Jornal Correio Braziliense

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O amanhã é hoje

Além do ensino das disciplinas curriculares, escolas se engajam para preparar alunos capazes de resolver problemas de forma inovadora

A cada dia, o mundo se reinventa. A constante evolução, pautada principalmente pelo aperfeiçoamento da tecnologia, com o surgimento da inteligência artificial e a automação acelerada, atinge em cheio o ser humano e o obriga a pensar em soluções para se adaptar à nova realidade e se adequar a relações profissionais e pessoais cada vez mais exigentes. Diante desse cenário, um personagem não pode ser esquecido: o estudante. Hoje crianças e adolescentes em formação, amanhã serão eles os adultos responsáveis por ditar o futuro do país. Portanto, para que isso ocorra com sucesso, é indispensável a atenção das escolas quanto ao desafio de prepará-los para as emergentes transformações e, sobretudo, as profissões que surgirão. ;O mercado de trabalho está se tornando cada vez mais dinâmico, exigindo pessoas que sejam capazes de mudar de área ou de se ajustar a novas situações e resolver problemas de forma inovadora. Isso vale tanto para as profissões mais simples, quanto para as mais complexas. Portanto, o grande desafio para as escolas é como formar crianças e adolescentes que tenham esses atributos;, analisa o professor do Departamento de Métodos e Técnicas da Universidade de Brasília (UnB), Gilberto Lacerda.

Para o especialista, a preparação dos jovens para o mundo corporativo do futuro deve seguir ainda dois aspectos indispensáveis. O primeiro é o acesso do estudante às novas tecnologias. ;Quanto mais as escolas proporcionarem esse contato, melhor será o entendimento do aluno quanto às possibilidades desses instrumentos;, analisa o professor. O segundo é uma boa formação pedagógica das crianças e adolescentes. ;É necessário domínio do português, da matemática e de outras linguagens básicas para que o indivíduo possa utilizar as tecnologias de forma mais inteligente. Sem compreensão e senso crítico, eles serão apenas joguetes desses aparatos;, analisa Lacerda.

A preocupação com o futuro movimenta algumas instituições de ensino de Brasília, que já tratam o horizonte como realidade, especialmente porque, na próxima década, a estimativa é de que 85% das ocupações existentes no mercado de trabalho sejam novas (veja quadro na página 31). No Colégio Ideal, de Taguatinga, alunos do 6; ano do ensino fundamental ao 3; ano do ensino médio têm aulas de robótica nas quais aprendem fundamentos que vão da eletrônica básica à automação de projetos.

;A robótica surge como o primeiro contato desses alunos com algo prático que pode se tornar uma profissão, afinal, a ciência está em tudo. Quando incentivamos essa atividade, os estudantes passam a entender que não são apenas meros consumidores da tecnologia, como também pessoas capazes de criá-las;, explica o professor de robótica da escola, João Henrique de Oliveira. ;O papel da escola é oportunizar experiências para que o estudante se veja fazendo aquilo no futuro;, avalia.

Possibilidades


Segundo João Henrique, qualquer profissão que surja a partir de hoje estará relacionada ao conhecimento científico. Portanto, independentemente da carreira que os estudantes optarem por seguir, o aprendizado adquirido atualmente será fundamental para a vida de cada um. ;Naturalmente, a tendência é de as coisas irem se implementando e a tecnologia está tão anexa à nossa sociedade que as próximas profissões vão se basear em como lidar com ela. Por isso, a vivência com a robótica vai facilitar o futuro;, pontua.

Aluno do 2; ano do ensino médio, Igor Caldeira,16 anos, tem essa percepção. Graças às aulas de robótica da escola, hoje ele já consegue até desenvolver aplicativos para celulares e mexer na programação de computadores. ;Pretendo trabalhar com isso no futuro, até porque eu acredito que não haverá escapatória. Teremos de nos adaptar a um mundo cada vez mais tecnológico;, analisa o estudante.

Artur Coelho, 14, está no 8; ano do ensino fundamental e reconhece que as máquinas certamente vão eliminar postos de trabalho, mas lembra que sempre existirá um ser humano construindo as novas tecnologias. ;No futuro, será grande a demanda por aparelhos cada vez mais precisos. A tecnologia terá de ser melhor a cada dia. Portanto, acredito que isso que estamos fazendo agora é uma prévia daquilo que podemos produzir daqui a algumas décadas;, opina o adolescente.

É consenso entre os jovens que o conhecimento adquirido na escola não será esquecido. ;Aqui, transformamos lixo eletrônico em algo novo. Usamos a nossa criatividade para reaproveitar uma coisa que já não tinha mais valor algum. Ou seja, essa capacidade de invenção será fundamental para o nosso futuro;, destaca Manuela Nunes, 11, do 6; ano do ensino fundamental.

Mente também deve ser trabalhada


Trabalhar capacidades de relacionamento e autoconhecimento são tão imprescindíveis quanto a familiaridade com todo o aparato tecnológico disponível aos jovens. Psiquiatra e fundador do Programa Semente, Celso Lopes explica que as competências socioemocionais também devem ter um papel central na formação dos estudantes, afinal, ;a escola precisa estar preocupada com qual bagagem de aprendizado vai prover aos alunos para que eles enfrentem o mundo que os espera;.

Para o especialista, quanto antes os professores ensinarem os alunos a lidarem com cenários de alegria e frustração, mais fácil será para que eles saibam administrar situações corriqueiras do cotidiano.

;Os professores têm de fazer o aluno trabalhar sua autogestão. Ou seja, a capacidade dele de determinação, persistência, assertividade e, principalmente, resiliência emocional. Ao mesmo tempo, o estudante precisa participar de trabalhos em grupo, para que ele apresente o seu ponto de vista aos demais e saiba dialogar, caso haja divergências de pensamentos. Isso vai estimular aspectos como iniciativa, empatia e convicção;, detalha Celso.

Tal dinâmica é introduzida aos alunos dos anos finais do ensino fundamental da Escola SEB Dínatos, na Asa Sul. Uma vez por semana, todos deixam a sala de aula convencional, com as carteiras em fileira, para trabalhar em uma classe onde têm de sentar em conjunto com os colegas. Ali, são estimulados a debater entre si, idealizar e a formular projetos e apresentar à turma.

Competências


;Nós trabalhamos com o que chamamos de life worth school (escola que valha a pena para a vida, em tradução livre). Ou seja, não queremos educar o aluno apenas para que eles façam provas, mas para que ele desenvolva competências que sirvam para toda a sua vida. A ideia é fazê-lo mais protagonista. Por isso, o professor deixa de ser o detentor do conhecimento e passa a ser um articulador do processo de aprendizagem;, diz o diretor geral do colégio, Daniel Rodrigues.

Para Julia Almeida, 12, essa bagagem vai ajudá-la daqui a uma década, quando ela espera estar em uma universidade ou trabalhando. ;A cada aula, nós ouvimos os colegas e entendemos que todos são pessoas diferentes e com opiniões distintas. Quando sairmos da escola, também será assim. Por isso, acho que o compartilhamento de ideias é bom para que todos possamos evoluir juntos;, opina a estudante do 7; ano do ensino fundamental.

Colega de Julia, Lia Marques, 12, classifica a maneira de aprendizado como uma aula para a vida. ;No futuro, qualquer que seja a profissão que escolhermos, teremos de tomar decisões ao lado de outras pessoas, e não sozinhos;, comenta. A desenvoltura em sala é essencial para quebrar as barreiras da timidez e aumentar a confiança dos alunos. Para Gabriel Fagundes, 13, esse é o fator que mais deve ser trabalhado pelos jovens. ;No futuro, estaremos nos comunicando o tempo inteiro. Quanto mais cedo aprendemos a nos socializar, melhor. Isso vai ser importante para criarmos mais intimidade com os outros e aproximarmos os vínculos de trabalho;, afirma.

O futuro do trabalho


Publicado no início deste ano, o estudo Projetando 2030: uma visão dividida do futuro, encomendado pela Dell Technologies à associação americana Instituto Para o Futuro, coletou a opinião de 3,8 mil líderes de negócios de médias e grandes corporações em 17 países, entre eles, o Brasil. O levantamento apontou :

85% dos trabalhos que existirão em 2030 serão novos-

3 em cada 4 entrevistados acreditam que a maioria das funções de liderança será preenchida por nativos digitais

38% dos líderes estão lutando para mudar a cultura da força de trabalho

84% das pessoas que participaram da pesquisa esperam que todos os seus funcionários sejam especialistas digitais

22% dos respondentes se perguntam se a força de trabalho está equipada com as habilidades necessárias para ter sucesso

50% dos ouvintes não imaginam como serão os próximos 10 a 15 anos, no respectivo setor

56% dos entrevistados disseram que as escolas devem ensinar crianças e adolescentes como aprender, e não o que aprender, a fim de desenvolver habilidades como raciocínio lógico e capacidade de autonomia desde o ensino básico Fonte: Dell Technologies