Economia

Saneamento é sancionado, com críticas

Marco legal, avalizado pelo Planalto, pretende ampliar a participação da iniciativa privada no setor e universalizar prestação de serviços de água e esgoto. Exclusão de trecho que daria sobrevida a contratos de empresas estaduais públicas causa controvérsia

Correio Braziliense
postado em 16/07/2020 04:07
O presidente do BNDES, Gustavo Montezano, disse que não faltará dinheiro para setor

O presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos, o Projeto de Lei 4.162/2019, que atualiza o marco legal do saneamento básico. A modernização regulatória pretende ampliar a participação da iniciativa privada no setor e universalizar  serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto e resíduos sólidos. Segundo o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, foram 11 vetos. Os cortes no texto original dividiram as opiniões dos especialistas e dos agentes do setor.


Entre os objetivos da nova lei estão a universalização do saneamento, que prevê a coleta de esgoto para 90% da população e o fornecimento de água potável para 99% dos brasileiros até o fim de 2033. Hoje, 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e 104 milhões não contam com serviços de coleta de esgoto no Brasil. Com o marco legal, o Ministério da Economia estimou que sejam investidos até R$ 700 bilhões e gerados 700 mil empregos até 2033. De acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o marco destrava “a grande onda de investimentos”. “Depois vem cabotagem, setor elétrico, gás natural e petróleo”, elencou.


Marinho destacou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem uma carteira de R$ 50 bilhões pronta para ser oferecida à iniciativa privada. “O primeiro leilão será em Alagoas, em setembro, de um dos três lotes segmentados no estado. No Amapá, um consórcio de 16 municípios está sendo montado e o mesmo está acontecendo no Acre. Rio de Janeiro e São Paulo já fizeram suas tratativas para performar suas respectivas carteiras”, afirmou. O novo marco permite a formação de blocos de municípios para contratação da empresa prestadora, de forma que os menos rentáveis não fiquem sem o serviço.


O presidente do BNDES, Gustavo Montezano, disse que não faltará dinheiro para o setor. “Este marco vai ser o maior gerador da redução de desigualdade social da nossa história. Por isso, saneamento é o setor prioritário para o banco”, afirmou. Segundo ele, o BNDES também atuará como estruturador, porque “a boa engenharia é fundamental para que os recursos sejam aportados em tempo e a contento”.

Vetos
O governo retirou da lei a possibilidade de reconhecer acordos informais entre empresas estatais de saneamento e municípios, como previa o artigo 16, o que provocou manifestação de repúdio da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento Básico (Aesbe). O texto vetado autoriza a renovação dos contratos de programa em vigor por até 30 anos. “Essa equalização é vital para a conclusão dos projetos de infraestrutura em andamento e a amortização gradual dos investimentos”, disse, em nota. “A retirada do artigo 16 desbarata décadas de estruturação erguidas para o setor, acarretando uma enorme insegurança jurídica, com a estagnação imediata de ações e projetos em andamento que buscam a universalização do saneamento e a atração de novos investimentos, a exemplo de várias parcerias público-privadas.” A Aesbe espera que o Congresso rejeite o veto.


A justificativa do governo para vetar o artigo 14 foi que, as propostas, “ao criarem uma nova regra para indenização de investimentos não amortizados das prestadoras de saneamento, geram insegurança jurídica”. Para Maurício Zockun, sócio do escritório Zockun & Fleury Advogados, o artigo 14 trata do controle societário. “A ideia é de que estatais não têm fôlego para cumprir as metas de universalização, o que desaguaria na alienação de parte das ações. Os parágrafos vetados criavam uma trava sobre como fazer o custo de cada uma das ações, calculando investimentos realizados e não amortizados. A regra inviabilizava isso, jogando o valor para baixo”, afirmou. O veto, então, foi medida corretiva para que haja efetiva mensuração das ações, frisou.


Já o artigo 20 foi vetado por quebrar a isonomia entre as atividades de saneamento básico, colocando à margem coleta e tratamento de resíduos sólidos. Isso, segundo o governo, “poderia impactar negativamente na competição saudável entre os interessados na prestação desses serviços”. Capitais e regiões metropolitanas terão até 31 de dezembro de 2020 para fechar os lixões. Municípios com menos de 50 mil habitantes terão quatro anos.

 

Alcolumbre contra veto

O presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), indicou apoio para derrubar um veto do presidente Jair Bolsonaro e retomar a sobrevida aos contratos de saneamento fechados entre municípios e empresas estaduais do setor.
O dispositivo vetado por Bolsonaro no novo marco legal do saneamento básico foi uma condição de parlamentares para aprovar a proposta, cuja sanção foi assinada ontem. O prazo de 30 anos para renovação dos contratos atuais fez parte de um acordo do governo para aprovar a proposta.


“Não pode fazer o entendimento e não cumprir o entendimento. O que é combinado não é caro nem barato”, disse Alcolumbre em sessão do Senado. “Se, por parte do governo, não houve a eficácia, houve um lapso da parte do Executivo, que eu reputo que não é certo, temos como corrigir aqui na sessão do Congresso e dar a resposta do que foi construído.”


A manifestação de Alcolumbre ocorreu após reação do líder do PSD, Otto Alencar (BA). O comentário foi reforçado pelo líder do PT, Rogério Carvalho (SE), e do PSL, Major Olimpio (SP). No Congresso, há pressão de governadores e estatais de saneamento para garantir uma sobrevida maior aos contratos atuais. Com o veto, o governo facilita, na prática, a abertura do setor para a iniciativa privada.


O relator da proposta, Tasso Jereissati (PSDB-CE), disse estar “profundamente surpreendido” pelos vetos. “Acho que foi um tiro no pé que o governo está dando, porque é um projeto que estava sendo saudado com aplausos entusiasmados de boa parte da sociedade brasileira”, disse, em sessão no Senado, defendendo a derrubada do veto sobre a renovação dos contratos. “Vai virar uma polêmica inteiramente sem sentido.”

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