Economia

Vetos ao novo marco do saneamento dividem especialistas

A indústria apoia a sanção do PL 4.162/2019, por considerar que agilizará investimentos privados. Advogados temem que alguns dispositivos não sejam os mais adequados

Correio Braziliense
postado em 15/07/2020 18:51
A indústria apoia a sanção do PL 4.162/2019, por considerar que agilizará investimentos privados. Advogados temem que alguns dispositivos não sejam os mais adequadosO novo marco do saneamento, sancionado com vetos pelo presidente Jair Bolsonaro, nesta quarta-feira (15/7), divide opiniões entre os especialistas. O Projeto de Lei (PL) 4.162/2019, que moderniza a legislação para prestação dos serviços, estabelece a data de 31 de dezembro de 2033 para atender 99% da população com acesso à água potável e 90% com tratamento e coleta de esgoto. Atualmente, o abastecimento é oferecido em 94% por empresas públicas, por meio de contratos de programa que não exigem licitação. Isso ficou no passado.

O novo marco legal determina a concorrência e acaba com o direito de preferência das estatais. No entanto, para que a prestação de serviço atual não fique prejudicada, o texto prevê a continuação dos contratos de programas que estão em vigência, desde que sejam respeitadas as cláusulas que adaptem o instrumento ao modelo de aperfeiçoamento proposto pelo marco. O projeto também permite a instituição de prestação regionalizada, com agrupamento de municípios em blocos, para afastar o risco de que cidades pequenas ou com menos recursos fiquem de fora do processo de universalização.

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o marco legal é um passo importante, desde que o governo dê celeridade na regulamentação da lei. “Há pontos imprescindíveis a serem definidos por decretos, como a metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira das prestadoras de serviço. É preciso também estabelecer normas regulatórias sobre padrões de qualidade e de eficiência, e a regulação tarifária”, alerta a entidade. “Os atuais contratos em vigor continuam valendo e terão de se adequar aos parâmetros da lei.”

A Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan) destacou que o novo marco potencializa investimento de R$ 23 bilhões ao “proporcionar padronização regulatória, promover a concorrência e incentivar o atendimento regionalizado, potencializando investimentos do setor privado”. Estudo da federação aponta que aplicação dos R$ 23 bilhões para universalização do serviço no estado do Rio pode trazer mais R$ 29 bilhões para a economia, gerar 325 mil empregos e economizar R$ 98 bilhões em custos de saúde.

Vetos

Os especialistas analisaram os vetos do governo. Para Ana Cândida de Mello Carvalho, sócia da área de Infraestrutura, Regulação e Assuntos Governamentais no escritório BMA -- Barbosa, Müssnich, Aragão, o veto mais relevante é o do artigo 16, que tratava da possibilidade de reconhecimento de contratos informais. “Dava possibilidade de renovação de contrato com vigência expirada, por até 30 anos, e, no fundo, deixava o modelo bastante longo. Com veto, a decisão fica para 2022 e os contratos em vigor permanecem até o termo contratual de cada um. A renovação só fica possível no âmbito da desestatização das companhias estaduais”, explicou.

Ou seja, caso o governo estadual decida vender o controle, pode adotar dois caminhos, segundo Ana. “Manter os contratos como estão e os municípios não precisam nem anuir. Ou propor alteração dos contratos, aí sim mantida a possibilidade dos estados proporem renovação. Não mais uma autorização genérica, mas uma motivação para vender as estatais, porque a discussão é justamente o tamanho dos ativos”, ressaltou.

Sobre o veto ao parágrafo 6º do artigo 14, Ana via o dispositivo como incentivo para aceitarem a migração dos contratos de programa. “Na medida em que não aceitassem teriam que indenizar as estatais pelos investimentos já feitos. Com o veto, cai esse incentivo. 

No entender de Maurício Zockun, sócio do escritório Zockun & Fleury Advogados, o artigo 14 trata do controle societário. “A ideia é de que estatais não têm fôlego para cumprir as metas de universalização, o que desaguaria na alienação de parte das ações. A grande dificuldade é que os parágrafos vetados criavam uma trava sobre como fazer o custo de cada uma das ações, calculando investimentos realizados e não amortizados. A regra inviabilizavam isso, jogando o valor para baixo”, disse. O veto, portanto, foi uma medida corretiva para que haja efetiva mensuração das ações, completou.

“Mas há uma questão no veto do parágrafo único do artigo 16. Hoje, mais de 90% do serviço é prestado por estatais, são apenas 6% de concessionárias privadas. E as estatais querem continuar executando os contrato de programa. Por uma ótica, leva grande magnitude para iniciativa privada, mas, proibida a prorrogação automática, cria problema para os municípios”, alertou.

Segundo ele, para terminar os contratos seria preciso pagar a indenização. “Não é viável jogar indenização para quem vencer a licitação. Tem que ser prévia, mas acho isso bastante inviável. O mercado vai ter que dosar quanto está disposto a pagar para receber o serviço e ainda investir”, avaliou. “Boa parte dos municípios vai prorrogar o prazo a título de indenização, e isso vai alongar contratos com as estatais. A outra alternativa é colocar no preço da licitação o valor da indenização, o que seria complexo por conta da formação de blocos. Pode representar um valor muito grande para pagamento imediato”, afirmou.

Resíduos sólidos

Luiz Gonzaga, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), comemora o veto ao artigo 20, que fazia discriminação para o setor. “Resíduos, da mesma forma que água e esgoto, vão necessitar altos investimentos. E o artigo 20, tirado na última hora, não era bom. Precisamos de tempo para fazer os investimentos”, explicou.

Ao dar isonomia ao setor de resíduos, que também precisará de licitação, os municípios terão de desenvolver plano de gerenciamento e estabelecer cobrança tarifária. “Com isso, dentro do pacote de R$ 600 bilhões, em média, nosso setor entrará com R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões a serem movimentados nos próximos anos”, estimou. Hoje, segundo ele, existem 3.257 lixões no país, que precisam ser erradicados. “Precisará de inteligência para agrupar, fazer consórcios e regionalizar a solução. Esperamos o ingresso de empresas do exterior”, disse.

Estatais

A Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento Básico (Aesbe) lamentou o veto do artigo 16, que criou uma regra de transição entre os modelos de operação para o setor de saneamento básico, “habilitando um ambiente capaz de absorver a subsistência das operadoras e a integração dos investimentos privados, com novas modelagens para alavancar a universalização dos serviços”. O normativo autoriza a renovação dos contratos de programa em vigor por até 30 anos, bem como possibilita a regularização das situações em curso em alguns municípios.

“Essa equalização é vital para a conclusão dos projetos de infraestrutura em andamento e a amortização gradual dos investimentos. A retirada do artigo 16 desbarata décadas de estruturação erguidas para o setor, acarretando uma enorme insegurança jurídica, com a estagnação imediata de ações e projetos em andamento que buscam a universalização do saneamento e a atração de novos investimentos, a exemplo de várias parcerias público-privadas”, disse, em nota, a entidade, para quem o único propósito é a entrada integral do setor privado na prestação do serviço.

A Aesbe espera que o que o Congresso Nacional rejeite o veto, permitindo uma “soma de esforços dos operadores públicos no avanço da universalização dos serviços de saneamento com qualidade, sustentabilidade econômica e ambiental.”

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