Correio Braziliense
postado em 14/07/2020 04:24
Em que pese a reforma de 2019, a crise da previdência dos servidores atingiu um ponto crítico e vai piorar no curto prazo. O corte dos investimentos cuidou de uma parte. Mas ainda sobrou muito deficit.Na União, o buraco final em 2014-19 foi de R$ 620 bilhões, basicamente financiado por moeda. Nos estados, a mesma conta é de R$ 103 bilhões, e o ônus ficou com os fornecedores e outros que deixaram de receber sua parte. Estados não emitem nem foram autorizados a se endividar. Somando os municípios, a conta total é comparável à deste ano com a pandemia.
O que a equipe econômica precisa entender é que a despesa da previdência é garantida por cláusulas pétreas da Constituição, e nunca poderá faltar dinheiro para pagá-la. A melhor saída então é o equacionamento do deficit atuarial dos RPPS, ainda que às custas do aporte de bens e direitos futuros. Fora do conceito de receita corrente líquida, estas são receitas que, além do mais, reduzem o limite do gasto possível de pessoal. Fora dele, os entes serão chamados para o ajuste.
Assim, cabe zerar os deficits anuais dos RPPS e equacionar a liquidação dos atrasados, caso em que a União assumirá o ônus de refinanciá-los, por mera isonomia ao que ela fez para si própria emitindo moeda maciçamente em 2014-19. A falta do primeiro adiciona mais gasolina na fogueira do segundo, enquanto a falta da solução para este levará a uma grande quebradeira antes mesmo de se olhar para a covid. Não se trata de assumir o deficit dos estados, mas sim de viabilizar e coordenar seu refinanciamento.
A outra grande crise por que o Brasil passa (e com a primeira está interligada) é na infraestrutura. Sabemos que o caminho mais rápido para resolver vários problemas é investir em infraestrutura. Aumenta-se não apenas a capacidade de ofertar tais serviços, mas também a produtividade. E já se provou que, quanto maiores forem o estoque e a qualidade da infraestrutura, tanto maior será o PIB per capita e menor a desigualdade de renda.
De 1980 para cá, a razão investimento/PIB do setor de infraestrutura caiu 64%, de 5% para apenas 1,8% do PIB. Em parte, isso se deve à brutal e já referida queda dos investimentos públicos. O resto tem a ver com as dificuldades que criamos para os investimentos privados prosperarem. A área de concessões privadas (especialmente rodovias) está travada por uma série de problemas acumulados nos últimos anos: queda imprevista do PIB, viés antiprivado das autoridades da área, populismo etc.
No tocante aos 60 projetos de concessões de rodovias da União e do estado de São Paulo, a serem agora reequilibrados por conta da covid, é preciso fazer um acordo com os órgãos de fiscalização e controle e com os poderes concedentes para resolver pendências. O mais importante é adotar todas as providências capazes de acelerar os investimentos viáveis de realizar num curto espaço de tempo, optando por extensão de prazo em vez de relicitações, mais complexas e demoradas. Estimo que daria para investir R$ 44 bilhões já.
Deve-se adicionar a forte demanda sobre os escassos recursos das agências de fomento regionais, e o potencial que estas têm de mobilizar recursos como os das reservas técnicas dos fundos de previdência, já constituídos e com ativos financeiros totais ao redor de R$ 165 bilhões, hoje carentes da remuneração compatível com altas demandas de rentabilidade nos respectivos RPPS. E lembro também sua grande capacidade de identificar oportunidades e de estruturar operações de crédito, a fim de complementar o esforço para os recursos chegarem ao máximo de empresas, contribuindo para a expansão da oferta de produtos e o aumento da produtividade geral.
A bala de prata é então a seguinte:
1. Equacionar os passivos atuariais dos RPPS para valer, com a adoção de novas regras, maiores contribuições de ativos, aposentados e pensionistas, e o aporte maciço de ativos reais e financeiros, cabendo o apoio da União aos entes subnacionais na monetização destes, a fim de liberar espaço orçamentário para os investimentos.
2. Fazer um grande acerto de pendências recentes nos estados incluindo o desequilíbrio financeiro que se mostrou após a covid, pela queda da arrecadação e a maiores despesas em saúde, emitindo moeda e redirecionando recursos para esses entes via bancos oficiais, por isonomia ao tratamento favorecido que a União se deu.
3. Envolvimento das agências de fomento estaduais no equacionamento da previdência, especialmente de grupos de municípios, viabilizando e ampliando o aumento do investimento em infraestrutura — especialmente o privado —, mediante o redirecionamento das reservas técnicas dos fundos RPPS, hoje sub-remuneradas e inviabilizando o pagamento de benefícios futuros dos inscritos em planos capitalizados.
4. Para a crise de concessões de rodovias, resolver pendências e investir o mais rápido possível via extensão de prazo e adiamento de relicitações, além de considerar potenciais investimentos em outros segmentos como portos/aeroportos/saneamento, entre outros.
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