Economia

A ameaça para o Brasil nas eleições americanas

Com o governo Bolsonaro aliado ideologicamente ao atual presidente dos Estados Unidos, país fica sob risco de isolamento caso o republicano perca o pleito de novembro para o democrata Joe Biden

Correio Braziliense
postado em 20/07/2020 04:17
Bolsonaro voltou a dizer que torce pela reeleição de Trump, mas que vai buscar aprofundar as relações comerciais em caso de vitória de Biden

Enquanto a imagem do Brasil se deteriora diante do aumento acelerado do desmatamento na Amazônia, o país corre o risco de ficar ainda mais isolado com o avanço do democrata Joe Biden nas pesquisas para a corrida presidencial dos Estados Unidos contra o republicano Donald Trump, que busca a reeleição.


Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, uma vitória de Biden exigirá mudanças na condução da atual política externa que, aliás, ainda não tem uma estratégia clara. Outro ponto que forçará alterações do governo Bolsonaro é na questão ambiental.


A preservação entrou na pauta das prioridades de governos europeus e da sociedade internacional, e o Brasil já corre risco de retaliação na conclusão do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. Maior conscientização da necessidade de produtos que não agridem o meio ambiente está mudando os padrões de consumo e de investidores pelo mundo. “As certificações socioambientais das empresas podem ter impacto maior do que retaliações entre governos. Entes privados e consumidores internacionais geram uma espécie de sanção branca que poderá fazer com que os produtos brasileiros não acessem determinados mercados estratégicos”, alerta o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper.


Fundos de investimentos e empresas já se mobilizaram e exigiram uma atitude mais responsável do governo brasileiro no campo socioambiental. Em carta aberta à sociedade, ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central defenderam uma agenda ambiental e providências para zerar o desmatamento. O vice-presidente Hamilton Mourão vem conversando com todos, e o governo publicou um decreto proibindo queimadas por 120 dias na quinta-feira.


Mas o sinal de alerta está ligado. Enquanto Trump abandonou o Acordo de Paris, que traça meta de redução das emissões de carbono, ameaça deixar a Organização Mundial da Saúde (OMS) e tenta maquiar os números da pandemia de covid-19, Biden sinaliza o contrário e ganha força na campanha em estados-chaves, lembram os analistas.
Semana passada, o democrata anunciou um plano de investimentos ambicioso de US$ 2 trilhões em quatro anos, com propostas de combate às mudanças climáticas, que incluem ampliar o uso de energia limpa nos setores de transporte, de eletricidade e de construção civil. Em pesquisa recente divulgada por NBC News e The Wall Street Journal, Biden está com 51% das intenções de voto, enquanto Trump, 40%.


Para o cientista político norte-americano David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), está praticamente certa a vitória do democrata, porque a rejeição ao republicano cresce enquanto ele conduz mal o enfrentamento da pandemia. “Bolsonaro e integrantes do governo estão preocupados com o avanço de Biden e já estudam o que fazer. E, caso o democrata vença, o presidente vai ter de trocar os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores)”, destaca.


Christopher Garman, diretor para as Américas do Eurasia Group, é mais cauteloso em apostar em uma vitória de Biden. “O sistema eleitoral dos EUA é bastante complexo e ainda não dá para cravar a derrota de Trump, quando ele ainda tem 40% das pretensões de voto”, pondera o cientista político norte-americano. Contudo, ele reconhece que o Brasil já está pagando o custo reputacional por negligenciar as questões sustentáveis. “A pauta ambiental está ganhando corpo na Europa devido às pressões da opinião pública e, com Biden mais comprometido com essa agenda, a tendência é de o Brasil ficar na defensiva daqui para a frente”, avalia.


“O Brasil já está isolado do mundo nesse movimento crescente de preocupação ambiental, porque esse tema passou a pesar nas avaliações das empresas, mexe com o preço das ações, e empresas europeias e norte-americanas já estão fazendo”, frisa a economista e especialista em relações internacionais Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Ela destaca que, após as críticas, o governo tenta sinalizar mudanças, mas, ainda, não há garantias. “Meio ambiente é um fator que está pesando na competitividade das empresas, e acionistas estão mais preocupados com a questão da responsabilidade socioambiental. É um ativo importante, porque as mudanças climáticas mexem com o ecossistema mundial, e o peso disso está muito claro. Não à toa, está havendo reações de investidores, empresários e ex-ministros em relação ao aumento das queimadas no país.”


Na opinião do ex-embaixador e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero, o cenário de vitória de Biden “parece bem realista, até provável”, mas, tudo pode acontecer nesses quatro meses. Ele foi um dos 17 ex-ministros que assinaram a carta aberta à sociedade defendendo uma agenda mais responsável do ponto de vista socioambiental.


“O problema não é o Brasil ficar isolado, mas o governo Bolsonaro. Isso se dá porque, em vez de manter a linha de uma política externa que reflete os interesses nacionais permanentes do país, o atual governo abraçou um tipo de diplomacia na qual o critério definidor é a afinidade ideológica entre governos, não os interesses permanentes dos países”, destaca Ricupero. Segundo ele, a dificuldade de Bolsonaro será maior com o Partido Democrata caso Biden vença.


O ex-ministro recorda a carta recente do Congresso opondo-se a qualquer acordo comercial com o Brasil. “Mais recentemente, uma deputada propôs emenda à lei sobre ajuda externa, proibindo, especificamente, qualquer cooperação militar com nosso país. Como se vê, antes mesmo de uma eventual vitória democrata, os problemas concretos já começaram. Não se trata, portanto, de uma hipótese futura, mas de uma realidade presente”, afirma Ricupero.

Torcida
Na quinta-feira, em transmissão nas redes sociais, Bolsonaro disse que torce pela reeleição de Trump e disse que, em caso de derrota do republicano, tentará aprofundar as relações comerciais com os americanos.


De acordo com o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa, é importante esse tipo de sinalização, porque a diplomacia institucional entre os governos deve prevalecer acima de preferências ideológicas. “A relação pessoal não tem nada a ver com a as relações institucionais entre dois países. Os EUA tomaram uma série de medidas restritivas em relação ao Brasil, apesar do bom relacionamento entre Trump e Bolsonaro”, ressalta.


Barbosa lembra que, apesar de os EUA serem um dos maiores parceiros comerciais brasileiros, o Brasil não está entre as prioridades de Washington, porque “não tem representação econômica expressiva”.  


Vale lembrar que Biden tem histórico de ser um bom apaziguador com o Brasil. Durante a crise de espionagem da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2013, o então vice de Barack Obama foi escalado para resolver o problema e aparar as arestas entre os dois países.

 

Saldo da balança no negativo para o país

A aproximação ideológica de Jair Bolsonaro e Donald Trump não trouxe grandes frutos além da formalização do apoio para a adesão do país à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O comércio bilateral não aumentou desde então e, para piorar, a balança comercial voltou a ficar desfavorável para o Brasil, com saldo negativo para o país.
Nem mesmo o acordo bilateral tem chances de avançar, devido à sinalização do Congresso norte-americano contra qualquer acordo comercial com o Brasil de Bolsonaro. “Tudo indica que o saldo dessa aproximação ideológica de Bolsonaro com Trump serão os 2 milhões de doses de hidroxicloroquina que a Casa Branca enviou ao Brasil”, ironiza o cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).
“Essa aliança ideológica não implicou aumento do comércio bilateral. Aliás, o comércio está desabando, e uma decisão política alinhada com os Estados Unidos sobre a questão da tecnologia 5G, barrando os chineses, pode ser ainda mais danoso para o Brasil, porque o país depende muito mais das exportações de commodities para a China”, alerta o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
Para ele, o governo brasileiro precisa evitar esses alinhamos ideológicos e ser mais pragmático do ponto de vista comercial. “Se nossos governantes puderem ficar de boca fechada, é muito melhor para os negócios”, destaca. Na opinião dele, o acordo de cooperação com os EUA não agrega nada ao Brasil, porque o país norte-americano já tem tarifas muito baixas para importações. “No fundo, o acordo é muito mais vantajoso para eles, beneficia muito mais os EUA, porque as tarifas de importações daqui vão cair e a indústria ainda vai deixar de produzir localmente, já que será mais barato importar”, compara.

Tombo

Conforme dados do Ministério da Economia,neste ano, as exportações do Brasil para o segundo maior parceiro comercial encolheram 31,7% em comparação com 2019. O saldo da balança acumulado entre janeiro e junho passou de um superavit de US$ 932 milhões, em 2019, para US$ 3,1 bilhões, neste ano, o maior rombo desde 2014.
No Itamaraty, há uma divisão interna sobre os rumos que estão sendo tomados pelo chefe da pasta, que é considerado um diplomata “raso”, por ter pulado etapas na carreira para virar ministro. “O ministro Ernesto Araújo é um diplomata júnior que segue as orientações do guru bolsonarista Olavo de Carvalho para um desmonte do Itamaraty. Ele já está se tornando um problema para Bolsonaro, e, provavelmente, deverá ser exportado para os EUA como o ex-ministro da Educação (Arthur Weintraub), que foi indicado para ser diretor do Banco Mundial nos EUA+”, compara.


Até o fechamento desta edição, o Ministério das Relações Exteriores, procurado pela reportagem, não se pronunciou em relação às críticas nem sobre como a pasta monitora as eleições norte-americanas sem ter um embaixador desde o início do governo.


As manifestações recentes de empresários e de ex-ministros, na avaliação de especialistas, mostraram que a proteção ambiental não é mais um assunto dissociado da economia, pois estão cada vez mais interligadas. Na sexta-feira, um estudo publicado na revista Science contribuiu ainda mais para a piora do país lá fora, por mostrar que pelo menos 17% da carne e 20% da soja exportadas para a União Europeia podem ter sido produzidas em áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia e no Cerrado. (RH)

 

Na contramão

O alinhamento ideológico do governo Jair Bolsonaro ao de Donald Trump não tem resultado em aumento do comércio bilateral.

>Série histórica do saldo comercial entre Brasil e EUA

Valor no acumulado de Jan-Jun
(Em US$ bilhões)
2009     -2,5
2010     -3,1
2011     -4,0
2012     -2,3
2013     -6,0
2014     -4,7
2015     -2,4
2016     -0,5
2017     0,4
2018     -0,6
2019     0,9
2020     -3,1

Fonte: Secex/Ministério da Economia

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