Em 2020, enquanto o Brasil busca a saída menos caótica possível para a crise do novo coronavírus e uma trégua nos problemas políticos, o real comporta-se como em uma montanha-russa. A moeda brasileira, hoje, é a que mais oscila no mundo. O câmbio instável preocupa não só analistas e investidores, que não conseguem acompanhar o ritmo da divisa, mas, também, os dirigentes do Banco Central, que dizem investigar a causa do problema.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou, na última quinta-feira, em live do Itaú Unibanco, que “não há uma boa explicação” para a alta volatilidade da divisa brasileira. E o sobe e desce ao longo do dia é frequente. O que chama atenção nos últimos meses é o movimento instável em curtos períodos de tempo, não tanto a cotação final do pregão.
Nas últimas semanas, o real “oscilou que nem uma montanha-russa e terminou no zero a zero”, resume o economista Pablo Spyer, diretor da Mirae Asset. A volatilidade é observada em vários mercados, com diversas moedas, do peso colombiano ao rublo russo, mas, no caso do real, assusta por ser “a mais alta do planeta”, afirma.
Com oscilações bruscas de preço, a moeda brasileira perdeu 32,48% do valor frente ao dólar entre 31 de dezembro de 2019 e 16 de julho deste ano, de acordo com levantamento de Eduardo Velho, estrategista da INVX Global Brasil. E, além de ocupar o topo do ranking, o real está bem longe do resto da lista, que, em muitos casos, começa a recuperar as perdas. O segundo colocado é o rand sul-africano, que desvalorizou 19,71% no período, e o terceiro, o peso mexicano, com 18,6%. O real caiu quase o dobro do registrado pela lira turca.
O que mais preocupa não é a desvalorização do real — que, em tese, teria como lado positivo o potencial de estimular entrada de dinheiro no Brasil, ao tornar o país um mercado mais barato. O problema é que os novos recursos não chegaram, observam especialistas. E um dos fatores que seguram os possíveis investimentos, segundo eles, é justamente a falta de previsibilidade da moeda. Quando não se tem ideia de para onde o câmbio vai, o risco sobe.
Como recentemente o dólar foi de R$ 5 a quase R$ 6 em um mesmo mês, não dá para saber qual será a média amanhã. Assim, com medo de que os ganhos caiam abruptamente de um mês para o outro, investidores deixam de fechar contratos no país. “Quando está muito volátil, é natural que evitem fazer negócios. Todos querem tranquilidade com moeda, que é o que o Brasil não tem hoje. Essa é a principal razão pela qual o dinheiro estrangeiro não está entrando”, afirma Spyer.
A incerteza gerada pela alta volatilidade da moeda também dificulta decisões de investimentos, em geral, pontua o gerente de Análise Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo. “Nesse cenário, você não sabe que preço vai conseguir colocar lá fora. Pode tomar decisões erradas ou pouco eficientes, tanto na escolha de insumos quanto ao estabelecer preços. Acaba que não consegue achar um preço comum”, explica.
Intervenção
Apesar de reconhecer que a volatilidade do real acima da média é preocupante, Campos Neto não acredita que seja o caso de intervir no câmbio de forma mais direta. O foco é a causa, não a consequência. “A gente não quer curar a febre quebrando o termômetro”, disse, em entrevista à agência Reuters, em 10 de julho. “O câmbio é flutuante. Não se espera que o BC fique atuando como se fosse participante rotineiro do mercado”, considera Alexandre Espírito Santo, economista da Órama.
A autoridade monetária intervém como pode para tentar conter a volatilidade no câmbio, com instrumentos como swap cambial e venda de reservas em moeda estrangeira, e não pretende ir além disso. Não por acaso, as reservas internacionais do Brasil caíram de US$ 327,8 bilhões, em dezembro do ano passado, para US$ 299,5 bilhões, no início de julho deste ano.
Para Eduardo Velho, da INVX, o BC tem agido de forma “prudente” e, de fato, não deve intervir por métodos que não sejam os já adotados. “A atuação deve ser apenas quando percebe que a situação não segue uma tendência, quando há um movimento muito volátil sem racionalidade ou fundamento. Mas, mesmo nesses casos, tem que esperar um pouco, para não perder reservas à toa. As intervenções devem ser pontuais, não sistemáticas”, afirma.
Velho lembra que o “grande influenciador” do câmbio, no momento, ainda é a pandemia do novo coronavírus, que não depende de intervenção interna no câmbio. “O que explica a volatilidade é que ainda existem casos de covid em outros países que flexibilizaram. Há receio de prolongamento dessa crise”, explica. Além disso, segundo ele, a relação diplomática entre Estados Unidos e China também contribui bastante para as oscilações, pela perspectiva de elevação de tarifas e medidas restritivas que afetem as exportações.
Cenário doméstico
O problema é que, no caso do Brasil, não dá para saber se o problema será controlado junto com a pandemia. Eduardo Velho acredita que a moeda ficará mais estável no pós-covid, mas aposta que ainda haverá um nível considerável de volatilidade por questões internas nos próximos anos. “A princípio, tende a decair, com melhora no mercado internacional e retomada da economia mundial. A partir de então, o fator doméstico vai influenciar. A volatilidade dependerá da situação das reformas e das perspectivas políticas”, explica.
Um dos grandes obstáculos do Brasil em relação aos países que começam a recuperar as perdas é o cenário político e econômico, que envolve desconfiança fiscal e dificuldades políticas. “Locais mais previsíveis têm volatilidade menor”, diz Velho. Ele observa, no entanto, que o contexto político melhorou nas últimas semanas. “Deu uma boa estabilizada.”
Spyer, da Mirae, também vê melhora nesse ponto, mas acha insuficiente para conter a volatilidade. “É preciso que arrefeça de verdade, que aprove reformas e controle buraco fiscal”, ressalta.
Apesar da trégua nas últimas semanas, a corriqueira crise entre os Poderes é um fator determinante para a oscilação no mercado de câmbio, “na medida em que pode traduzir alguma dificuldade atrelada às reformas”, explica Azevedo, da CNI. “Antes da pandemia, havia muitos movimentos por conta disso. Algo que pudesse atrapalhar as reformas tinha impacto e afetava a taxa. Não é nem pela crise política em si, mas pelas reformas”, afirma.
Até que as pendências fiscais se resolvam, o esperado, segundo o economista Alexandre Espírito Santo, da Órama, é que o patamar seja mantido na faixa atual. “No curto prazo, me parece que vai ficar entre R$ 5 e R$ 5,50. Se o país fizer o seu dever de casa, voltar a ter expectativa de reformas, volta a trabalhar abaixo de R$ 5, no médio prazo. Diria que R$ 4,50 é razoável, em 2021, se tudo der certo”, estima.
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