Economia

Número de mulheres que gerenciam os próprios recursos é cada vez maior

Cursos voltados ao público feminino ensinam a lidar com dinheiro e investimento e ajudam a abrir espaço para elas num campo ainda dominado por homens

Correio Braziliense
postado em 03/08/2020 06:00

Contato com vítimas de violência doméstica estimulou Carolina Daher a criar um blog sobre finançasO mercado financeiro ainda é, predominantemente, um ambiente masculino, o que pode ser explicado pela cultura patriarcal, na qual, até poucas décadas atrás, os homens eram os únicos responsáveis pelo sustento e o gerenciamento dos bens da família. Mas, em uma sociedade cada vez mais descolada desses padrões, um número crescente de mulheres tem aprendido a lidar com dinheiro e investimentos. Graças, em grande parte, à facilidade de acesso a informações financeiras na internet.


Na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), a maioria absoluta de investidores pessoas físicas (74,7%) ainda é de homens. Mas a quantidade de mulheres cadastradas nunca foi tão alta. Em 2002, elas eram apenas 15 mil e ficaram abaixo dos 100 mil até 2007, quando atingiu a marca de 112 mil. A partir daí, as investidoras não pararam mais de ocupar espaço no pregão paulista: de 179 mil, em 2018, foram para 388 mil, chegando a 23,1% do total. Em junho último, dos 2,6 milhões de investidores na Bolsa, 648 mil (24,2%) eram mulheres.

Entre elas, a faixa etária que mais investe vai de 26 a 35 anos, com cerca de 210 mil investidoras. Do total de R$ 348 bilhões em investimentos na Bolsa, R$ 74,5 bilhões são de mulheres. São Paulo é o estado com o maior percentual de investidoras na B3, com 263,6 mil. Iniciativas de educação financeira têm sido protagonistas nessa história.

Foco

Caroline Daher, 34 anos, é a idealizadora do blog Mulher na Bolsa, lançado em 2018. No espaço, ela compartilha informações sobre o mercado financeiro, com foco no público feminino. O objetivo, segundo ela, é quebrar o preconceito sobre a participação de mulheres no mundo dos investimentos.

“Eu mesma achava que investimento era coisa só de homem, até que comecei a pesquisar mais e me apaixonei por renda variável. Eu investia desde os 18 anos, mas era bem conservadora, só aplicava em renda fixa”, conta. “De 2017 para cá, passei a migrar para a renda variável. E pensei: por que não contar para outras mulheres e incentivá-las?”

A decisão de criar o blog foi baseada, também, na experiência profissional de Carolina. Com formação jurídica, ela trabalhou por vários anos no serviço público, no qual teve contato com vítimas de violência doméstica. “A gente percebia que muitas mulheres retornavam ao convívio com os agressores por uma questão financeira. Elas não cuidavam do próprio dinheiro”, diz.

Carolina Daher conta que, toda semana, recebe feedbacks positivos de mulheres que se sentem representadas, mas, curiosamente, a maior parte do público é de homens. Para ela, o aumento da participação feminina no mercado financeiro depende não só das mulheres, mas dos homens, também. “Meu pai, lá atrás, me incentivou, disse para eu ir em frente, que eu era capaz, que eu era uma mulher que poderia escolher meu futuro”, lembra. “Mas, nos lares, o homem ainda tem um poder de decisão muito grande.”

Maria Helena Válio já atuava há 30 anos no mercado financeiro quando decidiu fundar o curso Women Invest. A iniciativa nasceu em 2019, de um grupo no Facebook formado por mulheres que mostraram interesse de aprender sobre finanças e sugeriram o nome dela para fazer a ponte com especialistas no assunto. “Criei o Woman Invest com duas regras específicas: a primeira é que seria um grupo só para mulheres; a segunda, que não poderiam ser do mercado financeiro”, explica.

Desde março do ano passado, ela promove palestras com profissionais de corretoras e instituições financeiras. “Todo mundo topa falar com a gente”, conta. Ela diz fazer um papel de “tradutora”, tornando acessível a linguagem utilizada pelos convidados nas palestras. “Quando a gente escolhe quem vai falar com elas, tanto faz o sexo. Na nossa plateia, sim, só tem mulher. Elas são superdisciplinadas, levam caderno e querem, de fato, aprender”, ressalta Maria Helena.

Roberta Martini, 44, é uma das participantes do grupo. A decoradora de eventos e empresária diz que começou a se interessar por educação financeira após ouvir do filho, de 13 anos, que os investimentos da família estavam sendo feitos de forma errada. “Procurei o grupo para aprender a investir. Comecei a assistir a todas as aulas, a entender, a interagir com o assunto. A Maria Helena me ajudou a montar minha carteira de investimentos e, de lá pra cá, eu que faço tudo”, relata. 

Beatriz Dutra, 60, é administradora de imóveis e também faz parte do grupo liderado por Maria Helena. Seu objetivo foi conseguir independência dos gerentes de banco, após se ver em uma situação mais complicada. “Acredito que gerentes fazem um bom trabalho, mas quando você sabe, sente-se mais confortável. Queria entender mais de economia, de investimentos, e não ficar restrita àquilo que me ofereciam.”

Professor do Insper, Ricardo Rocha dará um curso on-line neste mês por meio do Woman Invest. “No Insper, tenho uma matéria sobre mercado em que metade dos alunos é de mulheres. Temos que quebrar essa coisa machista já na graduação. Mas o mercado não é protecionista. Esse equilíbrio faz a sociedade melhor”, afirma.

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo

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