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Ensino médio: desafios no DF

Escolas públicas e privadas sinalizam avanços para implementar, em 2022, as diretrizes do novo modelo de currículo, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. Desde 2016, a proposta é debatida

Bruna Lima
postado em 28/09/2019 06:23 / atualizado em 19/10/2020 14:04
Ana Carolina Botelho, orientadora educacional do Galois:

O debate e planejamento para colocar o novo ensino médio em prática tem sido foco das escolas do Distrito Federal. Mesmo com a obrigação formal de implementar o modelo somente em 2022, as instituições, tanto privadas quanto públicas, têm unido esforços para efetivar as novas diretrizes ainda no próximo ano letivo. Projetos-piloto vêm sendo desenvolvidos como forma de experimentação e já demonstram resultados positivos para além da formação dos conteúdos.

Na rede pública, o Distrito Federal sinaliza avanço, se comparado a outras unidades federativas. Desde 2016, a proposta é debatida e foi apresentada mais de 130 vezes oficialmente em encontros educacionais, segundo informações da Secretaria de Educação (Seedf).

O currículo preliminar está pronto e, em outubro, deve ser inserido no site da pasta para consulta pública. O texto também passará por análise em plenárias presenciais, com participação das regionais de ensino. A perspectiva é de que a versão final, com as contribuições da comunidade acadêmica e civil, esteja pronta para apresentação ao conselho até o fim do ano.

O plano da secretaria é de que um grupo de escolas possa iniciar o novo ensino médio a partir desse currículo, ainda em 2020. No ano seguinte, deve haver a ampliação dessa aplicação para que, em 2022, todas as escolas estejam com o novo ensino médio em vigor. A implementação, no entanto, será feita de forma gradativa, começando apenas com os primeiros anos até atingir os três anos do ensino médio.

“Muda-se toda uma perspectiva de ensino e isso é inédito no Brasil”, alerta o diretor de ensino médio da Secretaria de Educação, Fernando Wirthmann. Pela primeira vez, o estudante tem um leque de escolhas por meio das eletivas e trilhas de aprendizagem. “Busca-se trabalhar as competências socioemocionais, questões de resiliência, respeito às diversidades, pedagogias de projeto e metodologias ativas. Habilidades importantes que vão além da preparação para um vestibular, mas para a vida”, avalia.

Com a atualização, o ensino passa a ser ofertado de forma semestral, e a matrícula é feita por componente curricular, baseado no sistema de crédito. Isso significa uma mudança pedagógica, estruturante, gestacional e, principalmente, cultural. “Temos esse modelo educacional vigente arraigado há décadas, e o tempo é essencial para que essa transição seja efetiva, pois se trata de uma mudança de cultura. A comunidade precisa interiorizar que o estudante tem acesso livre à informação, o que muda a perspectiva do professor: não mais como um detentor do conhecimento, mas um facilitador, mediador”, diz Fernando.

Para que isso ocorra, o desafio é garantir uma formação continuada aos atuais docentes da rede pública de ensino e dialogar com as universidades, para que os futuros professores deixem a graduação cientes da necessidade de atuar em cima da pedagogia de projeto que inclua a metodologia ativa, aquela que coloca o aluno no centro da aprendizagem.

A Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (EAPE), em parceria com a Embaixada dos Estados Unidos, oferece curso de Steam, acrônimo em inglês para Ciências (Science), Tecnologia (Technology), Engenharia (Engineering), Artes (Arts) e Matemática (Mathematics). A metodologia visa à inserção das tecnologias às propostas de ensino, com foco no protagonismo e exploração da criatividade do aluno, diretrizes ressaltadas na BNCC. A ideia é de que os primeiros a receberem a formação sejam multiplicadores do ensino para os demais docentes. 

 

Lidar com as emoções 

A preparação do aluno de modo integral, desenvolvendo aptidões necessárias para enfrentar os desafios do século XXI e em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é uma preocupação atual das escolas. No Colégio Galois, a discussão acarretou na inclusão da disciplina educação socioemocional na grade curricular da instituição. O objetivo é que os estudantes aprendam a lidar melhor com suas emoções e relacionamentos, transformando-se em protagonistas do próprio desenvolvimento. 

 
“Há a priorização do olhar para o indivíduo, apesar de ainda ser muito conteudista por tradição. Os próprios alunos são os que mais têm entraves e buscam atividades focadas no resultado, já que, no final, o sistema foca no quantitativo. Esse é o desafio: conseguir uma mudança cultural. Para isso, já trabalhamos a proposta desde a base, com os alunos do fundamental para que entrem no médio sem essas amarras”, explica a orientadora educacional do ensino médio do Galois, Ana Carolina Botelho.

Papel na sociedade

A proposta, segundo a orientadora, busca a participação da família, que também recebe informações sobre a metodologia, de forma a contribuir na formação plena do aluno. “Essa união de esforços tem o olhar não só para formar profissionais para o mercado de trabalho, mas para que desenvolvam inteligência emocional, saibam se identificar e reconheçam o papel na sociedade.”

A participação ativa e o trabalho do ser humano como um todo, na avaliação do especialista em educação básica e professor da Universidade de São Paulo (USP), Luís Carlos de Menezes, precisam ser aplicados para avançar no novo modelo de educação proposto. “Aprende quem faz. O desafio das instituições é incorporar essa premissa e preparar o melhor plano pedagógico com o entendimento de que o currículo não é lista do discurso de quem ensina. É o percurso de atividades de quem aprende.”

O ponto central dos impasses, para Luís Carlos, é rever as avaliações. “Nos relacionamentos e nas situações cotidianas,  analisamos o contexto, o processo. Nas escolas também precisa ser assim, não meramente uma mensuração somativa e certificadora. Se isso não muda, de uma forma ou de outra, a linha de aprendizagem continua sendo essencialmente conteudista”, opina.
 

Monitoramento

Entre as principais fragilidades que ainda persistem são as estratégias de monitoramento e avaliação. De acordo com a Secretaria de Educação, a formação geral básica continua sendo mensurada por nota, com exames internos da rede. O itinerário formativo ganha uma avaliação específica em relação aos objetos de aprendizagem, de forma a saber se o objetivo foi ou não adquirido. “É um acompanhamento sobre o que adquiriu e a identificação do que precisa melhorar. Um olhar individualizado para cada jovem”, afirma Fernando. Para indicar os resultados, os pilares serão os números de abandono, evasão, reprovação, aprovação e adoecimento do docente.

A matrícula por unidade curricular permite que o jovem seja analisado de forma pontual, refazendo somente o que ainda é necessário trabalhar. “Hoje, o baixo resultado em três componentes acarreta a reprovação total da série, modelo que enfatiza o insucesso e contribui para os altos índices de evasão escolar, desgaste dos professores e maiores custos ao Estado. O intuito é mudar isso, motivar cada vez mais a criança e o adolescente”, esclarece Fernando. Em 2018, a taxa de evasão no ensino médio foi de 3,6%, uma melhora de 1% em relação a 2017, quando o índice foi de 4,6%.

Na avaliação do diretor, ainda há barreiras a serem vencidas. “Há o desafio de inserir meios tecnológicos dentro das estratégias propostas e oferecer internet de qualidade, com equipamentos adequados, o que boa parte da rede já possui, mas não são todas. Precisamos garantir instrumentos para todas e, ao mesmo tempo, permitir com que cada uma tenha autonomia para trabalhar de acordo com o contexto em que está inserida, focando sempre no protagonismo do aluno.” 

COM A PALAVRA, ELES 

O que precisa mudar no ensino médio?

Catharina Rezende, Henrique Moscoso, Maria Carolina Caldeira e Mel Lopes

Nos preparamos o ano inteiro para uma prova e isso não nos define. Temos que sair formados para a vida e não para saber fazer o vestibular. Trabalhar as individualidades, as habilidades de cada um, com foco na qualidade e não na quantidade de informações.
Catharina Rezende, 15 anos, 1º ano  

O incentivo é a nota e não a saúde mental. O aluno vai olhar para as novas possibilidades e continuar escolhendo o que cai na prova. Então, primeiramente, é necessário rever a forma de avaliação, que deveria ser voltada para o processo.
Mel Lopes, 16 anos, 2º ano
 
Se de fato houver a mudança de avaliação, em que o aluno se sinta à vontade para escolher, passará a ser uma busca pelo conhecimento e não uma série de conteúdos que é jogado para o aluno. Isso é o mais importante.
Maria Carolina Caldeira, 16 anos, 2º ano 

Muitos alunos saem do ensino médio psicologicamente despreparados. A base deve ajudar a melhorar as relações do ser humano consigo mesmo, desenvolvendo inteligência emocional, e com os outros, com trabalho em equipe, cooperação e tolerância.
Henrique Moscoso, 15 anos, 1º ano 

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