumidores, entretanto, o advogado considera as vendas positivas. “Para o mercado como um todo, é melhor mais concorrência. A tendência é ter produtos, serviços e preços melhores.”
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